Legado

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Era sempre assim, aulas e mais aulas, estávamos no primeiro semestre, mês de maio. Férias chegando, opa, isso já alegra meus dias de estudante.

E então, para a glória do mundo, o sinal bateu. Peguei meu celular junto dos fones e saí correndo mais que o flash, mentira, eu não possuía essa linda capacidade. Infelizmente.

Estava andando a caminho da segunda escada enquanto ouvia as vozes dos alunos ao redor e pouco a pouco conseguia entende-las.

Eles sempre falavam.

Não há um dia sequer em que essa escola parou de falar.

Mas esse ano... Talvez isso acabe.

Me entendam, existem certas que nunca preferi falar. Outras que eu não gostava. E algumas que eu entrava em pane.

Thayná Monterey era uma dessas coisas.

Caminhei afetada, passando pelo mural de alunos importantes nessa escola e parei para observar. Desde 1970 quando São Paulo já era uma cidade "popular". Aquela escola já tinha alunos que mereciam seus méritos e até hoje continuava assim.

De patricinhas com pompons e batom rosa chiclete, nerds com suspensórios e jogadores com cabelo Elvis Presley até protótipos de Kim Kardashian, excluídos sem estilo e skatistas pique maconheiro havia naquele quadro. A moda muda, mas a hierarquia popular nunca, não mesmo?

Ela estava lá, com uma linda plaquinha dourada embaixo de sua foto escrita: Thayná Monterey; Enquanto esteve por aqui, pregou o bem e solidariedade.

Provavelmente essa legenda foi escrita por um aluno da jornal que era apaixonado por ela, pra mentir assim, tem que ser.

Minhas sinceras desculpas, mas Monterey não era uma boa pessoa, estava longe de ser.

Eu odeio falar sobre ela, ouvir sobre ela ou até mesmo ver a imagem dela. Eu entro em pane mental, eu não sei o que fazer, falar ou como agir e tudo é substituído por raiva e uma vontade de chorar.

Ainda sou humana e me arrependo de meus atos.

- LANA BANANA, LANA, LANA, LANA!!!! - Uma Vivian cantando, vulgo gritando que nem uma hiena parindo, pelo corredor e atraindo olhares e pequenas risadas.

- Ah meu Deus! Começou a viadagem, é muuuito amor! - Disse rindo e jogando meu cabelo para o lado e olhando a loira que já estava a passos de mim. Os jovens antes perdidos em coisas do passado agora nos encaravam. Alguns com ódio, outros rindo.

- Que? Amor? Eu? Querida, abaixa essa bola que ela ta muito alta para meu gosto! Agora rebola essa rabá gigante pro pátio que eu tô com fome - Reclamou começando a me empurrar enquanto eu ria.

- Olha, respeita minha bunda tá?! - Respondi brincando.

Quando fui ver já estávamos no pátio, com nosso grupinho, que se consistia em 7 pessoas, que vez ou outra iam ali ou aqui.

Somos a elite e como bela elite, temos a obrigação de atender e suprir nossos súditos. Não que fosse uma obrigação, isso era algo meramente natural. Simpatia, dom que todos ali usufruíam.

- Vocês ficaram sabendo? Parece que foram descobertos alguns grãos de cocaína no carpete do carro dela - Lucas, comentou. Seu pai era juiz e sua mãe delegada e ele sempre era o primeiro a saber novidades de alguns casos.

- Ainda esse assunto? Lidem com isso, ela não faz mais parte disso, ela está morta e mini-grãos de droga não vão trazer ela de volta - Carol, a sensata do grupo respondeu revirando os olhos.

- Diz isso porque não é você que está em outro plano observando seus amigos falarem de você sem poder se manifestar - Rafaela rebateu, defendendo a amiga com sua voz enjoada.

- Ihhh... Bem que diziam por aí que ela era uma má alma! Saí pra lá o espiritista. Sei lá o que tu é! - Debochou Henrique seguido de um toque de mão de Gustavo e claro eu ri junto.

- Era tão ruim que ficou no segundo plano mesmo... - Comentei escondendo toda a amargura que tinha em meu consciente e a vontade de desabar. Eu tinha que aprende ir a lidar.

- Você? Falando da Thayná? Nem esse direito você tem garota, se toca. Entrou de substituta made in china! Que louca... - Rafaela encarou as unhas e revirou os olhos, em uma tentativa de se defender.

- Louca é teu cu, Daddio, ela 'tá morta! Não tem pra quê ficar defendendo tua rainha, ela não faz sua fama agora e se você quer continuar tendo tudo aos seus pés nessa porra de escola acho melhor não virar a próxima Monterey. A devoção a ela, era pura manipulação - Clara se manisfestou contraditória. Eu já estava começando a perder a vontade de ficar ali, mas ouvir Clara falar me dava um pingo de sanidade. Ela está morta, não pode me atingir.

Na verdade, pode sim.

- Você não era amiga dela, não pode falar isso! Você não sofreu a perda dela, você não tem aquela dúvida se ela morreu ou foi morta! Você era apenas um boneco dela! - Ela ainda insistia em defender a amiga. Aquelas palavras me acertavam como punhaladas.

- Se ela era um boneco, você era o cachorrinha de estimação, agora calem a porra da boca que não sou obrigada a ouvir vocês discutindo sobre um cadáver que está no tártaro do inferno! Vocês não cansam de ser trouxa?! A filha da puta faziam vocês de capachos e vocês tão aí, aumentando a porra da fama dela! CALEM A BOCA, CARALHO! Não é difícil, eu garanto! - Vivian estourou, assim como eu, ela odiava esse assunto. Ela odiava Thayná. - É tão difícil aceitar que ela está morta? Não é como se ela fosse parecer aqui, com um vestido branco da Gucci pra dizer isso e esfregar na cara de vocês o quanto ela está bem lá no céu. Ou inferno, foda-se aonde a filha da puta está! Só calem a porra da boca em relação a ela. Morta, morta e morta! Entenderam!? - Ela explodia, assim como eu também, mas ao contrário de mim, seus motivos eram limpos e justos e não lhe causavam peso na consciência. Como disse, Vivian não precisou de algo pra ter a fama que ela tinha naquela escola. Ela nunca precisou de Thayná Monterey pra ter fama ali. Ela nunca foi um dos brinquedinhos da Monterey.

O pátio inteiro observava aquela cena, não era de se esperar menos. Vivian tinha explodido. E aquilo seria fofoca o resto da semana. Pelo menos esperava eu que a fofoca fosse essa.

- Ainda não sei como essa garota faz parte do grupo, nunca soube - Rafaela disse e eu já estava bastante quebrada pra rebater, mas mesmo assim.

- Ela faz parte, porque diferente de você ela tem conteúdo e opinião própria. Não depende da fama de alguém morto pra estar aqui! - Revirei os olhos, sendo a típica atriz que sempre fui.

- Pelo menos não sou eu que estou de substituta no lugar dela - Provocou com a voz asquerosa. Por mais que não demonstrasse, aquilo atingia no mais profundo da minha consciência.

- Cala tua boca! Acho que está confundindo o papel. Não sou eu que saio dando pra todos em troca de fama - Eu já estava perto de explodir, de entrar em pane.

- Confundindo o papel? Engraçado né Alana? Thayná morreu três semanas depois de você entrar na escola... Seria isso uma mera coincidência ou algo proposital? - Dito isso, passou a língua nos lábios, enxugando o veneno cobra que tinha ali, enquanto eu já estava atônita.

- Rafaela Daddio. Você não tem noção do que está falando?! - Gustavo se manifestou pela primeira vez ali - Está acusando uma adolescente de matar outra!

- Não estou acusando ninguém - Sorrio cínica - Mas se a carapuça serve e vocês concordam comigo... Quem sou eu pra discordar? - Fez voz de inocente demonstrando a situação.

Rafaela era uma perfeita cópia de sua rainha, só que mais burra. Fora isso, sabia manipular e virar uma situação como ninguém.

- Incrível ver como ela realmente consegue manipular todos vocês... - Falei apenas pra me manter por cima e saí dali, começando a chorar, eu não me importaria se alguém visse. Não mesmo.

Já haviam fofocas demais correndo por ali, mas uma não faria diferença. Juntamente de meu legado, que agora, pode estar arruinado.

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