Capítulo 8

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O sorriso de Marina nem por um segundo enganou Guilherme. Ele era bom em julgar a expressão das pessoas e percebeu logo a tensão em seu rosto. Os lábios dela não faziam realmente uma curva, mas uma linha reta, e além disso não deixavam ver os dentes. As ruguinhas no canto dos lábios denunciavam o esforço que requeria o gesto, e os olhos estavam estáticos, destituídos de emoção. Ele riu mentalmente, achava muito doce aquela tentativa de ser gentil, sabendo que acabava de interrompê-la, o que na certa a aborrecia.

Guilherme sabia que estava em vantagem por duas razões: primeiro porque conhecia, ao menos superficialmente, as vulnerabilidades dela e, segundo, porque naquele momento, dado que já a havia espionado, conhecia o terreno em que estava pisando. Isso o encorajou a abordá-la, ao mesmo tempo que o fez sentir-se um tolo. Desde a adolescência não precisava se preocupar com nada disso ao se aproximar de uma mulher. Ele apenas ia e investia.

Parou diante de Marina assim que a alcançou e, imitando seu gesto, compôs no rosto seu melhor sorriso.

Subindo o olhar, ela separou os lábios e tomou ar como se fosse dizer algo, mas não emitiu palavra.

— Tudo bem? — ele perguntou erguendo as sobrancelhas.

— Tudo, e você? — respondeu inclinando novamente a cabeça, com um sorriso mais suave, que agora alcançava os olhos.

Guilherme ficou satisfeito com a mudança no semblante de Marina e, sentindo-se mais confiante, tratou de engatar uma conversa:

— Não vai me convidar para entrar? — perguntou inclinando-se levemente em direção à porta, que ela bloqueava.

— Ah! — Marina afastou-se.

Ele caminhou cerca de três metros, até o balcão de tijolos de vidro que ficava na recepção, e se recostou, voltando-se de frente para Marina, as mãos nos bolsos da calça.

— Desculpe... por deixar você plantado lá fora — pediu ela.

— Atrapalho? — ele indagou em troca, olhando-a de cima a baixo.

— Ahn... não. Eu já tinha terminado.

— Que bom — respondeu. A princípio, pensava em ser direto como era seu costume, mas temeu assustá-la e deixar que a oportunidade escorregasse entre os dedos. Decidiu que com Marina era melhor "comer pelas beiradas" e ir ganhando sua confiança aos poucos. — Liguei para você hoje — acrescentou sem mais.

— Para mim? ­— Ela pareceu surpreendida, uma mão sobre o peito, o olhar desperto.

— Pra você — confirmou encolhendo os ombros. Não via razão para sua surpresa, mas recordou que, para ela, receber a ligação de um praticamente estranho não era tão simples como pudesse parecer. Ele teria que dizer algo logo para remediar a situação. — Liguei, mas você não me atendeu — acrescentou enquanto pensava num modo de fazê-la relaxar.

— E por que me ligou? — sua voz, apesar de gentil, não ocultava a desconfiança.

— Eu... — desviou o olhar ponderando — fiquei muitos anos longe de BH, você sabe, e... — coçou a nuca — estou tentando me entrosar de novo por aqui. — Droga, que imbecil. Com uma risada suave, uma expressão que denotava timidez, ele refletiu sobre a recém-descoberta falta de habilidade para o flerte e continuou. — Liguei para saber se você queria sair comigo, dar uma volta, sei lá. — Pausou um momento observando o rosto delicado da mulher à sua frente, estudando sua reação. Ela o fitava com a mesma expressão gentil, mas um tênue gesto de condescendência transformava seu semblante. Marina provavelmente o achava um tolo, quem ele pensava que era para se meter com ela? E então? — Guilherme perguntou mesmo assim.

BRUMAS DO PASSADO - SÉRIE PRETÉRITO IMPERFEITO (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora