PARTE 03: "Canção pra Você Viver Mais"

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"Deixei que tudo desaparecesse, e perto do fim não pude mais encontrar... O amor ainda estava lá"

Adrian e Laís sentaram-se num banco de praça próximo ao anfiteatro – apelidado pelos cidadãos de Vila Legal de "buraco do prefeito" – e não demorou muito para que eles começassem a sessão de nostalgia.

"Lembra de quando a gente saiu correndo pelo pátio da escola, tomando banho de chuva e fazendo juras de amizade com a Marilia, o Jean, o Ramon e a Dayse? Por onde anda esse povo?", disse Adrian.

"Como esquecer a cara de susto do Ramon quando viu que a chuva ia levando embora o chinelo que ele tava usando?", Lais respondeu, rindo. "Não sei... Eles estudam em outras cidades, né? Nunca recebi carta nem telefonema desde que o Colegial acabou."

"Que pena. Seria legal uma reunião daquela turma! Ah... Saudades daqueles tempos."

"Saudades de ter que fugir de casa porque sua mãe queria que você fosse garota de programa, e por causa disso você teve que trabalhar naquela lanchonete escrota durante o resto do Colegial, recebendo apalpadas indesejadas de caminhoneiros gordos e sebosos?"

"Ah, qual é! Não foi tão ruim assim. É estranho dizer isso... Me lamentei bastante pela vida ter me feito 'precoce'. Questionei Deus, o mundo... Hoje vejo que está tudo bem. E qual é, você sabe que eu aprendi Artes Marciais e dei uns belos socos naqueles caras. Eles eram tão gordos que me sentia usando saco de pancadas!", ela riu, lembrando. "Não acredito! Disse a mim mesma que nunca iria sentar numa rodinha de povo que só fala do que já viveu, e olha o que tô fazendo!"

"Mas é claro que a gente tem que falar da sua vida, mocinha. Quem mais conhece alguém que fugiu de uma mãe abusiva aos quinze anos e aprendeu muay thai para se defender de clientes abusivos num curto emprego como garçonete? Parece coisa de filme! Melhor, parece coisa daquela série... Buffy, a Caça-Vampiros!", disse Adrian na maior empolgação.

"Ah tá, senhor 'pai abusivo e hipocondríaco que descontava toda a raiva em mim e na minha mãe até que tomei coragem de dar um belo soco na cara dele e ele se sentiu obrigado a vazar das nossas vidas'", respondeu Laís. "Como que anda esse rolo todo?"

"Ele realmente sumiu. Nunca recebi carta nem nada. Mamãe tentou ganhar direito à pensão na justiça, mas nem tinha como fazer muita coisa, já que não tínhamos dados úteis como o endereço dele ou telefone. Foi um pouco difícil pra ela dar conta de tudo, e foi mega estranho ver ela se envolvendo com outros relacionamentos abusivos, mas agora estamos só nós e, apesar dela ter se tornado o estereótipo de vizinha fofoqueira, estamos bem. E, no fim das contas, é o que importa."

"Ah! Te contei que consegui entrevistar o Nirvana quando eles vieram pro Brasil? Não sei como, mas eles toparam dar uma entrevista pro meu programa da rádio universitária. Lembrei da briga que a gente tinha, porque eu era fã do Audioslave e você pagava o maior pau pro Kurt, o tempo inteiro! Fiquei tão triste com o que aconteceu depois..."

"QUE IRADO! Devia ter pego um autógrafo pros amigos, né? É uma pena que ele tenha se matado. De verdade."

"Ah, qual é, tinha que ser 'profissional'. Mas ele era o maior gato pessoalmente. A Courtney Love teve sorte."

"Qual é, nem o Kurt Cobain supera a minha beleza exterior, tia", retrucou Adrian.

"Beleza exterior? Cadê? Não tô vendo", zombou Laís.

"Piadista você, hein... Escuta, te contei que já ultrapassei a meta dos mil filmes assistidos? O 'milionésimo sortudo', como gosto de chamar, foi 'Laranja Mecânica'."

1999Onde histórias criam vida. Descubra agora