14. Natalie

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Saímos do café juntos.
Ethan ofereceu-se para levar a minha bagagem. Claro que achei querido, mas recusei, e claro que ele insistiu, e eu não consegui voltar a recusar.
Ao chegar ao carro, que estava ao fundo da rua, Ethan pôs a chave na ignição e levantou a sobrancelha.
— Não está a faltar alguém?
— A Tyana... Mas acho que ela está bastante ocupada...
— Como assim?
— Não é um propriamente um assunto de que queremos falar, certo?
— Ooooooh... ok— respondeu nervoso, mas com um sorriso maroto.
Ele liga o carro e segue caminho sem questões. Notei que me levava para o dormitório do Campus.
— Como é que sabes que moro na residência? — Inquiri, estranhando.
Com um som de hesitação responde:
— Tenho amigos lá...?
— Estás a perguntar ou a afirmar?
— Afirmar? Sim, afirmar!
— Ok...
A viagem não demorou muito. Ao chegar, ele ajuda-me a carregar as coisas para cima. Oferece-se para me ajudar a arrumar e, como tinha muito para organizar, aceitei a mãozinha.
Enquanto púnhamos as coisas no lugar, íamos trocando piadas e gargalhadas, até que ele encontra a minha fotografia preferida mas mais embaraçosa de sempre: a foto em que eu estava com a minha irmã, ela com três anos de idade e eu com seis, em que estavamos com cuecas na cabeça a fingir que eramos super-heroínas.
— Esta és tu? — pergunta-me, com um sorriso.
— Como é que encontraste isso? — inquiri com certo nervosismo. Disfarço, e tento alcançar a fotografia. Tentativa falhada, porque, sendo ele mais alto, bastou levantar o seu braço para eu não lhe chegar.
— Esta menina que está contigo, quem é?
— É a minha irmã mais nova, Mary Ann. — resmunguei, continuando a tentar trepar para chegar à foto.
— Vocês eram tão queridas. Quer dizer, não é que tenhas deixado de ser querida, mas tu percebeste...
— Obrigada! Mas podes devolver-me a foto?!
— Sabes, eu gostava muito de conhecer a tua identidade secreta.
— O quê? — questiono confusa.
— Sabes... aquela que põe cuecas na cabeça para lutar contra o crime, que se ri à gargalhada sem medo de fazer más figuras — Ethan vai-se aproximando enquanto me continua a descrever a minha "identidade secreta".
— Ethan, não sabes de que falas...
— Como assim? Eu estou a ver como eras. Porquê que deixaste esta pessoa especial para trás?
— As coisas estão diferentes... Agora eu sou uma adulta com responsabilidades... e tenho que agir como tal.
— Como o quê? Alguém que não és?
— Ethan, por favor...
— Ok, eu mudo de assunto, mas com uma condição.
— Qual? — pergunto um pouco curiosa, mas vom vontade de dar o assunto por terminado.
— Mudo de assunto se aceitares jantar comigo.
Deixei-o no silêncio, por um momento sem saber o que responder, mas querendo acabar com isto aceno com a cabeça em confirmação.
— Ótimo.
— Mas quando?
— Quando estiveres pronta.
Aproximei-me dele e vejo esperança no seu olhar. Lá no fundo, também queria poder mostrar quem eu realmente era, queria conhecer aquele rapaz que estava diante de mim, escondido atrás de jogos e palhaçadas. Dei por mim a trocar o olhar entre os seus lábios e os seus olhos, reparando que ele fazia o mesmo. Por momentos quis beijá-lo, mas de repente a porta abre e uma Tyana histérica entra.
— Natalie Richmond, não acredito que me deixaste sozinha, — ela interrompe-se ao reparar em nós, —... interrompi alguma coisa?
— Não Tyana, não te preocupes ele estava já de saída.
— Estava? — pergunta Ethan com certa confusão.
— Sim, estavas. Eu acompanho-te à porta.
Levo-o à saída e antes de ele se afastar puxo-o pelo pulso e sussurro:
— Amanhã, aqui, às oito.
Ele dirigiu-me o olhar e notei esperança nele outra vez.
— Não te atrases. Não gosto de esperar. — Digo-lhe, enquanto deposito um beijo suave na sua bochecha.
— Não te vais arrepender — prometeu-me, com certo entusiasmo.
Enquanto voltava para dentro, ainda ouvi a sua celebração pelas escadas abaixo. Dei por mim com um sorriso tonto ao pensar naquele rapaz que tanto me intrigava.
— Então as coisas estavam quentes, hm...?
— Quentes tipo o frappuccino que era suposto teres bebido, ou algo desse género?
— Eu pedi para fazer takeaway!—Tyana afirma, e afasta-se arranjando algo melhor para fazer (felizmente para mim). Aquela rapariga parece ter como hobbie favorito irritar-me.
Depois de tudo arrumado e organizado, banho tomado e pijama vestido, eu e a minha amiga fomos para a cozinha. Ofereci-me para fazer o jantar, ela aceitou sem hesitar, e sentámo-nos a conversar enquanto víamos um filme na televisão.
Pusemos a loiça na máquina e fomos para a cama.
Adormeci com alguma dificuldade, a pensar no rapaz do teatro que me transmitia tantos sentimentos.
Na manhã seguinte acordo com uma grande alegria, mais que o normal, e não noto nenhuma presença estranha na nossa residência. Será que Tyana não arranjou acompanhante hoje? Ou simplesmente adormeceu?
Vou para a cozinha fazer o meu pequeno-almoço e quando me dirigia ao frigorífico reparei num bilhete preso na porta do mesmo. "Saí com uns amigos, volto para o ano. Não esperes acordada amor. XOXO Ty-Queen".
Fantástico, não tinha acompanhante em sua casa, tinha na casa de "amigos". Pelo menos não me incomodam.
Coloquei o papelinho no lixo e continuei a preparar o pequeno-almoço, mas senti uma necessidade súbita de voltar a pegar no bilhetinho.
— Como é que ela faz estas coisas parecerem tão fáceis?— Questionei-me.
Continuei a comer enquanto tentava desvendar o mistério. Quando acabei, fui para o quarto e escolhi umas calças pretas, uma blusa branca simples e um casaco leve preto. Calcei uns magníficos stilettos brancos e uma maquilhagem muito simples, um rímel, um eyeliner e um batom de tom nude. Peguei nas minhas coisas e saí em direção ao Campus. Decidi poupar o meu bebé (acabado de receber!) por hoje e ir a pé.
Chego ao Campus com uma ligeira dor nos pés, nada de novo, e fui tentar encontrar Daphne, que por aquela altura já lá devia estar. Conhecendo-a como acreditava conhecer, ou estaria a comer ou com a cara enfiada num livro. Mas sendo que ela provavelmente acabava de sair do café agora devia estar na biblioteca. Fui para lá e encontrei-a num dos pequenos sofás que lá estavam a ler um livro gigante.
— Então, já com os livros? — pergunto num tom baixo visto que estavamos numa biblioteca.
— Ah! — Daphne dá um gritinho com o susto — Não me assustes assim! E sim, já estou com os livros... E tu não apareceste no café hoje porquê?
— Tyana em casa de "amigos", eu sozinha na residência, era perto, resumindo, apeteceu-me.
— Mas com essas plataformas monstruosas nos pés?!?
— Sim. Não é tão mau quanto parece. Já para não dizer que vou ficar cerca de duas horas com sapatilhas a descansar os meus belos pés...
— É justo. Vamos andando? Daqui a nada toca para a entrada.
— Ok, mas primeiro vemos se a Tyana já cá está.
— Ok.
Saímos dali e fomos ao refeitório ver se a encontrávamos, mas nada de Tyana. Estava mesmo para tocar, então despedi-me da Daphne e fui em direção ao estúdio onde iria ter uma aula.
Entraram todos, mas notei que estavam mais pessoas do que as da turma onde me encontrava. Comecei a analisar toda aquela multidão e consigo reconhecer o cabelo de Tyana lá pelo meio, e claro que a altura ajudou no seu reconhecimento, a figura de Jake encaminhando-se até mim e capturei o olhar de Ethan com um sorriso discreto lançado no que pareceu ser a minha direção. Fiquei sem saber o que fazer. Lanço um sorriso involuntário para Ethan e sou acordada por uma voz familiar.
— Bom dia, alegria! Então como está a minha cara Richmond? — Jake claro, com a sua normal disposição matinal.
— Bom dia meu caro Walker! Podemos dizer que está tudo bem, pelo menos uma boa noite de sono eu tive.
— Ainda bem, porque segundo o nosso querido prefessor vamos ter uma surpresa hoje.
— Uma surpresa?! Surpresa já foi eles estarem aqui. O que mais pode haver? — pergunto confusa. Ainda é muito cedo para me quererem dar cabo dos miolos.
— Não sei, mas parece que vamos já descobrir. — afirma enquanto aponta para a porta por onde o instrutor de teatro e professor de dança entravam.
— Bom dia alunos! Como já devem ter reparado, estão aqui os melhores alunos de teatro connosco. Eu e o instrutor de teatro concordamos em fazer uma aula conjunta onde os de dança vão ajudar os alunos de teatro a ensaiar alguns passos e a perceberem os diferentes estilos. Vamos fazer estas aulas duas vezes por semana até aos dias de ensaio geral para a peça de natal. Por isso, agrupem-se que vamos começar.
Assim que o professor acabou Jake agarrou-se a mim e puxou-me para ao pé de Ethan. Eu, claro, não podia ficar sozinha com estes dois: tinha que arranjar ajuda. Foi então que vi Tyana e gritei logo por ela. Formámos o nosso grupo num instante.
Comecei a perguntar por que estilo queriam começar.
— Hip hop — declarou Tyana.
— Não contemporâneo — pediu Ethan.
— O mais básico... — opinou Jake, já prevendo o trabalho que íamos ter.
— E que tal um pouco dos dois?— cedi.— Comecemos com o hip hop, mas só um pouco, porque têm de ensaiar a vossa coreografia da peça.
Coloquei uma música apropriada para a demonstração que iria dar. Comecei a dançar ao ritmo da batida, dando o meu melhor, incluindo até um pouco de atrevimento à coreografia. Quando acabei pude ver três queixos caídos.
— TeaCup, tens que me ensinar esses movimentos — gritou Tyana, com um grande sorriso.
— Não foi nada demais... — sussurro, já a corar. — Agora que já vos mostrei hip hop passamos a contemporânea.
— Mas tu sabes a coreografia? — questiona Jake.
— Sim. O prof. ensinou-nos nas últimas aulas. Nem sei como não previ estas aulas conjuntas... Formem uma linha, eu faço a coreografia para verem como é e depois começo a explicar devagar, ok?
— Sim. — concordaram os três.
Dancei com a mais pura da paixão que podia vir de mim. Realmente foi para isto que eu nasci, não para estar numa passarela, muito menos num escritório.
Acabo a coreografia e começo a explicar os passos aos meus aprendizes. Posso confessar que Jake é o que se mexe melhor. Nota-se que tem aquela vibe, ritmo, aprende com facilidade a coreografia. Visto que a coreografia seria para pares ainda facilitou mais o trabalho, pois Jake fazia as demonstrações comigo enquanto ensaiava, e eu depois ajudava Ethan e Tyana.
E foi assim até ao final da aula. Ethan e Tyana ainda um pouco desnorteados em relação aos passos, enquanto Jake já quase os fazia na perfeição.
Deu o toque de saída e fomos todos para os balneários. Entrei com Tyana nos balneários femininos e ela começou logo a melgar.
— Grande ensaio, hm...
— Sim, e cansativo. Afinal ensinar não é assim tão fácil.
— Não me pareceu assim tão complicado, minha amiga, com a companhia certa...
— O que queres dizer com isso?
— Notei muita... química e energia cinética entre ti e o... Jake, é esse o nome dele?
— Não. Quer dizer talvez. Ele aprendeu com muita facilidade e rapidez. Ficou mais fácil de emparelhar.
— Chama-lhe isso, chama...
— Ai, Tyana, não comeces. Ele é só o meu par.
Tomei o meu banho, vesti-me e sai. Fui diretamente para casa, visto que esta aula durou os meus tempos de aula todos.
Ao chegar à residência, ouço o alerta de mensagem do meu smartphone e leio "R" no ecrã. Abro a mensagem com um sorriso esboçado no rosto. "Olá, Nat. Gostei muito de te ver hoje. Para te ser sincero, não consigo decidir qual é a tua melhor curva, se as ancas, ou o teu sorriso enquanto danças. Espero voltar a ver ambos brevemente. Beijos R".
Pousei o telemóvel, e com o mesmo sorriso fui-me preparar para o meu jantar com Ethan, esperando que tudo corresse bem.

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⏰ Última atualização: Jun 25, 2017 ⏰

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