Capítulo 4 - Quando nós éramos jovens

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O alívio é um sentimento tão imediatista que tem tudo a ver comigo. Tenho a respiração leve por finalmente estar dentro do carro e as atenções não estarem mais em mim ou na roupa e maneira que estou portando. Ver o sonho da minha prima se realizar é como ver também o meu ganhando cor. Se assim não fosse, a minha relutância com eventos formais me impediria de sair de casa.

A viagem de avião até a minha cidade natal é longa e por isso só tivemos tempo de nos arrumarmos e sairmos rumo ao auditório onde ocorrerá o evento.

Desço do carro e entro no ambiente me sentindo desconfortável com meu próprio eu. Meus priminhos e eu nos sentamos na primeira fileira de cadeiras enquanto os pais deles resolvem coisas aqui e ali. Vou depois cumprimentar meus tios. Quando vejo minha mãe chegar meu coração se ilumina e fico com ela em um abraço até a hora em que nos sentamos. Dentro de trinta minutos quase todas as cadeiras já estão ocupadas.

O evento começa com desejo de boas-vindas e vai seguindo seu roteiro até a parte das homenagens. Quase todos da minha família sobem ao palco, ao seu turno, para falar uma palavra de gratificação. Eu acabo me emocionando quando chega a minha vez mas fico feliz em ter expressado de forma pública toda a minha admiração pela conquista da minha prima.

Chega a vez dos amigos e sobem várias pessoas, cada um à sua vez, antes de um grupo de cinco pessoas subir no palanque. Cinco pessoas. As lágrimas vêm na mesma hora e não sei como consigo segurar o grito. Fico ofegante e olho desesperadamente para os lados, mas só minha mãe nota meu desconforto.

Eu estava com tanto medo de enfrentar todos meus medos, ninguém me disse que eles estariam aqui! E eu jurava que eles tinham se mudado para fora do país, foi isso o que eles disseram, quando me deixaram.

Não consigo me dar conta do que se passa em seguida, só quando a minha família está reunida em uma roda ao meu redor e eles também. A cerimônia acabou, eles congratulam minha prima mais uma vez, no entanto a atmosfera não é de descontração. Minha família conhece bem a minha história, e um encontro inesperado como esse não é capaz de apagar as marcas do passado que todos sabem que ainda não tiveram um fim claro capaz de colocar um final em toda essa complicação eloquente na qual nosso grupo se meteu. Os cincos ainda não vieram falar diretamente comigo, eles trocam algumas palavras com as pessoas que nos separam. Eles estão sendo os mais simpáticos que podem com a minha família, e todos amam as coisas que eles fazem. Do jeito que falam ao jeito que se mexem. Todos estão aqui os olhando. Não posso acreditar que depois de todo esse tempo eu posso sentir um conforto em suas atmosferas em meio a minha confusão, porque eles dão sensação de lar. Vocês são como um sonho que vira realidade. Se por acaso vocês estiverem aqui sozinhos, posso ter um momento antes de ir?, eu penso com a cabeça girando, porque eu fiquei só a noite toda, na esperança de que vocês ainda sejam as pessoas que eu conhecia.

De repente não há mais ninguém entre nós. Eles então estão ao meu redor, com sorrisos desconcertados. O tempo passou e evidentemente trouxe mudanças, mas eles ainda se parecem com um filme, e soam como uma canção. Meu Deus, isso me lembra de quando nós éramos jovens.

Eu quero me entregar, eu quero. Quase minha vida inteira eu vivi acreditando e esperando o melhor das pessoas. E fazendo das alegrias alheias as minhas. Todavia esses anos me trouxeram aprendizados que muitos considerariam egoístas. Não para mim. Para mim são libertadores. Por isso, por mais que eu queira recuperar o tempo perdido, é difícil me ganhar de volta quando tudo me leva de volta para quando eles estavam lá. E uma parte de mim ainda se segura a isso, ao caso de ainda não termos perdido tudo. Acho que eu ainda me importo. Vocês ainda se importam?

Essa alegria sem planejamento e despropositada do grupo parece até ter o poder de curar as cicatrizes profundas que eles deixaram no meu espírito. O palanque ainda está com algumas luzes acesas, suas silhuetas ao meu redor parecem irreais. Deixe-me fotografar-vos nessa luz no caso dessa ser a última vez que possamos estar exatamente do jeito que estávamos antes de percebemos que ficamos tristes ao envelhecer, isso nos deixou inquietos. Era exatamente como um filme, era exatamente como uma canção. Quando éramos jovens.

Estar envelhecendo me enlouquece, isso me faz ser imprudente. Não quero mais a minha família resolvendo problemas no meu lugar, por isso luto contra a minha vontade de não me separar da minha mãe e deixa-la conduzir a discussão. Eu preciso resolver os problemas que a mim me pertencem. Exponho a eles a minha surpresa em vê-los e digo que precisamos conversar em um local com menos gente, do lado de fora talvez. Eles não hesitam em me seguir pela porta de saída.

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