Depois de obrigar Awa a ficar quieta no próprio quarto até que lhe chamasse, Alexsander desceu para a biblioteca, onde Lungstalt havia servido para si mesmo uma garrafa inteira de vinho. As chamas da lareira acesa próxima reluziam pelas paredes quando o ruivo fechou a porta.
Já era quase noite, mas o cômodo estava estranhamente escuro. O tom alaranjado dava um ar caseiro apesar do silêncio.
― Julie se matou há seis dias.
― Aquela menina? ― Alexsander ficou surpreso, sentando-se na poltrona ao lado da do amigo.
― Sim. Não consigo... Há um tempo... Nenhuma energia duradoura.
O ruivo estranhou, encarando a face pálida de Franklin.
― Quanto tempo você tem?
― Quatro dias.
― Isso é preocupante. ― Não poderia mentir e dizer que não estava surpreso.
― Acha que eu não sei? ― O moreno estreitou os olhos, com um sorriso de escárnio comum nos lábios masculinos.
― E no que está pensando?
― Não apenas pensei, como vim aqui, tendo a certeza que você... ― Ele parou de falar. Conhecia Alexsander desde que o ruivo nascera. Era cento e quatro anos mais velho que ele. Velho o bastante para entender que, da maneira que os olhos azuis estavam fincados nos seus, completar a frase talvez fosse um risco de vida.
― Awa não é um alimento.
― Então você também está morrendo? ― A pergunta foi de uma malícia descarada, enquanto o bico da garrafa pousava nos lábios já vermelhos.
― Eu tenho um ano. ― Deu de ombros.
― Então ela não vai ser o alimento por um ano. ― E não fora uma indagação. Franklin dizia como se já visse o futuro.
― Ela nunca vai ser um alimento, Lungstalt. Se foi pra isso que veio-
― Eu vim pelos anos que nos conhecemos e porque sei que nunca deixaria um amigo na mão. Nossa amizade é como um contrato, não? ― O moreno sorriu, mas o ruivo continuava sério como um cadáver.
― Awa não faz parte desse contrato. ― Ele foi gélido, levantando-se no exato instante em que a porta da biblioteca se abriu, revelando a figura loira, vestida numa grossa camisola de lã que lhe cobria do pescoço aos tornozelos e mesmo assim, os orbes azuis faiscaram em direção aos dela.
― Que contrato? ― A loira sussurrou e Franklin não pôde deixar de rir, levantando-se também apesar da nítida expressão de "se afaste" do outro.
― Estávamos falando sobre as coisas que fazemos por amizade. ― Lungstalt explicou, calmamente, não compreendendo que Awa não era como as outras. Ela não era uma criança e não pensava como uma. O simples fato de ser tratada daquela forma lhe transformava em uma menina irritada.
― Eu estava falando com Alexsander. ― O sorriso nos lábios do moreno cresceu, conforme a expressão da loira se fechava ainda mais para que a mão delicada agarrasse a do ruivo e o puxasse para fora da sala.
Alexsander deixou-se ser levado e fechou a porta atrás de si, encarando a menina.
― Por que vocês estavam falando de mim...?
― Você tem uma imaginação muito afiada para quem só ouviu algumas palavras.
― Eu não gosto dele. ― Ela foi sincera, entrelaçando os dedos aos do homem, que deu o passo seguinte para abraçar o quadril delgado com a mão livre. ― Me trata que nem criança. E alguma coisa nos olhos... Ele é mau. Ele é muito mau.
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Sentimento Solúvel - (COMPLETO)
ParanormalNos tempos atuais, em um castelo isolado nos Alpes Franceses, se esconde um incubus. Seu nome é Alexsander Mordoren, e ele é mais antigo que as pedras que constroem o castelo onde habita. Alimentando-se de jovens virgens por todos os séculos de vida...