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A minha história na verdade não tem bem um começo, meio ou fim.
Não sei em que ponto tudo começou, por isso vou contar o que me lembro. É como se toda minha história se dividia-se em duas partes: antes do pesadelo e depois do pesadelo. O mais engraçado é que não me lembro do que se tratava o sonho, a minha mente vem apenas fleches de lembranças, recordo mais dos sentimentos...ele era tão aterrorizante e tão excitante ao mesmo tempo que perdi o sono. Passei o resto da noite em claro imaginado como teria acabado se eu não tivesse despertado. Tentei diversas vezes chamar o sono de volta com a esperança de retornar ao sonho mas não teve solução, o dia amanheceu, e a realidade da minha vida retornou.

Então levantei da cama, me vesti e sai para cozinha, onde me esperava meu pai e meu irmão do meio Chonan, sentados na mesa bebendo leite quente para esquentar os ossos, e tirar a friagem adquirida na noite fria de outono.

— Bom dia Cho.— beijei seus cabelos compridos num tom castanho desbotado. — Bom dia pai.

-—  Bom dia Zeya, como dormiu a noite?

— Muito bem, e você?

Concordando com a cabeça ele me passou a jarra com a leite quente. De canto de olho observei meu pai, ele era um homem frio que não se importava com nada e com ninguém, se não me falha a memória a única vez que vi ele demonstrando algum tipo de emoção foi no leito de morte de minha mãe, quando segurou a mão dela por alguns segundos.

Olhando pra ele, poderia dizer que um dia na juventude tinha sido um homem belo. Mas agora seu rosto estava coberto de rugas da idade, e a pele bronzeada demais pelo constante contato com o sol do campo ou da caça, tão barbudo como um carpinteiro mas tão sujo quanto um agricultor.
Nenhum dos seus três filhos tinha qualquer sentimento por ele, a não ser gratidão quando a noite voltava com o jantar e o almoço do dia seguinte.

- Zey eu quelo colo.

Pediu minha irmã caçula, puxando a manga comprida do meu vestido vermelho. Kintyn tinha três anos agora, e era muito parecida com a mamãe, dava até uma certa melancólica olha-la, seus olhinhos azuis iguais a de Chonan herdados de papai, o cabelo de um loiro mel encaracolados nas pontas e lisos na raiz, seu corpinho era miúdo e pequeno. Meus irmãos eram o oposto de mim, meus olhos eram castanhos escuros, meu cabelo era preto e lisos compridos até a cintura, minha pele era mais branca que a deles e ao contrário deles eu tinha herdado os dons da minha mãe.

- Assopre Kin, está quente.

- Assopla pla mim?

- E claro que assopro.

Assoprei até estar numa temperatura que ela poderia tomar.

- Beba devagar você vai se afogar.

- Aram!

A maioria dos cafés da manhã-ou qualquer refeição- eram feitos em silêncio, as vezes os pequenos falavam um pouco de sonhos ou planos para o dia, mas na maioria eles ficavam intimidados pela presença do pai.
As vezes eu me perguntava se era uma pessoa má ou má agradecida, por desejar ansiosa pela partida dele, por desejar a cada dia mais que ele passe mais tempo na floresta ou pescando. Ele não fazia bem a nós, não propositalmente mas inconscientemente, ele rouba com sua presença a felicidade das crianças e a minha.

- Zeya você vai cavalgar hoje?

Olhei para meu irmão servindo um pouco mais de leite no seu copo de barro.

- Vou sim Chonan, porque?

- Só pra saber, podemos ir com você?

- Isso Zey decha a gente i com você?

O Lobo que Eu Amo [Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora