PARTE 06: "I Know There's Something Going On"

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I know what you think and what's in your mind, so darling don't pretend... I know there's something going on

O submundo era um lugar frio, escuro e não ficava tão longe assim do mundo normal: Era só alguns palmos a mais embaixo da terra além do que qualquer ser humano se sentiu dispôs a cavar. Apesar da vibe gótica, o lugar era extremamente avançado tecnologicamente – tão além de seu tempo quanto Michael Jackson ou Madonna foram nos anos 80. Não sei lhe dizer porquê, mas dizem por aí que a Dona Morte conseguiu viajar 15 anos no futuro e voltou com um montão de souvenires.

Neste momento, ecoava pelo Salão de Monitoramentos um barulho de alarme insuportável – pior que a campainha da sua casa quando aquela pessoa que você não quer atender insiste em continuar tocando. O espaço era onde um dos ceifadores (e não, eles não são caveirudos como em As Terríveis Aventuras de Billy & Mandy: Eles podiam tomar a forma humana de quem uma vez foram no passado) ficava de olho em possíveis almas fugitivas.

Desde o lançamento de Jovens Bruxas, o número de jovens tentando ressuscitar os amiguinhos aumentou drasticamente, fazendo com que o monitoramento especial fosse necessário. Você não achava mesmo que o encantamento tinha dado errado de primeira por "falta de emoção", não é? Por favor! O submundo é mais protegido que prisão de segurança máxima. Não é impossível, claro, mas pode ter um delay no contato sim.

O problema é que o escalado da vez, Carlos Ayslann, era um ceifador extremamente desligado – Não é à toa que, quando humano, morreu num acidente de trabalho com uma furadeira que lhe atravessou os miolos, deixando-o com uma cicatriz estranha na testa que parecia aquele sinal da Sabrina Sato. Ele demorou pelo menos cinco minutos para acordar do seu cochilo de dez horas e dois litros de saliva apesar do barulho e, quando acordou, o cérebro ainda não estava pronto para processar o tamanho da merda que ele havia feito.

Apesar do desleixo, Carlos era o maior boa pinta: Parecia o Kurt Cobain – e se vestia igual a ele. Sério, tinha até o cabelinho! Depois de afastar o montinho de cabelo que cobria seus olhos, tudo ficou um pouco mais claro. Mais especificamente, ele conseguiu ler o letreiro de LED que piscava sem parar, em vermelho, avisando que houve uma falha no sistema e alguém tinha retornado ao mundo normal. Dizia: "FUGITIVO: OMENA, ADRIAN. VISTO PELA ÚLTIMA VEZ NO CEMITÉRIO DE VILA LEGAL ÀS 1:40H DA MANHÃ".

"Puta merda", pensou Carlos. Você já deve saber disso, mas só pra avisar: As almas eram proibidas de voltar para o mundo dos vivos. Sendo assim, apesar de mais uma vez entre os vivos, o corpo de Adrian continuaria em decomposição. Regras são regras, amigo. Já imaginou se a moda pega? Não ia ter espaço pra todo mundo no mundo.

O problema é que, infelizmente (para Carlos), ele não foi o único a despertar com a barulheira toda.

"Carlos", Helga Dewet gritou tão alto que o teto soltou um pouco de pó. "O que diabos esse tal de Adrian está fazendo junto com os vivos?"

Helga era uma mulher de olhos meio azul-acinzentados e com o cabelo alternando entre roxo, cinza e loiro claro. Parecia uma capa da Nova – mas sem Photoshop, claro. Usava seu vestido preto de dormir, cremes para o rosto e um semblante de ódio capaz de fazer o Freddy Krueger ter pesadelos à noite.

"E-eu não sei, eu tava aqui e...", Carlos gaguejou.

"Ah, me poupe. É bom ele estar de volta neste recinto muito em breve, senão alguém vai virar jantar da Preciosa..."

Conhecida por nós como a "Dona Morte" (ou aquela com a qual você não quer cruzar), Helga Dewet era alguém bastante metódica e temperamental. Seu trabalho de ceifar almas era o amor de sua "vida", e ela considerava o que fazia uma arte "de outro mundo". Ela também se achava uma super piadista as vezes, mas já deu pra ver que não era bem assim.

Além do trabalho, Helga tinha uma enorme fixação em sua cadelinha, a Preciosa, que na frente dela era a cosinha mais carinhosa, amável e obediente que já se viu – mas bastava a Dona Morte dar as costas que ela se transformada no próprio capiroto (ou algum primo distante dele).

Carlos não estava muito afim de virar o jantar de ninguém, especialmente daquele "animal desprezível", como ele a chamava (por trás). Puxou o histórico de Adrian no arquivo de almas que tinha no computador e imprimiu-o numa Epson LX 300 – e parecia que ela estava numa séria competição com o alarme para ver quem fazia mais barulho. E sim, Helga tentou trazer uma impressora decente do futuro, mas a Alfândega da Quarta Dimensão tinha uma política muito estranha com impressoras. O importante mesmo era passar com o iPhone 5 – alguém ficou muito viciada em Flappy Bird.

Depois de esperar o que parecia ser uma eternidade pelas impressões, Carlos juntou algumas roupas numa mochila, pegou uma grana no cofre de emergências do submundo e dirigiu-se a Van preta que era usada para "casos especiais" como esse.

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Na superfície, Adrian se despedia de Laís e voltava para casa. "A vaca da Fernanda podia ter me esperado", ela disse enquanto caminhava sozinha. Já era quase três da manhã quando ele chegou e começou a procurar pela chave extra que ficava junto às plantas do quintal. Depois de quase matar a samambaia preferida da sua mãe que ele lembrou que o cachorro da vizinha tinha engolido a chave por engano no ano passado e isso quase o matou (foi por pouco mesmo), e assim tomou a iniciativa de bater na porta.

"Mãe!!! Mãe!!!", gritava como um louco do lado de fora da casa. Ele sabia que ela tinha um sono meio pesado, então tratou de fazer o máximo de barulho possível. Lá dentro, Gertrudes estava de olhos grilados e coração palpitante. "Meu Deus, é um assalto!", pensou. Foi até a cozinha pegar sua panela mais pesada e correu para a sala na intenção de pegar o telefone e ligar para a polícia.

"Mãe!!! Acorda aí, eu tô com frio poxa!!!", suplicava Adrian, ainda do lado de fora.

"Não pode ser", falou Gertrudes, baixinho, segurando o telefone. Ficou sem reação por alguns segundos, mas tratou de observar quem era pelo olho mágico – e ainda assim estava difícil de acreditar que era Adrian. "Não pode ser", falou baixinho de novo.

Tremendo e já suando frio, encontrou forças dentro de si para abrir a porta. Adrian a olhava com cara de indignação. "Por que você não colocou uma cópia da chave de casa no caixão? As pessoas podem voltar a vida, sabia?"

Gertrudes desmaiou instantaneamente.

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora