Capítulo 9

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A consulta estava marcada para as treze horas, mas ele chegou ao consultório médico às onze e trinta e cinco. Pretendia observar — se quisesse obter o que tinha em mente, teria que conhecer bem a rotina do local —, mas, de uma maneira ou de outra, conseguiria o que queria. Estava confiante, era determinado, sempre alcançava seus objetivos.

Entrou pela porta e viu uma funcionária, distraída, em frente a um notebook. A recepção estava vazia, o que o favorecia. Ele recebeu um olhar de estranhamento da mulher, que olhou em seguida para o relógio de pulso. Com o olhar interrogativo, ela aguardou enquanto ele se aproximava do balcão.

— Bom dia. Eu tenho uma consulta agendada com o Dr. Nelson.

— Bom dia. Qual é o seu nome? — perguntou ela adotando uma postura muito profissional.

— Fernando Gonçalves — respondeu dando o nome falso.

— Um momento — pediu enquanto consultava a agenda. — Ahn... Sua consulta está marcada para as treze, senhor Fernando.

— Sim, claro, eu sei. Eu me adiantei muito, não é? Espero não incomodar por aguardar até a hora da minha consulta... — Hesitou imprimindo um ar de timidez aos gestos. — É que eu estava aqui por perto depois de ter resolvido uns compromissos e, ahn... Não daria para ir até a minha casa e retornar, então...

— O senhor mora longe?

— Sim, na verdade não moro em BH, mas em Esmeraldas.

— Ah, entendi. — Pausou pensativa. — O problema é que às doze eu fecho o consultório para o horário de almoço, e o senhor só poderá aguardar aqui até esse horário — explicou mostrando certo constrangimento.

Ele a olhava analisando-a com cuidado, antes de "mover outra peça". Era uma senhora de uns cinquenta e poucos anos, baixa estatura, corpo roliço e semblante afável. Parecia uma das fadas madrinhas dos contos Disney; a mesma figura rechonchuda, os mesmos olhos redondos e brilhantes. A mesma doçura. Ele era bom em julgar o caráter das pessoas e, ao perceber a meiguice daquela senhora, deu a batalha por vencida.

— Tudo bem. Vou ficar só até meio-dia e retornarei mais tarde. — Viu a mulher assentir e se acomodou em um dos assentos, junto à parede oposta ao balcão.

Enquanto aguardava, folheou várias revistas antigas que estavam ao lado da poltrona. Embora parecesse distraído, estava atento, observando e ouvindo tudo ao redor. Notou que havia uma sala adjacente ao espaço que era utilizado como recepção e imaginou que fosse o consultório do médico.

À medida que a hora do almoço se aproximava, notava a inquietação da secretária, que o olhava de esguelha, com os óculos sobre a ponta do nariz. Às doze horas em ponto, ela se ergueu atrás do balcão, com a bolsa a tiracolo, um recado nem um pouco sutil de que pretendia retirar-se e de que o paciente deveria fazer o mesmo. Ele, então, fez menção de acompanhá-la, fechando a revista, depositando-a em seguida sobre o assento ao lado. Assim que se ergueu, porém, a secretária caminhou em sua direção com uma postura decidida.

— O senhor pode ficar. Acho que o Dr. Nelson não se importará que o aguarde aqui.

— Fico grato, dona...

— Marilene — completou ela. — Tentarei não demorar muito — acrescentou. — O senhor fique à vontade.

— Eu agradeço, mas não é necessário que abrevie seu almoço por minha causa.

— Não, não se preocupe. Eu não pretendia demorar mesmo, tenho muito que fazer por aqui.

Sem mais, Marilene retornou para trás do balcão, abriu uma gaveta e retirou de lá um chaveiro.

BRUMAS DO PASSADO - SÉRIE PRETÉRITO IMPERFEITO (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora