Capítulo 3

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          A Plaza Mayor regurgitava de gente. Passava das nove e a noite descera calma e quente ao brilho delicado das primeiras estrelas.

          Pelo ar, o cheiro agradável dos assados e o vozerio popular. Carrocinhas de saltimbancos exibiam seus números alegres aos apupos do populacho e aos aplausos das crianças aqui e ali. Músicos tocavam e o povo dançava em plena praça cantando e sapateando no desafio do ritmo, ao grito dos olés e dos aplausos. Por toda parte, pipas de vinho e rum que o povo comprava e consumia deliciado.

          Os ciganos instalaram-se a um canto, as ledoras de "buena dicha" espalharam-se entre o povo e os músicos tocavam alegremente.

          Esmeralda dançava! Descalça, os cabelos negros e sedosos soltos sobre os ombros, coberta de colares, os dedos cheios de anéis, parecia que nem pisava no chão. Lábios entreabertos, olhos semicerrados na volúpia da música, a cigana parecia irreal.

          Suas saias rodopiavam descobrindo nesse volteio pernas ágeis e bem torneadas, e os gritos de entusiasmo do povo pareciam incentivá-la mais e mais aos caprichos improvisados e exóticos de sua dança.

          Respiração presa, Carlos, fascinado, não podia desviar o olhar do vulto da cigana. Tinha ciúme, mas mesmo assim pôde compreender por que os ciganos se orgulhavam dela. Possuí-la o envaidecia. Na verdade, não devia ser fácil prender o amor de Esmeralda. Pelo que sabia, amada por muitos, era a primeira vez que Esmeralda amava. Sentia-se orgulhoso e feliz. Parecia hipnotizado.

          - Carlos! Que surpresa!

          Arrancado de seu mundo íntimo, Carlos sobressaltou-se:

          - Álvaro!

          Trocaram um abraço entre exclamações de alegria e cumprimentos. Álvaro era sobrinho de Dom Antônio Hernandez e amigo de infância de Carlos. Seus pais e Dom Hernandez eram amigos e nas temporadas da corte costumavam visitar-se, chegando mesmo a se hospedarem por longas temporadas.

          - Está em Madri! Quando chegou? Por que não foi à minha casa?

          - Tive alguns contratempos durante a viagem, mas agora estou bem.

          - Esteve doente?

          - Pior, fui assaltado e ferido, roubaram todos os haveres. Inclusive os mimos que trazia para a família de Dom Hernandez.

          - Que lástima! Não se pode andar sem escolta por essas estradas. Mas onde está hospedado? Naturalmente irá para minha casa.

          Carlos abanou a cabeça.

          - Não posso. Estou com alguns amigos a quem devo a vida.

          - Não diga!

          - Pretendo ficar com eles mais um tempo. E você, o que conta de bom?

          - Nada. A vida na corte é sempre a mesma. As mulheres, o vinho, as brigas, as intrigas. Os salões estão perdendo seu encanto.

          Carlos sorriu malicioso.

          - Logo você, a dizer isso. É por você que as damas suspiram quando canta.

          - Não é bem assim... Em todo caso, faço o que posso. Mas, olhe, Carlos, que mulher! Jamais vi outra igual.

          Carlos estremeceu. Álvaro, olhos brilhantes, lábios entreabertos, um sorriso alegre, fixara-se em Esmeralda, que sob os aplausos frenéticos encerrara sua dança. Afogueada, com os olhos brilhantes, a cigana sumira para dentro da carroça, enquanto o povo pedia sua volta e os músicos recomeçavam a tocar, concitando o povo a dançar. Mas eles exigiam a volta da cigana, e para isso dispunham-se a pagar. As moedas começaram a chover e os ciganos as recolhiam com presteza. Quando Miro julgou oportuno, anunciou que após um pouco de descanso a cigana retornaria.

Esmeralda - Zibia Gasparetto pelo espírito LuciusDonde viven las historias. Descúbrelo ahora