PARTE 09: "Coisas de Casal"

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Tive sorte de encontrar você, Que debocha do meu jeito de ser. De repente faz juras de amor...

Era noite e Laís estava no seu pijama mais confortável: Uma calça xadrez vermelha e uma camisa preta desbotada com o nome "Ramones". Assim que ouve Adrian batendo na porta, ela corre para abrir.

"Estava fazendo brigadeiro para acompanhar a pizza."

"E eu trouxe cerveja porque enfim, somos adultos!", Adrian respondeu.

"Altamente maduro você hein? Entra aí", disse Laís.

Pareciam um casal de cafonas: Aparentemente, Laís não foi a única a escolher pijamas para a ocasião. "As coisas estão mudando rápido. É estranho. As vezes sinto que não consigo lidar com todo esse negócio de estar morto e ter atenção pública", comentou Adrian, aconchegando-se no sofá enquanto Laís pegava dois copos no armário.

"Tudo bem, o pessoal foi estranhamente receptivo, mas ainda estamos no começo dessa sua nova vida e popularidade e tal", ela respondeu. "Relaxa um pouco! Enquanto isso liga pro Brutinhos e pede uma pizza de frango com calabresa sem azeitonas, por favor? O telefone fica na parede do corredor!"

"Ah, teve um cara muito louco que apareceu na locadora hoje."

"Mais louco que o moleque que perguntou se tu comia cérebro? Duvido"

"Pois pode acreditar – ele não sabia nem o que era fita de vídeo! Aí eu bati um papo com ele, mostrei It, falei do King e ele ficou encantado, parecia que tinha descoberto... Sei lá, uma coisa de outro mundo."

"Credo! Esse ganhou até da Kauany, a recepcionista lá da rádio! Ela é mais religiosa que a mãe da Carrie se brincar. Aposto que morreria de medo se te visse!"

Eles jogaram UNO (e Laís ganhou quase todas as partidas) até que o entregador resolveu dar as caras. Não demorou tanto assim, mas para quem já estava bebendo e com fome parecia uma eternidade. Sim, tinha o brigadeiro, mas não enche barriga de ninguém, dã!

Se aconchegaram no sofá e assistiram A Garota de Rosa Shocking, o filme preferido da Laís adolescente. Ela ficou surpresa por ele ter lembrado disso todos esses anos, e eles deram um beijo apaixonado. "Você é o meu Duckie", ela disse.

"Blaine, não? O Duckie não termina com a Andie no final."

"E quem disse que os finais de filmes não podem estar errados?"

Nessa ele teve que concordar. Afinal, Andie e Duckie fazem um casal bem mais interessante que Andie e o "cara com nome de eletrodomésticos", Blaine.

Ao final do filme, quando Duckie abria espaço para Blaine dançar com Andie no baile – Molly Ringwald, porque sugerir uma coisa dessas ao John Hughes? –, o que resulta em um beijo ao som de "If You Leave", da Orchestral Manoeuvres in the Dark, Laís e Adrian sentiram-se tentados a fazer o mesmo. O resultado foi algo doce e um pouco frio. Não no sentido emocional, mas sim pela condição de morto-vivo do rapaz.

I touch you once, I touch you twice

I won't let go at any price

I need you now like I need you then...

Era quase meia-noite, e Adrian havia esquecido de avisar a mãe que voltaria um pouco mais tarde para casa. Ela já era acostumada, claro, mas dado as circunstâncias dos acontecimentos recentes, não a culparia se ela ficasse um pouco preocupada. Pedalou vagarosamente de volta para casa, a lembrança do tão esperado beijo e a música do filme ainda tocando em sua cabeça.

Ao chegar, tentou ser o mais silencioso possível ao perceber que Gertrudes estava dormindo. Trocou de roupa e ligou a televisão para assistir alguma coisa, mas nada de interessante estava sendo exibido naquele momento. Decidiu sintonizar o rádio na FM e ouvir o programa de flashbacks que ouvira sua mãe comentar uma vez. "Até que ABBA era interessante", pensou.

Achava que sequer terminaria de ouvir "Dancing Queen", pois comeu tanta pizza que se julgava em um estado de quase hibernação, mas acabou descobrindo que isso era a última coisa que seu corpo ainda em decomposição precisava. Rolou na cama a noite inteira pensando na vida e escrevendo frases que achava interessante em seu caderninho.

Pela manhã, teve uma breve discussão com Gertrudes sobre a mania-quase-doença bizarra que ela tinha de transformar toda e qualquer informação sobre qualquer pessoa, inclusive seu filho, em fofoca.

"Ah mãe, qual é! Imagina se o pessoal viesse atrás de mim querendo me matar? Será que isso não passou pela sua cabeça?", questionou Adrian.

"Desculpe, meu filho", ela disse, claramente triste. Gertrudes não gostava de errar, especialmente quando esses erros envolviam o relacionamento com seu filho. "Você tem razão".

"Eu te amo, mas você precisa maneirar esse negócio de fofoca. É doentio! Mas relaxa, não estou com raiva, não tenho tempo para isso. Falando em tempo, já devia ter ido para o trabalho."

Adrian deu um beijo na mãe, pegou o seu discman e saiu.

-

Carlos estava encantado com Vila Legal e seus jovens de cabelos coloridos, as músicas de uma banda gringa chamada blink-182 e da The Flow, uma banda local que ele viu se apresentar na noite anterior. Entrou na Locomotiva Discos, a loja de álbuns musicais da cidade, e começou a dedilhar a coleção empoeirada de vinil – o único ser aparentemente jovem que parecia interessado nisso. Sua fascinação era tanta que parecia nem lembrar do "trabalhinho" que ele tinha para fazer.

"Procura alguma coisa em particular?", disse a atendente da loja que vinha se aproximando.

"Mais ou menos... Vocês tem algo do Elvis Presley por aqui?"

"Temos sim! Nossa, eu amo o Elvis cara... A voz dele me dá arrepios."

"Sim! Eu o vi ao vivo uma vez, foi muito lindo" – ele falou, instantaneamente percebendo que soou estranho, e antes que ela pudesse fazer uma cara de reprovação, tentou consertar. "Quer dizer... Meu avô viu. É que ele me falou com tantos detalhes que parecia que eu estava lá."

"Nossa! Que legal... Qual o seu nome? O meu é Milena, mas acho que cê já viu isso no crachá. Mas pode me chamar de Mia. Mia Diógenes!"

"Eu sou o Carlos, prazer!"

Os dois apertaram as mãos como dois adolescentes abobalhados. Como diria um filme adolescente clichê: foi amor à primeira vista. E na expectativa de corresponde-lo, Carlos a convidou para o show da Jack78 no Mamba Negra sábado à noite.

"E aí, topa?"

"Claro que sim! Você me pega às oito nesse endereço", disse Mia enquanto anotava as direções para sua casa na mão dele.

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora