PARTE 04: "Ballad for Dead Friends"

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I really wished I could have saved you

Then who would save me from myself?

Right now, well, I could use a stiff drink

To kill the pain that's deep inside my bones

Os faróis da ambulância iluminavam o local com tons vermelhos, deixando a cara melancólica de Laís com um certo tom de terror. Paramédicos tentaram o possível, mas não conseguiram salvá-lo. Laís foi a encarregada de dar a notícia para Gertrudes, que teve uma queda de pressão e não parava de chorar. O corpo foi encaminhado para a funerária, para ser preparado e colocado no caixão, uma vez que o enterro seria ainda amanhã.

Laís estava muito nervosa e já nem tinha mais lágrimas para chorar. Pegou carona com a mãe de Adrian até a delegacia para prestar depoimento e, apesar do estado em que se encontrava, fez o possível para cooperar o máximo possível com a polícia – até os ajudou a fazer um retrato falado do "maluco do bug"!

Passaram o resto da noite esperando o corpo ser liberado do IML e Laís, ao ver o estado em que Gertrudes se encontrava, sentiu um aperto no peito ainda maior. Deu-lhe um abraço apertado e disse:

"O Adrian pediu pra te agradecer dizer que te ama muito antes de morrer, tá?"

"Obrigada, minha filha. Obrigada".

E ainda no abraço, as duas começaram a chorar de novo.

Precisamente as seis horas da manhã, um carro de som pequeno começou a rodar pela cidade tocando alguma música religiosa clichê – Adrian nunca aprovaria uma coisa dessas – convidando toda a cidade a prestar suas últimas homenagens ao Adrian na Igreja Central.

Como narrador, apesar de ter ajudado um montão de leitores como você a viver histórias bacanas (algumas delas com uma quantidade tão generosa de mortes que cheguei a me perguntar se alguns tinham probleminhas), nunca entendi muito bem essa coisa de funeral. Acho que é uma coisa que as pessoas fazem não pensando, necessariamente, em quem já morreu... Mas nelas mesmas. Para aliviar a consciência pelas várias vezes em que se poderia ter dito um "eu te amo" ou passado mais tempo naquele abraço quando o sepultado ainda estava vivo.

Ui, profundo. Voltando com a história:

O funeral foi um dos mais visitados da cidade. As pessoas passavam para deixar suas condolências à Tia Gertrudes, prestar homenagens ao cara que sempre lhes atendeu bem na Cine Vídeo e ao grande amigo que tinham desde os tempos de infância. Leonardo fez todo mundo chorar em seu discurso quando disse que o considerava um irmão.

E como em toda cidade pequena de respeito, também rolou participação daquele pessoal sem noção que só aparece para ver se o corpo estava irreconhecível para comentar mais tarde – e se você quiser saber, à primeira vista ele estava com aparência normal e olhos fechados, apenas com umas costuras, remendos e coisas do tipo em lugares não visíveis.

Na entrada do cemitério, sentada próximo a um canteiro e trajando um vestido preto simples e óculos escuros estava Laís, ainda em choque com o acontecido.

"Tudo bem que ele era o cara que roubava as jujubas do meu pedaço de bolo nos aniversários, mas ele era um cara genial. Não acredito que eu não punde fazer nada por ele, nada! ", dizia à Fernanda enquanto socava o banquinho. Elas não eram exatamente "próximas", mas no meio de tantas pessoas era quase um alívio encontrar alguém conhecido e que não se aproximasse por interesse.

"Acalme-se, Laís. Não havia nada que você pudesse fazer..."

"O pior... É que... Eu amo ele. Sempre amei. Desde o colégio! Mas eu tinha que ter escolhido quem pra namorar naquela época? Isso mesmo, o bosta do Anderson. E agora não tem mais nada a fazer!"

Fernanda deu um abraço apertado na amiga.

"Laís, não sei se você vai me achar fora de hora, mas concordo com o narrador sobre essa história de funeral. Tenho certeza que se o Adrian ouvisse aquele agouro no carro de som anunciando o enterro dele, voltaria como fantasma para aterrorizar todos os envolvidos. O Adrian sempre te amou, e aparentemente você também, mas lembre-se que os dois viviam muito bem sem o outro até o reencontro lá no Mamba. Eu sei, você deve estar pensando sobre o quanto eu sou grosseira e direta, mas preciso que você reencontre a força que tem aí dentro. Adrian ficará feliz onde quer que esteja se você estiver feliz também", concluiu.

"Eu sei, Fernanda. E não, não pensei nada disso sobre você", disse Laís, após respirar fundo e limpar as lágrimas. "Muito pelo contrário, é melhor que ouvir 'meus pêsames' de alguém que só quer ganhar um alô na rádio. O que pesa mais em mim é saber que mesmo com todos os meus problemas, o Adrian sempre esteve lá comigo, me apoiando. Ele era praticamente tudo o que eu tinha. Queria muito que pudéssemos ter um final feliz desses em que dá tempo da gente perceber a merda que estamos fazendo e mudar, como nessas comédias românticas que tão saindo bastante agora... Mas ele não é a Buffy, né? Queria poder trazer ele de volta".

Como se um estalo tivesse passado pelo seu cérebro, Fernanda lembrou-se de algo que viu em um dos livros antigos que sua mãe tem em casa. "Hum. Tem algo que podemos tentar..."

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora