Cinzas do meu cigarro. #Wattys2017

Latim.

Ele percebeu que eu olhei o que havia dentro de sua mochila, e a deixou longe de mim.
Quando a aula acabou, eu guardava as minhas coisas, quando ele disse:
- Não conte para ninguém sobre o que você viu. Por favor.

Concordei com a cabeça e não perguntei nada para ele.
Não sabia se os cigarros eram dele. Mas, o melhor era esquecer daquele detalhe.
Só daquele. Porque os outros detalhes, eu já havia guardado.

Depois do fim da aula de artes, finalmente pude voltar para o meu quarto.
Natália estava fazendo as unhas de Alice, enquanto as duas estavam na minha cama, porque a de Alice estava bagunçada, cheia de livros. Comecei a arruma-los na prateleira.
- Sophie, deixa que eu arrumo isso...
- Olhe para a cara de concentração da Natália. Não precisa, eu faço isso. Não quero que estrague suas unhas depois.
- Está bem, obrigada por ajudar...
- Alice, porque ultimamente você tem falado assim... Deixando as coisas no ar... - Disse Natália.
- É o meu jeito. E é bem divertido quando o vento responde...

Houve uma batida na porta.
- Eu vejo quem é. - Eu disse.

Era ele. Com a mochila em apenas um ombro, o cabelo desarrumado e o meu livro de Latim na mão, estendido para mim.

- Oi, você esqueceu isso.

Ambas, Alice e Natália, viraram a cabeça para a porta depois que ouviram a voz dele.

- Ah, O-obrigada... Como você..
- Olhei seu nome na etiqueta e fui na secretaria ver qual era o seu quarto, Sophie. Claro que eu poderia ter apenas deixado nos achados e perdidos, mas qual seria a graça? - Tenho que ir, se me pegarem na ala feminina, eu ganho suspensão.
Ele sorriu enquanto eu pegava o livro e ele ia embora.

- Meu. Deus. Do. Céu. - Disse Natália. "Ah, pronto." pensei. "Agora em 3... 2..." - Sophie!!! Ele é muito lindo! Certeza que ele que gritou com você Alice!? Ele parecia tão simpático!
- Né? Nem parece o mesmo cara!
- Sophie. Festa do Rodrigo. Ele. Mais. Você. Pronto!!!
- Vocês duas estão de brincadeira comigo? Eu nem sei o nome dele! Ah... E... - Perdi a fala. Isso nunca acontecia. As vezes.

Alice e Natália se entre olharam, e eu soube o que elas irão tentar fazer.
Só que elas não sabiam o mesmo que eu.
Não tinham visto a caixa de cigarros na mochila dele. Eu tinha visto.

- Ainda tenho a sensação que vocês duas vão me colocar em um problema. Enfim, vou fazer a tarefa de artes que ganho mais.

Eu estava de costas e não vi quem jogou um travesseiro em mim. E as duas apontavam uma para a outra e falaram ao mesmo tempo:
- FOI ELA!!!

Dei risada. Eu não sabia como, mas sentia que a aquelas duas ainda me fariam rir muito.

- Hãn, Natália, posso fazer uma pergunta indiscreta? - Falei, enquanto pegava o caderno.
- Fique a vontade, Querida.
- Eu só queria saber porque você não tem uma colega de quarto assim como todo mundo.
- A-ah... Eu não sei, devo ter sido um número ímpar de meninas, então... Eu sobrei. Eu acho.
- Ainda estamos no começo do ano gente - Disse Alice. - Quem sabe, uma aluna nova não chega?
- É verdade. Ainda estamos só no começo. In initium.
- Olha, a aula até que rendeu hoje, não é, Sophie? - Disse Natália.
- É, deu para aprender umas coisinhas e relembrar outras.
- Podemos focar em um outro assunto agora? Eu queria contar uma coisa que aconteceu hoje... - Disse Alice.
- Claro, fala. - Eu disse.
- Hoje na aula de vôlei, fomos para o campo aberto para treinar, porque o ginásio já estava ocupado com o clube de teatro. - Ela falava sobre isso de uma forma tão feliz, eu sabia que ela estava nas nuvens. - E eu vi que o Rodrigo estava jogando futebol, e ele meio que me "flagrou" olhando pra ele, não sei se ele chegou a me olhar de volta depois disso mas quando eu estava indo para o vestiário ele me chamou e... - Ela deu uma pausa dramática.
- Para de enrolar apaixonadinha, fala pra mim, o que houve!?!?! - Disse Natália.
- Tá, ele pediu pra sair comigo.

Natália deu um daqueles gritinhos bem agudos e eu fiquei feliz.

- Quando? Aonde? - Perguntei.
- Ele disse que queria ir no cinema.
- Nota sobre ele, ele adora filmes de terror - Disse Natália.
- Jura?! Ai meu Deus que bom. Porque eu ia ficar super sem graça se fosse algum romance bobo, ou outra coisa.
- Finja que está com medo no meio. Se faça de delicada. E, O cinema é frio, mas vá de meia calça porque...
- Sophie, você entende das coisas, né? - Disse Natália, me cortando entre uma gargalhada e outra.
Fiquei com vergonha, nostalgia e saudades.
Eu entendi o que ela queria dizer.

Claro, eu já havia gostado de alguém antes. Já sabia como as coisas funcionavam, mas...  Não contei para elas.
Não sabiam que aquela era a parte do meu passado, que me havia feito mudar de escola.
Meu primeiro namorado, se matou.

Ele era dois anos mais velho, e depois que seus pais, e sua irmã, se foram num acidente de carro, ele entrou em depressão profunda.
Disse que não queria que eu visse ele sofrer assim.
Não sei se ainda superei.
Já faz uns meses.

Chorei litros de lágrimas e fiquei triste por um tempo, mas, por incrível que pareça, eu ainda estou aqui apesar da dor.

- Gente, eu vou dar uma volta. - Eu disse, enquanto saía pela porta do quarto.

Os alunos estavam em aula, ou estavam nos seus dormitórios. E eu, não tinha mais aulas naquele dia.
Comecei a andar pelo pátio, entrar e sair de corredores, e acabei encontrando algo.
A escola tinha um jardim.
Do tamanho de uma quadra, mais ou menos.
Enquanto eu caminhava passando as mãos pelas flores de Dálias em tom de lilás e outras em azul, comecei a sentir gotas de água na minha mão, e na minha cabeça.
Eu devia ter saído dalí. Qualquer um teria saído dalí.

Mas eu amava o barulho da chuva.

E não existia sensação melhor do que levantar o rosto em direção ao céu, com os olhos fechados, e sentir a água molhando meu cabelo, meu corpo, e minha roupa.

Não sei quando tempo fiquei alí.
Rindo sem motivo, mas me sentindo como no tempo em que eu era criança.

Minha memória era vaga, mas me lembro de brincar na chuva.

Anos depois, quem diria que eu ainda  acharia conforto nela novamente?