10. Tyana

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Engraçado, enquanto Natalie esperava a cada minuto do dia pela mensagem de um "R.", eu temia a mensagem do último casting a que tinha ido.

Era um filme a que eu queria muito participar. Havia passado semanas a dedicar-me simplesmente à interpretação certa do script. Muitas vezes, dava por mim a murmurar as falas ao pequeno-almoço e a encená-las quando Natalie não estivesse no apartamento.

Os nervos haviam tomado conta de mim.

O papel consistia, simplesmente, numa criatura mágica dos bosques, algo indefinido, como uma fada ou um elfo. Uma personagem fofinha e leve.

Quando chegou a data dos testes, pensei que estivesse pronta. Estava disposta a ganhar a atenção de cada um dos produtores, de os pôr a aplaudir-me de pé e com lágrimas nos olhos. Sonhar não faz mal, certo?

Entrei na fila, e escolhi para a ocasião um vestido comprido com saias feitas de vários tecidos transparentes sobrepostos, até se tornarem numa só saia branca linda e tão fluída que cada passo que eu dava me fazia parecer uma criatura divina. Se não conseguisse ganhar, ao menos estava linda.

Até que reparei na concorrência.

Na fila, à minha frente, mulheres eram altas e de tom de pele tão branco, cabelos tão loiros e lisos que eu me vi a questionar se, de facto, os elfos d'O Senhor dos Anéis haviam invadido Nova Iorque. Atrás de mim, parecia que a resposta era confirmativa.

Algo dentro de mim murchou e diminuiu até se transformar numa passa. Podia garantir que era o meu coração.

Levantei o queixo e inspirei fundo.

Aquilo eram ossos do ofício.

Não havia nenhumas exigências ou preferências visuais implícitas pelos produtores: havia um script, e nós tínhamos que o dramatizar. A melhor, supostamente, ganhava. E caraças, eu sou a Tyana Miller, a rainha. "A Melhor" é o meu cognome.

E, certamente, honrei o meu desígnio. Saí-me melhor do que esperava, apesar dos nervos. Podia arriscar dizer, até, que a minha audição foi a melhor sem exagerar. Muitas das concorrentes estavam lá a atuar como se tudo o que fosse necessário para um filme fosse parecer bonita e alta e dramática. Metade nem se deu ao trabalho de decorar uma fala. E no fim da minha audição não houvera aplausos nem lágrimas, mas silêncio pesado e olhares de admiração.

Mas no dia a seguir, ao abrir a mensagem, deparo-me com aquilo que mais temia.

Levantei-me e fui para a sala, disposta a afogar as minhas mágoas numa chávena de café forte, mas ao passar pela sala falho redondamente na minha tentativa de passar despercebida pela minha companheira de quarto, que acabara de se levantar do sofá vindo na minha direção.

— Tyana, está tudo bem? O que se passa? — Interrogou, preocupada.

Aquilo foi suficiente para derrubar a barreira que me separava das lágrimas.

— Acalma-te, por favor. Afinal, o que se passou para te deixar assim? — Questionou ela, abraçando-me.

— Acabei de ser reprovada para um casting... — solucei, com as lágrimas a escorrer pela minha cara.

— Calma, que casting? — Perguntou-me ela, relembrando-me de que não lhes havia contado nada.

— Era para um filme que eu sonhava em participar, mas fui rejeitada e nem tive culpa. Eu até fui das melhores e mais profissionais, e por não ter os recursos estéticos necessários desqualificaram-me por SMS! — Afirmei, revoltada. — E o pior é que nas candidaturas não existia nenhuma exigência a nível estético!

— Pronto, acalma-te por favor. Estou a ver que daqui a pouco ainda tens uma coisinha e cais para o lado.

— Não dá para me acalmar com tamanha injustiça!

— Bem, estou a ver que, quando te chateias, fazes tipo os Transformers, mudas para dicionário — Comentou Natalie.

— Para lá com as tuas blasfémias! Estou a tentar sofrer neste canto, OK? — Ripostei, ressentida com tal comentário.

— OK então... Continuo chocada por conheceres tais palavras... Apesar de nem eu saber essa. — Observou ela, encolhendo os ombros.

— Mas agora a sério, a minha vida é uma eterna calamidade.

— Não sejas tão dramática, meu Deus. Olha, lembrei-me de que hoje há uma festa da Faculdade.

— Porque é que não me avisaste mais cedo?! — Reclamei, largando-a logo. — Eu tenho muito para preparar, ou achas que eu acordo sempre linda e arranjada?! Estes britânicos de hoje em dia, ó céus!

Saí a correr em direção ao quarto, e ao abrir a porta assustei-me com uma presença masculina. Havia me esquecido completamente.

— Ainda aí estás? — Surpreendi-me, passando por ele e indo buscar algo para vestir. — Mas estás à espera do quê para sair, de um convite? Baza!

Ele olhou para mim com um ar ofendido, mas ainda assim sem se mover.

— Pensava que tinha significado alguma coisa para ti! Não viste a química entre nós?

Virei-me para ele, tentando soar o mais séria possível:

— Se queres entrar em diálogos de player, vamos nessa. — Mudei para a minha voz mais sentida: — O que houve entre nós foi mágico, algo de inexplicável e extraordinário, mas está na altura de, tu meu amado, pegares na tua armadura cintilante e no teu cavalo alado e seguires o teu caminho por entre os bosques da solidão. Ah e já agora, não te esqueças das tuas calças. Estão em cima da mesa da sala. Au revoir, mon petit chuchu. — Soltei um beijo ao ar, e comecei a remexer nas gavetas, ouvindo-o caminhar para a saída.

Quando acabo de me preparar, dirigi-me para sala, ouvindo já a voz de Daphne a falar com Natalie.

— Então TeaCup e Croissant, 'bora lá?


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