Capítulo 9

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          Ao sair do castelo, Fabrício ia preocupado. A doença inesperada de Leonor abatera-lhe os nervos. A entrevista com o cunhado o irritava e o colocava em tensão. Ia disposto a tentar uma aproximação. Não lhe agradava brigar frente a frente. Não queria arriscar-se a perder. Jogava sempre na certa. Por tudo isso, tramava. Não queria irritar o cunhado, que sabia teimoso e duro. Brigar naquela hora não lhe convinha. Se ao menos Leonor não tivesse adoecido! Se pudesse contar com seu apoio, certamente Fernando se abrandaria. Logo agora que Leonor parecia resolvida a recomeçar!
          Esporeou o cavalo com raiva. O animal gemeu e arrancou com força. Fabrício o dominou. Era madrugada quando chegaram a uma hospedagem e Fabrício resolveu parar para dormir. No dia seguinte, seguiria viagem. Tudo precisava sair bem.

          Enquanto isso, Carlos, preocupado, vendo o pai preparar-se para partir, tornou pensativo:
          - Pai, deixe-me seguir em seu lugar!
          - De modo algum. Para tratar com Fabrício é preciso que eu vá. Nós temos que resolver nossos problemas.
          - Cuidado com ele. Sabe que é covarde e traiçoeiro.
          - Por isso quero você por aqui, vigiando os nossos. Não vou com a intenção de brigar, embora isso me custe muito. Vendo-lhe a cara, tenho ganas de acabar com tudo de uma vez. Quero evitar manchar minhas mãos com sangue. Leonor é minha irmã. Só farei isso em último caso.
          - Preparei dez homens para irem com o senhor.
          - Bastam cinco. Prefiro que fiquem aqui. Sei me cuidar. Levo cinco dos bons e chega.
          Carlos não conseguiu convencê-lo. Quando afirmava uma coisa, não voltava atrás. A madrugada estava começando a raiar quando Fernando saiu acompanhado de seus cinco homens de confiança. Carlos ficou preocupado. Mas nada podia fazer.
          Quando Fernando chegou à estalagem do Leão Dourado, Fabrício já estava lá. Apesar de não ser ainda a hora combinada, encontraram-se: Fabrício comendo em uma mesa no canto da sala e Fernando ainda coberto pela poeira da estrada, acabando de chegar. Olharam-se por alguns instantes e Fernando procurou o dono para pedir pousada e comida.
          Fabrício, vencendo a irritação, querendo ignorar o brilho de rancor nos olhos do cunhado, levantou-se com seriedade:
          - Bem-vindo, Dom Fernando. Aqui estou para lhe falar.
          Fernando olhou-o lutando para dominar-se:
          - Aqui vim para isso. Mas ainda não é a hora marcada e eu estou cansado da viagem. Falaremos à noite. Pretendo lavar-me e repousar um pouco.
          - Certamente - tornou Fabrício, cerimonioso. - Aguardarei o momento. Acho que poderemos jantar juntos. Há uma sala reservada onde teremos toda a liberdade.
          Fernando pareceu hesitar, mas por fim concordou:
          - Seja. Jantaremos juntos.
          Enquanto Fernando acompanhava o dono da taberna, Fabrício sentou-se de novo, e tomando o copo de vinho, bebeu com prazer. As coisas pareciam andar bem. Fernando não vinha para brigar. Isso pudera perceber. Conhecia-o bastante para saber que não sabia fingir. Não o suportava, isso pôde ler em seu olhar, mas por algum motivo viera em missão de paz. Caso contrário, não teria aceitado o jantar.
          Fabrício começou a acariciar seus planos ambiciosos. Toda a fortuna do cunhado ainda lhe passaria às mãos! Por um instante assaltou-lhe o terror: e se Leonor morresse? Isso dificultaria muito as coisas. Ele não precisa saber que ela ia mal. Talvez nem tivesse tempo de descobrir, se tudo corresse como planejara. Chamou a moça que servia vinho.
          - Encha meu copo. Sabe onde está o fidalgo que chegou há pouco?
          - Recolheu-se ao quarto, senhor.
          Ele sorriu, olhando-a com cobiça.
          - Então também vou para meu quarto, se concordar em fazer-me companhia...
          Ela riu bem-humorada:
          - Irei preparar-lhe a cama - tornou, envaidecida.
          Fabrício concordou. Sorveu mais alguns goles de vinho e levantou-se. Afinal, encontrara um entretenimento até a hora do jantar. O lugar era aborrecido e o tempo custava a passar.
          Fernando, depois de lavar-se, estirou-se no leito. Estava cansado, mas apesar disso teve dificuldade em conciliar o sono. A situação desagradável em que se encontrava o irritava, e se não fosse a vontade de ajudar Leonor, dificilmente teria concordado com aquele encontro. Afinal, viera para contemporizar, dar tempo a que Leonor fugisse. Não concordava com o abandono do lar. Era extremamente conservador, mas o caso de Leonor, casada contra sua vontade com um homem perverso e de baixa moral, justificava sua participação na fuga.
          Apesar de não dormir, ficou deitado até a hora do encontro, queria retardar ao máximo o momento da odiosa entrevista.
          Quando procurou a sala reservada, Fabrício já estava lá, fisionomia descansada, esperando. Vendo o cunhado, levantou-se com gentileza:
          - Espero que tenha aproveitado o repouso.
          - Estou menos cansado, obrigado.
          - Sentemo-nos - tornou Fabrício, servindo uma caneca de vinho e oferecendo a Fernando. - Tomei a liberdade de encomendar o jantar. Espero que seja de seu gosto.
          Fernando fez um gesto evasivo. Era-lhe penoso suportar semelhante situação. Homem rude, pouco afeito à hipocrisia dos salões, naquele momento se sentia desagradável e indesejado. Sentou-se e, embora desejasse terminar a entrevista o mais rápido possível, sabia que para seus interesses o quanto mais demorasse, melhor seria. Por tudo isso, vencendo a repulsa, tornou com voz calma:
          - Fui informado por Dom Gervásio de que queria falar comigo. Assunto urgente e de meu interesse.
          O outro, sorvendo um gole de vinho, concordou:
          - Sim. Tenho estado preocupado por causa de Leonor. Não tem estado bem ultimamente.
          Fernando teve um impulso de indignação. Controlou-se, contudo.
          - O que se passa com minha irmã? Está doente?
          - Não propriamente. Devo usar de franqueza e peço que me perdoe. Não pretendo ofendê-lo.
          - Fale sem rodeios - tornou Fernando, um pouco exasperado.
          - Ela está muito triste e saudosa da família. Tem chorado. E por mais que eu faça por torná-la feliz, está sempre triste suspirando pelos seus. Sabe que não temos filhos, e ela se ressente. Sei que não foi a favor de nosso casamento e por isso não quer manter relações com nossa casa.
          Fabrício falava em tom humilde e Fernando, apesar de tudo quanto sabia sobre o cunhado, não se pôde furtar a uma onda de emoção lembrando-se da irmã querida, abandonada à própria sorte, suportando o peso de uma união cruel e indesejada. Suspirando, Fabrício continuou:
          - Sei que estou me deixando levar pelo sentimento! Mas pensei que, se Leonor pudesse viver em paz com a família, ver em seu filho nosso filho, na amizade dos seus um apoio, talvez se tornasse mais feliz. Sei que não me aceita, e meu orgulho manda-me voltar-lhe as costas diante de tanta injustiça. Mas tudo coloco de lado quando sinto a tristeza de Leonor, suas saudades, sua dor. Pedi este encontro para interceder por ela. Para que o passado seja esquecido e possamos nos tornar amigos, como deveria ter sido desde o início.
          Fernando estava comovido não por aceitar as palavras do cunhado, mas pela primeira vez analisava o sofrimento da irmã, lutando sozinha contra aquele covarde, relegada ao abandono pela própria família. Teria agido bem não interferindo? Teria sido justo abandoná-la quando a mais necessitada era ela? Se tivesse mantido seu relacionamento com o cunhado, não teria tido melhores oportunidades para ajudá-la?
          Sentiu-se envergonhado por seu procedimento, que julgava justo, mas que agora reconhecia egoísta e irrefletido. Sentiu enorme alívio ao pensar que, embora tarde, estava contribuindo para a libertação da irmã, ainda que lhe fosse difícil.
          Fabrício sentiu a emoção do cunhado e exultou. A conquista de seu objetivo era questão de tempo!
          - De minha parte - enfatizou ele -, prometo fazer tudo para ser-lhe agradável.
          Fernando passou a mão pela testa, pensativo:
          - A tristeza de Leonor me aflige. Pensei que ela nos houvesse esquecido. Sabe que a quero muito e que, se ela não nos procurou, foi porque não pôde ou não quis. Nossa casa jamais se fechou para ela.
          Fabrício fez um gesto largo.
          - Sabe como é. Ela não gostaria de ir a uma casa onde seu esposo não fosse recebido.
          Fernando sabia que fora ele quem a proibira de ir ao lar paterno em represália a seu orgulho ofendido. Mas não estava interessado em brigar.
          - Gostaria que pensasse no assunto e me desse uma resposta - completou Fabrício, com voz calma.
          Fernando permaneceu pensativo alguns instantes, depois tornou:

Esmeralda - Zibia Gasparetto pelo espírito LuciusDonde viven las historias. Descúbrelo ahora