- Olá, sou eu! - Uma entoação confiante é o que disfarça minha relutância. Foram necessários vários ensaios antes de eu decidir falar de vez. Pensei que uma abordagem direta seria o ideal. Aproximo o telefone e prossigo - Eu estava me perguntando se depois de todos esses anos vocês gostariam de nos encontrarmos para conversarmos sobre tudo. - Na sétima gravação de teste, consegui falar tudo o que planejava sem oscilar a voz, por isso ainda fiz mais três até que a qualidade da atuação superasse as barreiras da minha autocrítica. No entanto, agora que não há mais a possibilidade de voltar atrás, eu esqueço o que deveria falar e acabo completando com uma frase que sai do roteiro e traz à tona meu timbre verdadeiro - Falam que o tempo pode curar você, mas eu ainda não consegui progredir com a minha cura. - Quando me dou conta do que eu disse, desligo o telefone. O que fora provocado por um surto de coragem alterna meu espírito.
Não sou uma pessoa que entende de tecnologia.
Em efeito, meu ponto forte seria elencar meus pontos fracos, entretanto já aprendi como combater minha baixa quase nula auto-estima, só preciso praticar meu aprendizado, por isso reformulo a frase.
Sou uma pessoa determinada quando quero muito algo, por isso descobri como pôr a tecnologia ao meu favor. Um aplicativo que faz ligação para até vinte pessoas ao mesmo tempo. Não que eu precisasse das vinte, mas cinco já me era o suficiente.
- Olá, vocês podem me ouvir? - Já tinha parado com o hábito de comer quando me vem o nervosismo, mas agora a situação pedia uma bola daquele sorvete. Ou melhor, duas. E, assim que acabei, a coragem voltou para terminar o que não comecei. - Eu estou na Califórnia sonhando sobre quem nós costumávamos ser... Quando nós éramos mais jovens e livres. Eu tinha me esquecido de como as coisas eram antes que o mundo caísse aos nossos pés. - Danem-se os ensaios, dane-se a minha voz - Mas agora tem uma diferença enorme entre nós... E milhões de quilômetros. - Não, não se danem. Desligo com afobação.
Na minha cabeça há tanta coisa ao mesmo tempo, só que não consigo encará-las, de forma que parece não haver alguma.
Não deveria ter feito isso. Deveria ter deixado tudo como estava. Por que meu humor precisa oscilar tanto em um único dia?
Mas agora já foi. Chamo de novo.
- Olá, como vocês estão? É tão típico meu falar de mim. Desculpem-me. Eu espero que vocês estejam bem. Vocês conseguiram sair daquela cidade onde nada acontece? - A situação me abala tanto que não consigo perceber nada ao meu redor, nem se há retorno na ligação ou não. Só consigo acrescentar antes de desligar de novo - Não é segredo que nós estamos sem tempo.
Se eu voltasse quatro anos no tempo e me mostrasse essa situação, eu jamais acreditaria no que está acontecendo. Quatro. Anos. Como tudo passou tão rápido? Onde eu estava quando nossa amizade eterna despedaçou? Quem eu era quando finalmente saí daquela cidade maldita? E o mais importante, quem eu me tornei para sair de lá e vir morar aqui, e não em Londres?
Algum tempo passa. Não sei se muito ou se pouco, mas o que me foi suficiente para olhar melhor meu celular e perceber que o sinal da rede está oscilando muito. Não sei se eles ouviram o que eu disse. Mas agora o sinal está bom. Preciso aproveita-lo. Então...
- Olá do outro lado. Eu devo ter ligado mil vezes para pedir desculpas para vocês por tudo o que eu fiz, mas quando eu ligo parece que vocês nunca estão em casa. - Quero desligar mas pela primeira vez consigo manter o telefone no ouvido. Recomeço - Olá daqui de fora - Quero dizer de fora do grupo, mas me interrompo antes e mudo o rumo da frase - Ao menos posso dizer que eu tentei pedir desculpas para vocês por ter quebrado seus corações. - paro de falar, sem desligar. Não há resposta. Realmente não sei se esse aplicativo funciona. Não sei se eles estão me ouvindo. Vou desligar e deixar isso morrer. Não consigo fazê-lo sem antes fazer um comentário final - Mas não importa, isso claramente não machuca mais vocês.

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Fiksi PenggemarAmizades são usualmente mais profundas e marcantes do que grandes amores. Todo o dia que começa traz consigo um fragmento do novo eu que seremos no futuro, porém fragmentos com intensidade não equivalentemente distribuída ao longo deles, nem com qua...