PARTE 07: "Medo"

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Precisa perder o medo da morte, precisa perder o medo da música. O que se vê não se via, o que se crê não se cria

Era Sexta-Feira era de manhã. Os pássaros cantavam, o vento passava, os vizinhos comentavam sobre o fim do mundo e o Bug do Milênio – alguns até cogitavam se mudar para Alto Paraíso, em Goiás!

Na casa de Adrian, o rádio estava sintonizado na Princesa FM. Era hora do Cala a Boca e Escute, e Laís tinha acabado de anunciar uma música da COMUMRAIO. "Ela tem um ótimo gosto pra música", pensou Adrian, enquanto se virava na cozinha pra fazer o café da manhã.

Gertrudes dormia no sofá, coberta pela manta de croché que outrora o ornamentava. Acordou com o barulho de panela caindo no chão feito pelo Adrian, que por sua vez tentava fazer o mínimo de barulho possível. "Minhas panelas de ferro novinhas!!! ", pensou.

"Bom dia, mãe", falou Adrian da cozinha enquanto mexia os ovos na frigideira. "Espero que você não tenha se assustado com o barulho. "

"AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH", Gertrudes gritou, procurando o crucifixo e a imagem de São Jorge que ela deixava na sala. "Sai daqui, capiroto! Sai! Em nome de Jesus! "

Adrian tentava acalmá-la como podia, mas era complicado. "Calma mãe, sou eu", ele dizia enquanto ela balançava os braços como uma galinha fugindo da morte.

"Não é não! Isso é o demônio, que assume a forma de entes que se foram pra dizimar famílias! ", ela gritou, enquanto procurava pelo crucifixo mais próximo na estante. "Está tudo na fita k7 Como Identificar o Satanás em Forma Física, do pastor Feliciano Soares!"

"Qual é, né mãe? Acho que você deveria acreditar mais em mim, seu filho querido que voltou do mundo dos mortos em consideração a você que em 'Pastor' que usa religião pra pagar chapinha no fim do mês", disse Adrian, surpreso ao ver como sua mãe estava agindo pior que a mãe da Carrie no filme. "Eu fiz seu chá favorito, não precisa dizer qual o sabor, apenas experimenta. Você sabe que se eu não fosse eu, não saberia fazer esse negócio."

Depois de pensar duas vezes, aceitou a xícara de chá feita pelo filho e deixou de lado os alhos e o crucifixo que ela já estava juntando para fazer um colar. Cheirou antes para se certificar, e viu que era mesmo de camomila, seu favorito.

"Filho! É você mesmo!", disse Gertrudes, correndo para dar um abraço no Adrian. "Não devia ter acreditado naquela fitinha satânica daquele cabrito sem futuro! E aí, como foi que você conseguiu voltar? Jesus é tão bonito quanto nas estátuas da igreja?"

E enquanto ela tomava o chá, ele contou toda a história – e ficou feliz com a reação da sua mãe sobre a Laís ("Sempre soube que aquela garota era bacana", Gertrudes disse). Também falou sobre como não tinha encontrado com Jesus, mas que achou o submundo um lugar até que interessante. "É tão mais ou menos quanto essa dimensão. Achei muito parecido com o que o Tim Burton colocou em Os Fantasmas Se Divertem, só que não teve nenhuma Juno me obrigando a passar anos assombrando a Cine Vídeo", ele disse. "A única parte que não gostei mesmo foi o sufoco pra sair do caixão. É assustador acordar dentro daquele negócio!"

Adrian olhou para o relógio da parede e viu que era quase oito horas. "Minha nossa! Mãe, tenho que ir pro trabalho", disse Adrian enquanto procurava as chaves do fusca. "Cadê as chaves do Herbie?"

"Ih, filho. Estão junto com as coisas que vieram do IML", Gertrudes respondeu. Não sei onde guardei, porque estava muito nervosa quando recebi o pacote mas... De antemão, lhe aviso que o carro continua no lugar onde você o estacionou. Mas a sua bike tá na garagem! Não é a mesma coisa, mas é melhor que ir andando."

Ele deu um beijo na mãe, pegou a bicicleta e correu pro trabalho. Nesse interim, um pensamento aleatório passou pela cabeça de Gertrudes. "NOSSA. Essa é a maior fofoca de todos os tempos! Quero ver a Flora superar a história do Adrian voltando dos mortos. Só se ela tiver visto a ressurreição de Jesus!"

Ao chegar na locadora, tudo estava fechado. Viu uma faixa preta e um cartaz em sua homenagem – o lugar estava de luto. "Que bonitinho", pensou. Então, seguiu em direção à casa do dono, Sr. Roberto.

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Gertrudes reuniu todos os amigos para um café com bolo na cozinha e começou a contar sobre o que aconteceu com seu filho, mas é claro que ninguém acreditou em nada do que ela havia falado.

"Mas eu tô dizendo que é verdade! O Adrian apareceu na minha casa, vivinho... Bem, quase vivo, ontem à noite!", dizia Tia Gertrudes para um bando de senhoras incrédulas.

"Sabia que a tristeza deixava as pessoas com depressão, mas isso aí é novidade."

"Que é isso, Seu Nestor. Você acha que eu sou de mentira? Então vai lá na Cine Vídeo e vê com seus próprios olhos".

Nestor rolou os olhos, mas estava morrendo de curiosidade. Pegou sua bengala e, junto com as outras senhoras, seguiu em direção a locadora – não sem antes espalhar uma boa fofoca pela vizinhança.

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora