Capítulo 10: Familiaridade

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Mesmo que a última alma vivente que eu tenha visto tenha sido Titus antes de me deixar completamente isolada neste quarto e, ainda que pelo fato de eu estar completamente sozinha, eu, Clarke, não me sinto solitária. Antes de ir embora, ele me fez perguntas pessoais do tipo se eu estava com fome ou sede ou calor. Sem dúvidas gostaria que eu tomasse um banho para poder me apresentar diante de sua comandante na minha forma mais agradável e palatável, mas eu recusei todas as ajudas que ele tentou me dar.

A justificativa para eu não me sentir sozinha ou para ter recusado o auxílio de Titus é que quando eu olho ao redor posso ver toda minha família e amigos. Eles estão de pé em cada centímetro de concreto, respirando ao meu lado, os olhos direcionados a mim em uma súplica silenciosa como se eu fosse a única capaz de lhes aliviar o sofrimento. Eles são tudo que eu preciso agora. Não posso me distrair com comida ou um banho de tina e perder tempo em que deveria estar pensando na maneira mais fácil e rápida para mandar Lexa para o outro lado.

Também não fico analisando o que ela me disse, tentando em vão encontrar algo que mude o jogo e tendo esperanças em qualquer coisa que eu ache de surpreendente em suas palavras. A verdade é que Lexa só lembra que eu existo, que sou uma opção e que me quer ao seu lado quando eu apresento-lhe algo vantajoso. Nesse momento, na cabeça dela, eu posso ser a paz que ela necessita. 

Mas eu não sou paz. Eu nunca fui. Minhas marcas estão aí para quem quiser ver.

Sou Wanheda. Sou fogo, destruição e guerra. E ela não deveria ter me deixado entrar em seu palacete.

Então, eu faço aquilo em que sou boa. Em executar planos que destroem vidas.

Eu me imagino nos braços de Lexa, por um momento obtendo sossego, uma familiaridade ilusória, apenas um segundo de paz antes de erguer o braço que antes esteve apoiado no arco em suas costas. Quando minha mão se levanta feito o sol no horizonte, rapidamente um tom vermelho me escapa, derramando-se sobre a pele da Heda. Vejo aquele rio correr para baixo, um canal serpenteando por colinas desertas, e eu ouço um chiado, um grito suprimido, seguido de um espasmo do que quer que eu tenha em volta de mim e sei, aquela certeza absoluta e quente que eu acabei de fazer algo muito errado.

Estou chorando como uma criancinha desmamada quando as portas se abrem as minhas costas. A minha frente o vento sussurra nas janelas sem vidro, convidando os seres humanos a deixarem o abrigo de cimento. As portas são fechadas em um arrastar preguiçoso. Não me viro para ver quem entrou e quando através das lágrimas olho para a paisagem lá fora, escura, de um céu sem estrelas, eu vejo uma maneira mais rápida de me livrar de Lexa. Onde eu não teria que ver seu sangue me cobrir ou sentir a vida se esvaindo de seu corpo.

Limpo as lágrimas de meus olhos e ainda sentada na beira da cama, giro meu tronco um pouco para o lado apenas o suficiente para ver quem está no quarto comigo. Uma dor cruza meus olhos e parece atravessar o ar até os olhos escuros de Lexa. Ela se aproxima como se eu a houvesse chamado, e ela finca os pés no chão próximo da minha cama. Ela abaixa a cabeça, depois volta a olhar para mim, cruza e descruza os braços as costas. 

Não sei o que devo dizer ou se eu quero dizer qualquer coisa. Apenas sei que ela precisa estar perto, muito perto de mim para que a coisa seja feita rapidamente, com o mínimo de alardes. Apenas sei, o conhecimento frio de uma assassina, que devo encontrar um meio de deixar Pólis antes que alguém me encontre. E por alguma razão estúpida, eu não havia parado para pensar nisso. No que viria depois.

Nia não virá me resgatar. Disso eu sei.

Titus me matará em pessoa se ele me alcançar. Tenho certeza.

Qualquer um tentará dar justiça a sua comandante. Uma voz grita em meus ouvidos.

Eu tremo visivelmente diante desses pensamentos. Era isso que a rainha Nia queria, me ter afogada no desespero. Não posso recuar, assim como não posso sair dessa com vida. Apenas por que eu não consigo matar Lexa e ainda ser meticulosa e cuidadosa para ninguém descobrir até eu estar longe.

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