Estamos caminhando até o rio. O sol ainda ilumina bem o caminho, com seus fortes raios queimando a nossa pele. A cada segundo que adentramos as partes das grandes construções, elas deixam lembranças extremamente boas, o que inevitavelmente me faz querer sorrir e chorar ao mesmo tempo.
Quando eu tinha uns seis anos fazia questão de ir ao menos duas vezes na semana fazer um grande passeio. Agora, penso que deveria ter aproveitado mais, cada segundo, cada risada, desde pequena até o começo da minha adolescência. Mas não posso me culpar. Eu não entenderia nada naquela época. O mundo já estava por sofrer uma grave destruição, mas ainda não havia nada destruído. Nada acabado. E hoje, ver tudo isso no chão, ainda dói. Talvez seja por isso que eu não saía da floresta. Para não lembrar.
Lembro dos últimos anos na escola. Kitty. Ela morreu na minha frente, em um bombardeio. Evito ao máximo pensar sobre isso, mas não há como apagar as memórias. Não aqui. Ela era uma das poucas pessoas que me entendiam e me ajudavam. Claro, eu tinha outras pessoas a minha volta, minha família sempre me apoiou, mas era tão bom ter Kitty ao meu lado. Ainda bem que ela se foi. Ela não se encaixaria nesse mundo destruído e vazio. Simplesmente não consigo imaginá-la aqui. Digamos que ela era muito para este mundo tão solitário.
Minha respiração está ofegante. Eu realmente queria poder correr agora. Seria uma sensação maravilhosa. Apesar do sol, o vento está forte o que faz com que o meu cabelo atrapalhe a visão. Eu achava que a floresta não tinha um cheiro agradável, mas isto aqui está bem pior. O cheiro do lixo, de todos resíduos improváveis ainda fedem. Faço uma careta diante desse cheiro. Eu realmente não suportaria mais um minuto neste lugar, antigamente. O silêncio preenche o ar e decido quebrá-lo.
- Que cheiro maravilhoso! - Digo ao Ryan.
- Eu realmente nem notei! Lá, em Harrisburg, o cheiro não era tão agradável. - Ele responde e aparenta lembrar dos seus anos em Harrisburg. Acho que ele não pretende me ignorar, não mais. Pelo menos, agora tenho alguém com quem falar. Desviamos de um matagal que está cobrindo o que antes era cimento. Atualmente, tudo que é mato e terra cobrem os antigos prédios. Todos arrasados, quebrados, caídos e despedaçados igual a mim. Meu estômago dói indicando que precisa de alimento o mais rápido possível, e eu também estou cansada de andar. O suor escorre pela minha testa e pinga excessivamente. Ainda manco, mas a minha perna não dói tanto. Sair da minha "área" me deixa desconfortável. O sol aparenta ser mais forte, mais quente e durar mais aqui. Olho em volta e penso em todos os prédios que um dia estavam inteiros. A minha escola não era tão longe daqui, mas não desejo encontrá-la, muito menos encontrar a casa onde morei, agora despedaçada. A areia grossa junto com alguns pedaços de vidro e concreto, machucam meu pé. Apesar de estar acostumada a andar descalço, essas coisas não eram comum pra lá. Ryan parece não se importar. Sua mão, áspera e cortada, agora está ocupada segurando um mapa.
- Acho que sabemos o caminho até o rio, não? - Pergunto confusa. Ele olha atentamente pra um mapa velho.
- Sim, sabemos. Porém, não sabemos o caminho correto até Boston. - Ele só pode estar brincando.
- Então você veio até Nova York para ir a um lugar tão distante quanto? É loucura. Não temos suprimentos suficientes e sequer sabemos o que há por aí. Não devemos arriscar - Indago. Ele provavelmente gosta bastante de andar.
- E o que você pretende? Morrer aqui mesmo? Ou você tem algum compromisso importante? - Ele diz em um tom grosseiro. Isso dói mais do que eu gostaria de admitir.
- Sim, eu pretendo ficar aqui, pois pelo menos eu sei que ainda tem comida, água, e ainda é um lugar "seguro". - Devolvo a resposta com o mesmo tom grosseiro que ele usou comigo.
- Não sabia que você chamava de seguro, um lugar onde há tantas câmeras e mensagens de outro mundo. - Ryan diz, o que me deixa irritada. Por um minuto, apenas UM minuto, eu tinha me esquecido delas.
Continuamos a caminhada e não quero admitir que estou cansada, não quero parar, não quero que ele me atormente, então decido continuar andando, com muita dificuldade, mas continuo.
Eu realmente me prendi em um local específico de Nova York. Relembrar de tudo ainda dói. Ainda dói me lembrar de cada dia aqui. Cada passo com um sorriso no rosto. E agora, aquele sorriso, nunca mais voltará. Quando pensaram em acabar com os humanos, com este planeta que agora está destruído, não pensaram que as pessoas que tivessem a mínima chance de ficar na Terra, ficariam pior do que qualquer prédio demolido. Não quero chorar, não agora. Já cansei.
Finalmente chegamos ao rio, se houvesse um, talvez. A água que ainda sobra é tão pouca que penso ser impossível. Em um estado de choque e algo esperado, eu jogo minha bolsa no chão e resolvo sentar. Ryan faz o mesmo, limpando o lugar onde senta. Disse que estava cansada de chorar, mas a verdade é que estou cansada dessa realidade. Lágrimas escorrem dos meu olhos e tento esconder, mas ele percebe.
- Não precisa ficar assim. Nós vamos encontrar algo, ainda. - Ele diz como se isso fosse verdade.
- Eu sei. - Respondo. Mas não quero parecer irônica, só quero passar a falsa ideia de que acredito no que ele diz, mesmo chorando.
- Na Pensilvânia, em Harrisburg, não havia nada? - Indago. Ele parece não querer responder, mas decide me dar uma chance.
- Não. - Ele diz, mas não me convence.
- Você não parece ter vindo atrás de suprimentos. - Falo, encarando-o.
- E o que você acha? - Ele pergunta, me desafiando.
- Que você veio atrás de pessoas. - Neste exato momento ele levanta a cabeça e me encara de forma que um calafrio desce pela minha espinha.
- Se eu disse que não havia nada, é porque não há. - "Como eu fui tola falando isso", penso. Como sempre eu continuo com atitudes idiotas. Ele pode ser desde um cara normal que está perdido neste mundo fazendo sabe-se o quê, desde alguém de outro mundo que veio me buscar. Mas, por mais difícil que seja lidar com essa ideia, ela pode ser real. Independentemente quem ele seja, eu irei descobrir.
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O Novo Mundo
Fiksi IlmiahSinopse: Anos depois do suposto fim da humanidade o Serviço de Inteligência Nacional volta à terra para torná-la um lugar habitável e seguro. Porém, eles estão autorizados a matar a qualquer indício de humano. O mundo que conhecemos hoje se tornou u...