Apesar de ser sábado, Marina acordou cedo e foi até a faculdade, queria se informar mais sobre um projeto de pesquisa em que estava interessada. O estudo seria realizado em quatro países, incluindo o Brasil. A bolsa não era grande coisa, mas incluía hospedagens e as passagens aéreas, o que já ajudava bastante. Caso fosse selecionada, teria que deixar o emprego no hospital, mas a experiência de participar de um estudo dessa magnitude, por si só, valeria a pena.
No período da tarde, aproveitou para organizar a casa. Colocou as roupas sujas na máquina, arrumou os armários e regou a pequena jardineira do lado de fora das janelas. Petúnias cor-de-rosa, roxas e brancas floresciam entranhadas na terra escura do jardim e traziam-lhe doces lembranças de sua mãe adotiva, do tempo em que ela era viva e plantara as mudas que agora escorriam abaixo em maduros ramos florais.
O apartamento era bem espaçoso, três quartos grandes e uma ampla sala de estar conjugada à de jantar. Os móveis eram simples e antigos, mas estavam impregnados de lembranças das quais ela ainda não estava preparada para se desfazer.
Rendeu bastante durante o dia, mas dormiu tarde e quase perdeu a hora no domingo. O sonho de sempre a assaltara no início da manhã, mas o soar do telefone o interrompera antes mesmo que ela abrisse as portas corrediças daquela casa sinistra que ela andava visitando enquanto dormia.
Era Juliana lembrando-a do almoço em sua casa. Marina queria que o sonho continuasse, mas não conseguiu conciliar o sono de novo.
Ainda deitada, olhou para o closet, caixas e mais caixas entulhadas havia tanto tempo... Objetos e roupas antigas que ela nunca quisera ver, embora o psiquiatra tivesse recomendado, repetidas vezes, que o fizesse. O pensamento trouxe uma onda de arrepios, e Marina descartou a ideia temendo não estar realmente preparada para o que poderia descobrir.
Empurrou os pensamentos para longe e se obrigou a levantar. Precisava ajeitar umas coisas em casa antes de começar a se preparar para ir almoçar com a amiga.
Mais tarde, ao chegar à casa de Juliana, deparou com a porta aberta e entrou sem bater. Encontrou a amiga debruçada sobre o fogão, preparando um molho de tomate ao sugo.
— Nossa, que linda! — a loira elogiou observando o vestido cor-de-rosa-antigo, com gola oriental, que Marina usava. — Essas sandálias são um arraso! Que cor é essa?
Marina fez charme inclinando um dos pés, com um sorriso falsamente coquete no rosto.
— Pastel-sunshine — respondeu.
— Hum, que metida! —zombou Juliana. — Falou grego pra mim, e olha que sou antenada nessas coisas...
— Posso ajudar em alguma coisa? — Marina desconversou.
— Não, querida. Já está tudo sob controle... — Juliana pressionou os lábios pensativa. — Aliás, se quiser, pode me ajudar com a salada.
Sob o avental, Ju usava um vestido curto, tomara que caia, branco, que evidenciava seu bronzeado. As ondas loiras, suspensas no alto da cabeça de forma despretensiosa, em contraste com os impecáveis coques que ela usava quando dançava balé.
Marina pendurou a bolsa no pequeno hall e retornou para a cozinha, onde fez um rápido inventário dos vegetais dispostos na bancada.
— E aí, o que aprontou ontem? — perguntou ao retornar. — Eu te liguei e você não atendeu.
— Menina... Nem te conto... —começou.
Marina arqueou as sobrancelhas, curiosa, e acrescentou os tomates à mesma solução em que estava a alface.
— Lembra daquele cara lindo que estava no bar no dia do seu aniversário? Aquele moreno, alto... A gente até flertou um pouquinho com ele...
— A gente? — interrompeu em tom irônico. — Não lembro, não!
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BRUMAS DO PASSADO - SÉRIE PRETÉRITO IMPERFEITO (Degustação)
RomancePara alguns a felicidade pode ser eterna; outros a consideram efêmera. Na vida de Marina Avila, uma jovem e solitária bailarina, trata-se de um delírio, um sonho impossível; a felicidade não existe para pessoas que sequer toleram ser tocadas. Ningué...