Capítulo 10

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Dezoito. Era dezoito o total de laudas de certo prontuário médico, furtado recentemente do computador de um consultório psiquiátrico. Imprimi-las era, para ele, sine qua no, uma vez que fariam parte de uma coleção cuidadosamente armazenada — uma pasta em couro marrom encerraria a materialização da inapagável recordação daqueles feitos.

Dedos longos e pálidos manuseavam os papéis e, a cada página, um sorriso se insinuava. Apenas se insinuava. A cada página, crescia a certeza de que era ela. Dessa vez não havia erro. Era. Ela.

Dessa vez vai dar certo — e mais uma página, e mais aproximadamente quinze páginas e pensamentos obstinados.

A ansiedade corroía aos poucos a paz de Marina. Não havia ainda notícias de Guilherme, e ela era incapaz de evitar uma pontinha de decepção. Na sexta-feira havia conferido o aparelho celular inúmeras vezes, esperando ter recebido um telefonema, e nada. Tentando conter o desapontamento, dissera a si mesma que não importava, que era melhor mesmo que ele não cumprisse a palavra: "é melhor assim", "você não suportaria mesmo tanta proximidade"; "isso não é para você, volte para sua concha". Obedecer a essas vozes era muito mais confortável, embora houvesse uma parte dela que admitia o contrário.

Passaram a sexta, o sábado e o domingo, mas o celular de Marina não tocou sequer uma vez e, no domingo à noite quando ia se deitar, ela se sentiu mais só do que nunca.

Já estava acostumada à solidão, mas seu peso nunca havia sido tão esmagador como naquele momento. Normalmente um livro ou um filme serviam perfeitamente para aplacar aquela angústia, mas não dessa vez.

Tomada por um inquietante e desconhecido sentimento de perda, Marina sentia como se tivesse deixado algo importante escapar; uma chance, uma oportunidade, não sabia. E isso era inédito. O acaso, o destino, o que fosse, já lhe haviam oferecido várias chances para que desse uma reviravolta em sua vida, e todas foram descartadas sem a menor culpa; na verdade com imenso alívio. E isso era o que ela esperava que acontecesse agora, a plácida e confortável aceitação de sua "condição", de sua propensão a repelir aqueles que tentavam se aproximar.

Entretanto, parecia que algo havia mudado e, embora não gostasse de admitir, Marina sabia qual era a causa: era a primeira vez, em muito tempo, que uma oferta de aproximação lhe parecia tão tentadora. Inusitadamente, ela estava desejando a companhia de alguém; acolher, de maneira especial, uma pessoa praticamente desconhecida, um homem, em sua vida.

Sentada na cama, o olhar preso à tela do aparelho celular, ela refletia sobre o inabitual desejo de correr contra a correnteza que a arrastava impiedosamente para um mundo sem vida, vazio; a vontade de seguir um caminho desconhecido e cheio de incertezas, mas tão tentador.

Com isso em mente, buscou o número do celular de Guilherme e, com o polegar quase tocando a tecla send, continuou pensando, impaciente pela dose extra de coragem que esperava cair do céu diretamente para suas veias. Seus lábios estavam feridos pela força com que os mordia enquanto estava presa nesse impasse, sem que ela se desse conta.

Mas, de súbito, retirou o dedo do teclado e soltou o aparelho sobre a cama como se ele estivesse em chamas. Droga, o que você pensa que está fazendo, Marina?

Sem outro olhar para o celular, enfiou-se embaixo do edredom formando um casulo protetor em volta de si mesma, e chorou, consumida pela dor que aquela incapacidade lhe causava.

— Providenciou as intimações que pedi? — perguntou Guilherme, jogando uma pastilha halls extraforte na boca.

— Sim — respondeu Julius sem tirar os olhos do notebook em seu colo.

Os dois conferenciavam no escritório de Guilherme, na empresa. Embora não estivessem na delegacia, algum comentário ou pergunta ele acabava deixando escapar. Nunca em sua vida havia ficado tão impaciente por resolver um caso, e a lentidão com que o inquérito caminhava apenas aumentava a ansiedade.

BRUMAS DO PASSADO - SÉRIE PRETÉRITO IMPERFEITO (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora