Capítulo 7

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          Sentado na carruagem rumo ao castelo de Fabrício, Gervásio tinha a fisionomia endurecida e séria. As coisas se objetivavam de acordo com seus desejos e dentro em pouco sua vingança estaria consumada. Fabrício pagaria por seus crimes e se afastaria completamente de seu caminho. Então, Leonor seria sua para sempre. Ninguém conseguiria afastá-la de seus braços.

          Gervásio,ao pensar nela, sentiu uma onda forte de calor aquecer-lhe o peito. Seus olhos tristes e chorosos, sua palidez, sua beleza e principalmente sua dignidade tinham acendido em seu peito uma paixão avassaladora e irreprimível.

          Gervásio, dono de temperamento fogoso, jamais conseguira observar a castidade que lhe era exigida. Tivera paixões correspondidas, ligações amorosas dissimuladas pelos preconceitos sociais, facilitadas por sua profissão e pelo prestígio que gozava na intimidade das famílias, numa época em que as mulheres eram confinadas e relegadas a uma subserviência escravocrata e abusiva. 

          Explorando o espírito rebelde de algumas, cuja dedicação ao lar e ao esposo era apenas aparente, lograva alcançar seus dúbios objetivos, chegando por vezes, em seus pensamentos mais íntimos, a julgar-se benfeitor daquelas infelizes criaturas cujo matrimônio imposto representava dolorosa cadeia, fazendo-as conhecer a paixão e os prazeres dos jogos amorosos.

          Mas com Leonor fora diferente desde o princípio. Desde que a viu, deslumbrou-se com sua beleza e acariciou intimamente o desejo de conquistá-la. Para isso, envolveu Fabrício com atenções, aparentemente concordando com sua maneira de ser e de pensar. Frequentou-lhe a casa, e manhosamente foi ganhando confiança.

          Em certa ocasião, foi ao castelo aparentando preocupação e tristeza. Fabrício o recebeu admirado diante do inusitado da hora.

          - Venho preveni-lo de algo muito grave – tornou sério.

          - De que se trata?

          - De uma denúncia ao Santo Ofício. Foi denunciado e, pelo que ouvi de meus superiores, trata-se de algo muito grave.

          Fabrício empalideceu.

          - Como assim?

          - Há aqui em seu castelo encontros de bruxaria. Pessoalmente, eu não sabia de nada, mas alguém deu a denúncia, e como somos amigos, venho preveni-lo. O caso é muito sério.

          - É uma infâmia!

          - Acredito, mas parece que há testemunhas. Hospedou aqui um homem que ouve vozes e se diz profeta, e com ele fez uma sessão de magia proibida por lei.

          - Não foi isso. Ele passou por aqui, pediu pousada e, agradecido, quis adivinhar sobre meu futuro. Aliás quase o pus para fora a pontapés porque disse coisas amargas e fez duras previsões. Acabou por querer que eu fizesse algumas coisas e abandonasse tudo que eu gosto. Falou de desgraças e eu por pouco não o matei aqui mesmo. Atirei-o fora, se quer saber.

          - Não é isso o que consta no Santo Ofício. Por causa disso pode haver intervenção em suas terras.

          - Isso é uma calúnia. Nada fiz de mal! Sou católico e obediente à Igreja. É uma injustiça!

          - Acalme-se. Somos amigos e vou procurar defender seus interesses. Pode confiar em mim. Intercederei junto aos superiores.

          - Faça isso. Eu doarei um pedaço de minhas melhores terras à Igreja.

          Gervásio sorriu magnânimo:

          - Não. Isso não. Mas a Congregação aceitará metade da safra deste ano e algumas joias para nossos pobres. Verei o que posso fazer, embora o problema seja grave.

Esmeralda - Zibia Gasparetto pelo espírito LuciusDonde viven las historias. Descúbrelo ahora