Capítulo 8

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          Carlos estava intranquilo e nervoso. Não concordava com a ideia de o pai sair ao encontro de Fabrício. Apesar de preocupado com a sorte da tia, contava encontrar outra saída para libertá-la, sem colocar em risco a segurança do pai.
          Gervásio partira no dia seguinte e três dias depois retornara com um recado de Fabrício pedindo-lhe um encontro em local a ser combinado para discutir assuntos de família. Fernando concordou e mandou dizer que estaria dali a dois dias à espera dele na taberna do Leão Dourado, para ouvi-lo. Carlos tentou dissuadir o pai.
          - Pode ser uma cilada. Não confio naquele padre.
          - Que ideia! O pobre homem só quer ajudar Leonor. Vai expor-se por nossa causa. Depois, levo alguns homens e nada me acontecerá.
          - Por que um local tão distante?
          - É melhor. Não o queria por perto do castelo.
          Carlos sentiu um aperto no coração.
          - Deixe-me ir em seu lugar.
          - Não posso. O assunto tem que ser tratado por mim.
          - Nesse caso, escolheremos homens de nossa confiança.
          - Concordo.
          - Eu irei com o senhor e permanecerei oculto se assim o deseja.
          - Não. Ficará para defender o castelo. Pode ser que Fabrício intente afastar-nos daqui para Ortega atacar.
          - Tem razão. Não tinha pensado nisso.
          - Por isso não pretendo levar muita gente comigo. Tomarei precauções, pode estar certo de que saberei defender-me. Você deve estar alerta. Fabrício é traiçoeiro e mau.
          - Fique tranquilo. Estarei de olhos bem abertos.
          Juntos, então, traçaram planos de defesa, pensando em uma maneira de fazer Fabrício compreender de uma vez por todas que a nada tinha direito. Fernando sabia a empresa difícil, mas seu objetivo era o de ajudar a salvar a irmã. Assim, queria ganhar tempo para que o padre pudesse ajudá-la a fugir.
          - O melhor será não irritá-lo - tornou Carlos, lembrando-se da astúcia dos ciganos, que sempre conseguiram o que queriam.
          - Sabe que não sou homem de rodeios. O que tenho a dizer digo logo.
          - Assim pode irritá-lo ainda mais sem tirar nenhum proveito.
          - Quer que eu seja falso?
          - Não, pai. Sugiro que seja esperto. Ele é maneiroso e fingido, se abrir logo o jogo, poderá colocá-lo em situação desfavorável que ele aproveitará certamente. Use as mesmas armas, e assim poderá derrotá-lo.
          - Jamais poderia ser covarde como ele!
          - Não precisa chegar a tanto. Basta conservar sua posição com dignidade e não se irritar com ele, não importa o que diga. Já pensou com que alegria ele veria você perder a calma e, quem sabe, até dar-lhe ocasião para matá-lo? Não será isso o que ele pretende? Já pensou que depois ele se atiraria sobre esta casa, tentando apossar-se de tudo?
          Fernando baixou a cabeça, pensativo. Depois de alguns instantes tornou:
          - Tem razão. Vai ser difícil dominar o desprezo e a raiva que ele me causa. Todavia, procurarei não fazer seu jogo sujo. Conservarei a cabeça fria e os olhos no objetivo.
          - Depois - tornou Carlos com tranquilidade -, quem sabe isso o acalme. É ambicioso, e, se vir que não o repelimos com violência, talvez espere uma reconciliação e isso nos livre do problema temporariamente. Com tia Leonor a salvo, poderemos pensar em algo melhor.
          Fernando trincou os dentes com raiva.
          - Meu desejo era matá-lo como a um cão. Assim livraríamos Leonor para sempre de sua odiosa presença.
          Carlos concordou pensativo.
          - Tem razão. Mas precisamos ser prudentes e esperar o momento oportuno.
          Quando Gervásio radiante deu a notícia a Fabrício, seu rosto distendeu-se em largo sorriso.
          - Padre, isso merece comemoração! Bebamos juntos.
          Enquanto bebiam, tornou com voz amável:
          - Saberei recompensá-lo por sua dedicação. Não sei como, mas tem conseguido coisas admiráveis. Fernando é duro e me odeia. Concordar com o encontro é um feito único.
          - Sei argumentar, Dom Fabrício. Não falei muito de você, mas de Dona Leonor. Comovi o coração de Dom Fernando, dizendo que sua esposa sofre muito.
          - Como assim? - tornou Fabrício, meio irritado.
          - Disse-lhe que ela o ama muito e que deseja ver essa desavença familiar esquecida. Que gostaria de voltar a visitar a casa em que nasceu e rever a família. E que você está querendo fazer-lhe a vontade, pois que muito a ama. Disse-lhe ainda que seus negócios estão indo mal, e que Dona Leonor gostaria de tratar dos haveres de sua herança.
          - Dom Gervásio! Não é à toa que é padre. Soube tecer o enredo. Que ideia!
          - Por acaso terei agido mal?
          - De modo algum! Iria me agradar quebrar o orgulho de Dom Fernando e voltar àquele castelo, que um dia ainda será meu.
          - Por isso pensei que seu encontro com ele talvez possa ser o começo de uma nova vida. Sabe que, como padre, agrada-me pacificar as famílias.
          Fabrício sorriu maneiroso. A boa-fé do padre era-lhe providencial. Se contemporizasse com o cunhado, poderia conhecer-lhe os domínios e os hábitos de tal forma, que facilitaria tudo quando chegasse o momento de Ortega atacar. E ainda salvaria sua reputação diante de El-rei, frente a quem Fernando era respeitado e tido com amizade.
          Gervásio sorvia os goles de vinho pensando em Leonor. Precisava vê-la, ultimar preparativos. Fabrício foi-lhe de encontro aos pensamentos:
          - Preciso que use seus argumentos com Leonor. Parece melhor, está mais linda - seus olhos brilhavam cobiçosos -, mas não quer ver-me. Foge de mim. Até agora me contive, mas hoje quero vê-la! Antes de partir amanhã cedo. Deve convencê-la a aceitar-me, senão nem sei o que farei. Hoje irei a seu quarto. Padre, prepare-a, porque não respondo por mim.
          O rosto de Fabrício se contraía em ricto angustiado, seus olhos brilhantes refletiam determinação e paixão.
          O padre procurou dissimular o rancor. Tinha ímpeto de matá-lo ali mesmo. Conteve-se a custo e procurou dar à voz um tom natural e indiferente:
          - Por favor, Dom Fabrício. A violência a fará temer mais sua presença. Dona Leonor é mulher delicada. Tem medo de sentimentos fortes. Há que ser paciente com ela, se de fato deseja seu amor.
          - Não suporto mais essa situação. É minha mulher. Terá de me obedecer.
          - Isso não basta. Se deseja seu amor, deve conquistá-lo.
          - Não importa. Vá vê-la, e avise que hoje cobrarei meus direitos, e que ela não se recuse!
          Com o coração aos saltos, o padre entrou na saleta de Leonor pedindo à aia que tomasse conta da porta do lado de fora. Correu o ferrolho. Leonor o esperava, olhar ansioso, mãos estendidas.
          - Padre, finalmente!
          - Dona Leonor! - tornou ele, beijando-lhe as mãos com ardor.
          Sentaram-se no pequeno sofá, lado a lado.
          - Esperava-o com impaciência!
          - Eu cuidava de sua libertação - tornou ele com enlevo. Olhava-a embevecido, esquecido de tudo. Ela estava linda! Seus olhos negros e aveludados brilhavam de emoção. Sua pele alva e delicada coloria-se, revelando o que lhe ia à alma.
          - Leonor! Ah! Se eu pudesse! Se eu pudesse... Colocaria o mundo a seus pés! Traria as estrelas do céu para beijar-lhe os cabelos, viveria toda minha vida beijando o chão onde pisa!
          - Por favor, Gervásio. Não diga essas coisas! Não posso resistir. Tenho pensado na grandeza de seu amor. Eu que nunca tinha conhecido essa emoção! Eu que não acreditava que esse sentimento pudesse existir, vejo que estava enganada! Sinto que sua presença me enche de alegria, me aquece o coração. Eu que nunca senti o coração bater por ninguém, eu que sempre vivi encerrada em minha solidão, agora sinto dentro de mim tanta emoção! Tanto afeto! Deus, o senhor é um padre. Que pecado! Serei castigada por isso.
          Gervásio parecia ter entrado no paraíso. Sem conter-se, apertou-a nos braços com força beijando-a repetidas vezes com loucura.
          - Leonor - tornou, com voz rouca -, o amor não é pecado. Foi Deus quem o criou. Vamos fugir daqui. Juntos, encontraremos a solução. Se for preciso, deixo a batina. Não poderei mais viver sem você.
          Ela permanecia atordoada e confusa. Sentimentos contraditórios sacudiram-na com violência. Amava aquele homem com uma força que nunca se julgara capaz. Odiava o marido. Agora, mais do que nunca, não suportaria o convívio com ele. Por outro lado, estava pecando contra Deus: além de ser casada e estar se tornando adúltera, estava desviando do caminho de Deus um de seus ministros. Apesar do conflito, ela não o pôde repelir. Sua fome de amor, sua sede de carinho, de apoio, de compreensão era tão grande, e a dedicação dele a única alternativa à qual ela se apegou, procurando calcar a consciência, tentando justificar-se intimamente.
          Gervásio acariciava-a com delicado carinho. Homem experiente e sentimental, sabia agradar a uma mulher fazendo-a sentir-se amada e feliz.
          Ela esqueceu seus receios e não repeliu o padre. Dócil e apaixonada, entregou-se a ele, deslumbrada com a própria emoção que ele cultivara com delicadeza.
          Foi um deslumbramento. De repente, o padre lembrou-me de que precisava ir e sobre eles pesava a ameaça de Fabrício. Agora, mais do que nunca, o desejo dele era-lhes odioso.
          - Precisamos evitar isso! - tornou o padre, pensativo. - Acho que tenho uma ideia! Vou dizer a Dom Fabrício que está muito doente. Se ele acreditar, tudo estará resolvido. Amanhã cedo deverá partir para o encontro com Dom Fernando e, ao regressar, estaremos longe.
          Gervásio tranquilizara Leonor sobre esse encontro que preparara para pacificá-los.
          - Ele não acreditará! Virá ver-me e então tudo será inútil.
          - Meu amor - tornou ele, com arroubo -, é preciso mais um sacrifício! Acha que sua aia nos ajudará?
          - Certamente.
          - Chame-a.
          Leonor abriu a porta e, a um sinal, a aia entrou:
          - Chegou a hora da fuga! - tornou Gervásio, em voz baixa. - Precisamos de sua ajuda!
          - Farei tudo que me ordena - tornou ela, atenta.
          - Conhece uma erva miúda, do mato, que quando tomamos nos faz inchar e coçar? Não sei o nome.
          - Sei qual é. Minha mãe me ensinou a separá-la das outras.
          - Ouça bem: Dom Fabrício vai partir amanhã cedo e estará ausente por dois dias. Vamos aproveitar para fugir. Vai levar alguns homens e poderemos burlar a vigilância. Mas ele ameaça Dona Leonor esta noite. Quer vir ter com ela!
          - Valha-me Deus! - tornou a aia, assustada. Ficava apavorada cada vez que Fabrício ia ver a esposa.
          - Vou impedi-lo. Dizer-lhe que ela adoeceu. Você colhe essa erva, faz chá e ela toma. Assim, à noite, estará com aparência de doente. Certamente ele a deixará em paz. Conheço-o, tem medo de adoecer.
          - Bem pensado, senhor padre! - tornou a aia, feliz. - Voltarei em poucos instantes e certamente pregaremos boa peça em Dom Fabrício.
          - Agora me vou - tornou o padre, quando se viu a sós com Leonor. - Vou passar a noite aqui é estarei pensando em você. Amanhã cedo partirei com Dom Fabrício para que não desconfie. Quando nos separarmos, como se eu tivesse ido para minha casa, regressarei e, então, tudo pronto, partiremos rumo à felicidade!
          - Parece impossível! - tornou ela, ansiosa. - Mal posso esperar!
          Gervásio compôs a fisionomia e saiu. Tentou recolher-se para os aposentos que lhe estavam reservados sem ser visto, mas de propósito Fabrício esperava na sala.
          - E então? - tornou ele, ríspido. - Levou lá tanto tempo! Pensei que não fosse mais sair.
          - Quando esperamos com ansiedade, o tempo nos parece muito longo - justificou ele. Estaria Fabrício desconfiado? Com voz natural continuou: - Foi trabalho árduo. Dona Leonor é difícil e se mostrava irredutível.
          - Tantas atenções a uma mulher! Sou um tolo. O melhor é acabar com isto de uma vez. Terá que me aceitar quer queira quer não.
          Gervásio tornou com voz tranquila:
          - Tenha calma. Tudo se arranjará da melhor forma. Tentei convencer Dona Leonor de que precisa ser dócil a seu carinho. Que uma mulher cristã precisa amar o marido e ser boa esposa.
          - E ela?
          - Ela dizia que não era possível porque o senhor a maltrata e eu mostrei-lhe que ela era a culpada. Que seu amor se sentia ofendido, sua dignidade ultrajada porque ela não lhe dá o amor que lhe é devido. Que ela mudasse, e correspondesse a seu amor, haveria de sentir que eu dizia a verdade e que seria muito bom pra ela.
          Fabrício sorriu satisfeito. O padre tocara-lhe o ponto fraco.
          - Isso mesmo. É isso que eu tenho tentado dizer-lhe. Seu desprezo me exaspera, sua frieza aumenta meu ardor e minha paixão. E então?
          - Custou, Dom Fabrício. Demorou, mas afinal ela pareceu compreender. Hoje à noite, quando for a seu quarto, ela não vai repeli-lo. Vai tentar novamente, vai procurar amá-lo. Agora, depende de você.
          Fabrício levantou-se da cadeira exultante.
          - Finalmente! Consegui. Hei de mostrar-lhe como sei amar!
          O padre baixou o olhar para encobrir o brilho de rancor.
          - Se me permitir, gostaria de repousar um pouco. Essas viagens são cansativas. Mal dormi a noite passada.
          - Naturalmente, Dom Gervásio. Tem o direito. Pode crer que o recompensarei regiamente.
          O padre fez um gesto largo.
          - Só quero fazer o bem - tornou, com voz humilde. E retirou-se em seguida, enquanto em seu coração cantava a alegria do amor correspondido e de seus mais ardentes sonhos que em breve se tornariam realidade.
          Enquanto isso, a aia já preparara o chá e o levava a Leonor, que de boa vontade o ingeriu. Meia hora mais tarde, sentia a cabeça rodar, enquanto seu corpo se cobria de vermelhidão. Tornou-se febril. Deitou-se tranquilamente, enquanto a ama saiu à procura do padre, colocando-o a par do acontecido. Imediatamente ele foi procurar Fabrício, informando-o da doença da esposa.
          - Dom Fabrício, a aia de Dona Leonor procurou-me para acudir sua esposa, que adoeceu. Antes de vê-la, quero sua permissão.
          Fabrício resmungou:
          - Doente, ela? Não estava bem horas atrás quando lá esteve?
          - Estava. Mas a aia foi agora pedir ajuda, que ela se sente mal.
          - Vamos ver isso!
          Com semblante fechado, irritado, Fabrício foi à frente e os outros dois o seguiram. No leito, Leonor realmente parecia mal. Seu rosto inchara e uma vermelhidão o cobria, seus olhos brilhavam parecendo ter febre. A respiração acelerada e difícil dava-lhe desagradável aspecto. Nem parecia a mesma mulher.
          Fabrício não se aproximou muito do leito. Gervásio, com ar preocupado, tomou o pulso da enferma e perguntou:
          - O que sente, Dona Leonor?
          - Mal, senhor padre. Tenho tontura e estou enjoada. Arde-me a pele e a língua está grossa e seca. O que acha que tenho?
          O padre ficou sério e respondeu com voz um pouco preocupada.
          - Não é nada. Vamos ver o que temos no castelo e prepararei um remédio. Não deve temer. Logo mais tudo vai passar.
          - É grave, Dom Gervásio? Parece-me mal.
          O padre abanou a cabeça:
          - Estou preocupado, Dom Fabrício. A peste está dando muito este ano na Galícia. Pode bem começar por aqui.
          Fabrício empalideceu.
          - E esta agora! Ainda bem que parto amanhã. Dá-me vontade de seguir hoje mesmo. Acho que farei isso. Vou agora mesmo. Afinal, quanto antes melhor.
          - Se me autorizar, gostaria de tratar Dona Leonor. Sabe que detenho conhecimentos de medicina.
          - Claro, claro - fez ele, distraído -, tem minha autorização. Faça o que lhe parece melhor. Se ela estiver pesteada, deverá tomar os devidos cuidados. Mande avisar-me sobre a doença de Leonor. Quero saber. Disso dependerá meu regresso.
          O padre exultava. Por que não pensara nisso antes? Teria o tempo disponível para a fuga e toda a liberdade em prepará-la.
          A notícia da doença de Leonor correu logo e muitos, assustados, queriam acompanhar Dom Fabrício. No meio da tarde daquele mesmo dia Fabrício partiu, acompanhando de dez homens bem armados. Não se despediu da mulher. Estava mais interessado em livrar-se de um possível contágio.
          Foi exultando que Gervásio entrou o quarto de Leonor. Fechou a porta e tomou-lhe a mão com entusiasmo:
          - Tudo vai como planejamos! Dom Fabrício antecipou a partida. Autorizou-me a cuidar de sua saúde! Estamos livres!
          Leonor sorriu:
          - Só acredito quando estivermos longe daqui.
          - Partiremos o quanto antes. Como se sente?
          - Tonta, mas já estive pior.
          - Isso vai passar. Amanhã já não terá mais nada. Deixe comigo - chamou a aia: - Maria, comece a arrumar as coisas de Dona Leonor. Partiremos ao alvorecer.
          - E os homens de Fabrício? - perguntou Leonor, preocupada. Sabia que, quando se ausentava o marido, os encarregava de vigiá-la severamente, não lhe permitindo sequer sair do castelo.
          - Sei como fazer as coisas. Partiremos tranquilamente. Não devemos levar muita bagagem. Não quero despertar suspeitas.
          - Concordo. Depois, tudo aqui me desagrada, lembra-me a presença odiosa de Fabrício. Levarei minhas joias de família, que mantenho escondidas da ambição dele, alguns vestidos.
          A aia sorria embalada pela alegria de sua ama. Sair daquele lugar representava o paraíso. Até ela pensava em fugir dali, mas como abandonar Leonor tão indefesa e só? Agora, com a ajuda do padre, tudo seria realidade.
          Gervásio queria abraçar Leonor, mas diante da serva mantinha-se discreto. Não queria precipitar as coisas. O resto da tarde passou entre os planos do futuro e a alegria da liberdade.
          A noite desceu e ia alta quando o padre saiu dos aposentos de Leonor para tomar algum alimento. Com ar preocupado e compungido fez a refeição.
          - Dom Gervásio, permite-me? - inquiriu o servo, com respeito.
          - Fale.
          - Como vai nossa ama?
          Gervásio baixou a cabeça com ar triste:
          - Mal, meu caro, muito mal - olhando para os lados, continuou em voz baixa: - Temo pelo pior. Guarde segredo, não diga a ninguém, mas acho que ela está pesteada!
          O servo estremeceu:
          - Que horror!
          - Não conte nada a ninguém. Está muito mal, irreconhecível.
          - Valha-nos Deus!
          - Vai valer, meu caro. Não se preocupe. Sei de um lugar onde as freiras cuidam dos pesteados. Estou pensando em levar Dona Leonor. Se ao menos Dom Fabrício estivesse aqui!...
          - Mas ele autorizou o senhor a cuidar dela. Eu o ouvi! - tornou o servo apressado.
          - Lá isso é verdade! Mas numa hora dessas, resolver isso, é muito grave! Por outro lado, não posso abandonar Dona Leonor nesse estado!
          - Por favor, senhor padre! Tenho mulher e filhos. Tenha piedade de nós. Se a doença se alastra!
          O padre suspirou pensativo.
          - Está bem. Vou correr o risco. É preciso salvar todas as famílias do castelo. Levarei Dona Leonor ao Hospital da Ajuda, onde as bondosas irmãs cuidam dos doentes. É retirado, no meio da mata, mas não faz mal. Se Deus me colocou aqui, foi para salvá-la! Farei o que puder.
          O servo estava quase chorando. Mandou preparar a carruagem do padre.
          - Partiremos pela madrugada. Não quero que a vejam pelas estradas, seria perigoso. Coloque uma caixa com víveres, a viagem será longa e penosa.
          - Fique tranquilo - tornou ele. - Cuidarei de tudo. Colocarei o bom vinho de que o senhor tanto gosta.
          - É um bom homem, José. Que Deus o abençoe.
          O padre estava radiante. Quando estava tudo pronto e Leonor vestida, depois de levarem a bagagem que a serva colocara na porta do quarto para a carruagem, Leonor saiu apoiada na aia, gemendo e andando com dificuldade.
          Os homens a olharam de longe, receosos. Viram o suficiente para se assustarem. O rosto manchado e vermelho de sua ama nem parecia ser da bela mulher de quem tanto gostavam. Foi com alívio, embora com lágrimas nos olhos, que viram a carruagem se afastar.
          - Assim que puder, trarei notícias - tornou o padre ao despedir-se. - Avise a Dom Fabrício que fiz o possível para evitar isso. Mas, diante da vontade de Deus, nada podemos.
          Assim que estavam longe, José ordenou que queimassem as roupas de cama, de uso de Leonor. Era preciso preservar a todos.
          Assim que a carruagem ganhou a estrada, Leonor suspirou aliviada.
          - Nem acredito! Parece um sonho!
          - Eu disse que a libertaria. Estamos livres! Iremos para um lugar onde Dom Fabrício nunca nos há de encontrar. Lá tudo será diferente. Será a rainha e a dona. Verá que linda casa e que maravilhoso lugar!
          A aia os olhou um pouco surpreendida. Teria percebido bem? Gervásio e Leonor tinham mais do que amizade? Mas a ela aquilo não importava. Gervásio fora o amigo, o salvador, o herói. Estavam felizes. Iam viver!

Esmeralda - Zibia Gasparetto pelo espírito LuciusDonde viven las historias. Descúbrelo ahora