♦ Prefácio ♦

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Já faz um bom tempo desde que eu cheguei, as paredes olham para mim como um juiz olha ao bandido em um interrogatório. Não havia ninguém em casa, resolvi sair. Desde a morte de minha mãe, meu pai não saiu mais do hotel. É, nós moramos em um hotel, fica em Mauá, basicamente no meio do mato, até que é bem frequentado. Um lugar relax, com spa, ofurô, banho de argila, guias para conhecer as cachoeiras e as lojinhas de artesanato local, mas nada disso me entretinha. Os poucos "amigos" que conheciam, ficavam no hotel por pouco tempo, prometiam manter contato por redes sociais, mas nunca davam sinal de vida. Talvez realmente morressem, ou sumiam do universo, pelo menos do meu universo. Feliz eu não era, a não ser quando meus pés tocavam a terra que havia depois das barreiras do hotel, meu pai me proibira de ir para lá, mas era o único lugar em que me sentia bem. O ar, as plantas, cada pedaço de musgo grudado nas árvores me davam a sensação de liberdade. Ser órfão de mãe, com um pai que não é presente, aos 14 anos de idade, não é nada, nada bom. Sentei-me em uma pedra e deixei minha mente se esvair ao som da água do riacho, ao som dos pássaros. Senti uma forte dor, comparada há de uma agulha entrando na pele, uma minúscula formiga havia me picado. Levantei dando batidas no braço, calcei o tênis e fui novamente para o "mundo real". Dei a volta por trás dos estábulos para não ter perigo de ninguém me ver saindo da "floresta proibida", mas não adiantou nada. Meu pai esperava sob a fonte que ficava logo à frente do hotel, com um olhar que dizia que lá vinha encrenca.

"- Pedro, o que te falei sobre ir além dos muros? " - Perguntou meu pai já com a cara vermelha. 

" - Já lhe disse que lá não é lugar para você, e se você leva uma picada de algum bicho? Em meu filho? "

Os olhos castanho-mel reluziam entre os raios de sol. Não respondi, me dei por derrotado. Sempre fazia isso, tinha dó de discutir com meu pai e o fazer sofrer mais do que já estava sofrendo. Os dias iam se passando, e cada dia que se passava meu peito se enchia de desespero, eu realmente não sabia o que me fazia sentir daquele jeito. O tédio era minha "kriptonita", já sabia de cor e salteado meus livros, minhas músicas já haviam se passaram de melodias para zunidos, e meus jogos simples borrões pela TV. Voltei ao mesmo caminho que sempre ia quando me sentia assim, desta vez fui
descalço mesmo, marcas dos meus pés já estavam cravadas sob a terra. Passei pelo riacho e resolvi ir mais longe desta vez, olhei para trás, suspirei e fui. As folhas secas e úmidas caídas ao chão me davam uma sensação estranha, incomoda, mas agradável ao mesmo tempo. O caminho foi se fechando cada passo em que eu prosseguia, até que cheguei há uma enorme clareira. Nunca havia chegado até ali, era maravilhosa, cogumelos de várias cores e tamanhos cresciam em círculos, trevos e pequenas flores brancas envolviam troncos e gravetos, pedras recobertas de musgo me convidava a ficar. Os sons dos gritos do meu pai fluíam sob minha mente, até que meu peito foi aliviado com um grito. Minha boca se abriu, e minhas cordas vocais saltaram sob o pescoço, um grito aflito, mais que libertador, a conexão entre minha aura e a terra fazia-me flutuar. Comecei a sorrir e depois a gargalhar, como um idiota, meu coração estava feliz e saltitante como nunca antes, uma sensação ótima, e única. Ri tanto que perdi o fôlego e caí direto sobre a pedra sobreposta por musgos e com um borrão, tudo se apagou. Quando acordei, senti ter dormido por séculos, raízes, ramos de grama e ervas daninha se enrolavam pelo meu corpo, eu estava totalmente preso há terra. Uma onda de medo percorreu meu corpo e fez meus dentes rangerem, e comecei a suar frio, náuseas tomaram conta de mim, até que cedi, e decidi que ficaria preso ali até a morte. Foi quando olhei para o céu, entre os poucos buracos que se podia enxergar sob as copas das árvores, relaxei, e aos poucos comecei a rir novamente, mas desta vez não sem motivo, a grama cerrava meu abdômen me fazendo cócegas, até que consegui me soltar. A grama e tudo o resto que me prendia ao chão havia sumido, como mágica, chequei os círculos de cogumelos para ver se não faltava algum e tivesse acontecido de ter comido algum sem querer. Mas não, estava tudo em perfeito estado. Até que estalos ecoaram pela clareira, gravetos começaram a quebrar, fechei os olhos e me deitei sobre o mesmo lugar, uma onda de medo me percorreu. Os sons chegavam cada vez mais perto, e não sabia o que era mais desesperador, ficar ali deitado esperando a "coisa" chegar, ou se fazer de covarde e não ter coragem de enfrentar tudo. O barulho cessou, abri os olhos e virei à cabeça, foi aí que vi o cavalo mais bonito do mundo, que degustava a verde grama da clareira. Seu pelo reluzia pelos pequenos raios de sol que penetravam pela copa das árvores, mas havia algo diferente naquele cavalo, algo que até então só tinha visto em filmes, livros e ilustrações, o cavalo tinha um chifre, sim, um chifre, um belo cifre contorcido bem no meio da testa, linhas azuladas o tornavam mais belo ainda. Levantei ainda contemplando a beleza do animal, que nem dava a mínima para a minha presença, cheguei cada vez mais perto e deslizei minha mão sob seu pelo macio. E a única coisa em resposta que ele deu foi um pum, um pum de cavalo, e lhe digo, não foi nada amigável.

" - Calma aí, amigão! Esta grama parece ser das boas, mas deixa um pouco para depois! " - Falei ao cavalo esperando que ele respondesse, e foi quase isso.

O lindo corcel fez um sinal com a cabeça, me convidando para subir em suas costas. Sem pensar duas vezes, pulei em suas costas e me sentei confortavelmente, toquei em seu
chifre e senti o relevo, como se tivesse sido talhado à mão. Aquilo era a coisa mais esplendorosa que já vi, nem eu mesmo acreditava no que estava acontecendo, aquilo era realmente um unicórnio. Rapidamente o cavalo ficou sobre duas patas soltando um ganido típico e começou a galopar, segurei firmemente em suas crinas, não havia cela, nem rédeas, a velocidade ia aumentando, o corcel pulava por rochas e pequenos riachos com a maior facilidade, olhei rapidamente para trás e vi a clareira desaparecendo, o desespero bateu novamente. Mas quando me deparei, chegamos a um vale enorme, com montanhas e planalto, a grama era tão verde que dava mesmo vontade de comer. (Estilo cena de a fantástica fábrica de chocolates) Desci do cavalo e contemplei a paisagem, nenhuma marca de destruição humana, nenhum prédio ou edifício. Será que eu havia morrido e estava no paraíso? O aroma e o frescor do vale me faziam um bem danado. Procurei o cavalo e o encontrei bebendo água em um pequeno lago onde peixes coloridos nadavam rapidamente, a água cristalina me forçou a experimentar um pouco. Sentei na beira do lago e esperei o corcel saciar sua sede, foi quando me deparei que uma enorme cesta de piquenique estava mais ao lado, eu não poderia ser a única pessoa naquele lugar. A cesta estava lotada com frutas e flores, pareciam ser frescas, a cor vermelho sangue das maçãs fizeram minha boca salivar, e a fome apareceu. Olhei para todas as direções e não encontrei ninguém, peguei a maçã e comecei a devora-la, era adocicada e macia. O cavalo relinchou como o toque para o fim do intervalo escolar, peguei mais uma maçã e levei em sua direção, no mesmo momento em duas pequenas mordidas a maçã não existia mais. Subi em suas costas e desta vez cavalgou lentamente, como se ele estivesse fazendo uma excursão, cruzamos árvores e campos floridos, montanhas e rios, até que comecei a me cansar. A mata começou a se fechar novamente e logo estávamos em outra clareira, uma maior com menos grama e quase sem cogumelos. Mas um grande monumento de pedra chamava a atenção logo á esquerda, a cor cinza-escuro e o ambiente emanavam uma energia nunca antes sentida. Meu corpo se arrepiou todo, fiquei minutos parado no mesmo lugar, fitando o ambiente sem dar um passo. Até que notei que o cavalo havia sumido, como voltaria para o hotel? Meu pai deveria ter chamado todos os empregados para realizar uma busca em toda a redondeza. Eu estava ferrado. Sem ter ao que recorrer resolvi chegar perto da rocha, que tinha um aspecto gélido e entalhes ovulares em toda sua volta, nada com muita irrelevância, mas era estranho para uma simples, ou não, rocha gigante. Comecei a contornar sua borda ainda com os pés descalços, que já estavam imundos e enlameados. De repente uma cratera de um pouco mais de um metro se abriu do nada, pequenos pontos de reflexo coloridos radiavam da abertura, o frescor do ar que saía dali me deixou curioso. Ajoelhei-me sob a fenda e entrei somente com a cabeça, para checar se não havia morcegos, esqueletos e estas coisas horripilantes que "frequentam" este tipo de lugar. O ambiente não aparentava perigo, meus olhos brilharam, milhões e milhões de cristais cobriam as paredes, mas não seriam tão belos se não por possuírem todas as cores presentes no arco-íris. Aquilo era de longe, ou se não, a coisa mais bela e
maravilhosa que eu já vi na vida, e agora entendia de onde toda a energia surgia. Entrei com todo o corpo para aquilo que aparentava ser uma caverna, e não uma simples rocha abobada. Ao meio da caverna um circulo enorme formado por cristais, no seu centro um pedestal com um cristal mega-gigante e totalmente translucido, acima dele um fio de luz solar que saia do teto da caverna, fazendo o cristal funcionar como uma espécie de globo de espelhos, como o usado em festas. Fazendo uma fusão de cores e formas por todo o espaço. O pedestal que segurava o cristal possuía quatro cores, azul, laranja, verde e branco, com algumas escrituras estranhas, como os dos livros de Tolkien. Aproximei-me do monumento, e adentrei o circulo. Minha visão sumiu em um flash de luz, fortes dores dominaram meu corpo, até que não aguentei mais e desmaiei.  

A CAVERNA DOS CRISTAIS | Os Elementais - Livro 1Where stories live. Discover now