Capítulo 9 - Milhão de anos atrás

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Se alguém me perguntasse como vim parar aqui na rua de casa, eu mal saberia dizer. Apenas segui o mapa mental que me guiou nos anos passados, todos os dias quando voltava da aula. Meus pensamentos conturbados mal me deixaram espaço para prestar a atenção no cenário a minha volta. No entanto, acabo voltando à realidade quando vejo que meus antigos vizinhos estão sentados na porta da casa deles, em uma conversa descompromissada. Eu passo por eles, desejando boa noite, e dando o meu melhor para que as palavras não saiam tão quebradas como meu estado de espírito. Eles apenas me retribuem o cumprimento e voltam às suas discussões.

Melhor assim. Entretanto, essa atitude tão simples faz com que eu me dê conta de como eu mudei e de como essa rua que antes era minha vida é hoje apenas uma coleção de memórias que tenho. Marcas de uma personalidade que eu já tive, mas que hoje não sou eu mais. Todas as perdas que eu tive me fizeram perder quem eu sou.

Mais uma vez estou vivendo às custas do passado. Talvez essa seja a hora de planejar o que eu serei daqui para frente, de pensar no futuro... Só de começar as ponderações na minha cabeça, eu percebo que estou fazendo o exercício de maneira errada. Mas tantas coisas já foram malfeitas hoje que acredito que uma a mais não implicará em mais problemas.

25 anos. Idade na qual a maioria das pessoas parece estar no rumo de concluir o que iniciou, ou até de se arrepender do que escolheu para vida. Mas não eu. Muitos caminhos eu abri mas nenhum eu consegui trilhar até o fim... Se hoje esses são meus dramas ao andar por essa rua de novo, o que eu escreveria em uma diário aos 50, caso eu venha a ter um? Provavelmente esse relato começaria assim:

Eu só queria me divertir, aprendendo a voar, aprendendo a correr... Eu deixei meu coração escolher o caminho quando eu era jovem.

Quando eu ando por essas ruas, onde eu cresci e amadureci, eles não conseguem me olhar nos olhos, é como se tivessem medo de mim... Eu tento pensar em algo para dizer, como uma piada ou uma lembrança, mas eles não me reconhecem agora, na luz do dia.

Lá no fundo eu já deveria saber que isto seria inevitável, que para ganhar minhas marcas eu deveria pagar... E suportar a minha alma.

Eu sei que todos esses pensamentos são meus medos atuais e que provavelmente aos 50 eu terei uma mente muito mais bem resolvida com todas essas questões, porém nessas horas esse é o lado do consciente que a gente prefere ignorar. Por isso, deixe meus medos reais se manifestarem como hipotéticos.

Eu sei que não sou a única pessoa que se arrepende das coisas que fez, mas às vezes eu sinto como se fosse só eu que não conseguisse tolerar o reflexo que vê... Ou que nunca se tornou o que pensava que se tornaria...

Às vezes, mergulhar a fundo em um problema é capaz de evidenciar a solução. Por isso, ainda me surpreende que depois de todo o ponto final posto nesta noite eu já possa sentir no fundo a esperança se renovar.

Sinto-me feliz por ter lembrando de avisar meus familiares de que já voltei para casa.

Já na cama, esperando o sono chegar e com disposição para terminar as desesperanças do dia de hoje com a renovação do amanhã, percebo que o relato que eu faria daqui 25 anos terminaria da mesma forma como eu sei que termina o de hoje:

Eu gostaria de poder viver um pouco mais, olhar para o céu, e não só para o chão. Eu sinto como se a vida estivesse passando num piscar de olhos e tudo que eu posso fazer é assistir e chorar... Eu sinto falta do ar, eu sinto falta dos meus amigos. Eu sinto falta da minha mãe. Eu sinto falta de quando a vida era uma festa a ser curtida, mas isso foi um milhão de anos atrás.

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