Em casa por uma semana.

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Porque as coisas não podiam ser um pouco mais simples comigo?
Fazia um dia que tínhamos voltado da chácara.

Eu não queria nem imaginar a dor de Natália agora.
A escola cancelou as aulas por uma semana, meu pai ficou sabendo do acontecimento e disse que eu deveria ficar aquela semana em casa. Parecia até castigo.
Uma semana.
Sete dias.
Uma eternidade longe das minhas amigas.

Estava chovendo muito forte, e eu quis ficar encostada na janela, pra minha cabeça competir com o barulho lá fora.

Assaltaram a chácara.
Bianca levou um tiro.

Rafael era o único que estava acordado porque estava fumando, Natália tinha dormido num sofá da sala, e eu em outro.
Os casais estavam em seus quartos fazendo você-sabe-o-que.

Todos se assutaram.

Um computador caro, do pai do Lucas e algumas outras coisas sumiram.
Parece que Bianca ainda estava acordada e levou um tiro na cozinha...
Eu estava tão perto.
Natália também.
Mas só porque ela estava acordada...

Rafael deu depoimento para a polícia. Ele apanhou dos assaltantes e levou um tiro na canela.
O tiro que Bianca levou foi na cabeça.
Rafael estava vivo mas Bianca morreu.
Eu ouvi dois tiros. Mas o mais baixo pensei que era sonho, mas quando atiraram na Bianca perto de mim eu me assustei, mas fiquei com medo abrir os olhos e de me levantar.

Eu poderia ir visitar o hospital, certo?

Não era muito perto de casa mas...

Peguei um dos tênis que estavam perto da minha cama e os calcei, saí do meu quarto, prendi meu cabelo em um coque, e corri descendo as escadas para o quarto do meu irmão (Que ficacava no porão), abri a porta e vi que ele estava assitindo um filme.

- Preciso de dinheiro... Porque... Eu... - Disse com falta de ar - Tenho que...
- Vai sair?
-... Vou.
- Vai fazer algo que eu devo me preocupar?
- Não.
- Minha carteira está ali na estante. Não roube muito!

Fui até a estante alta, fiquei na ponta dos pés, e peguei a carteira dele. Vi identidade, cupões, cartões... E finalmente dinheiro. Peguei uma nota de cinquenta e fui em direção a porta.

- Ei, ei, ei. Pode parar.
- O que foi? - Eu perguntei.
- O que foi?. Você está de regata! - Ele abriu o armário e me jogou um moletom preto, com alguma logo verde - Não vou nem falar do shorts.

Qual é, estava calor. E eu estava de shorts vinho, sim. Vesti o moletom dele e saí para o ponto de táxi.

Quando entrei no carro vi que o taxista era um senhor de idade, e perguntou para onde era o meu destino. Eu disse o nome do hospital para ele.

No caminho ele me ofereceu uma bala mas eu neguei.
Eu não estava com fome.

Meu deus!
Eu tinha acabado de pegar um táxi para sair de casa, e ir ao hospital visitar ele. Meu pai sabia que eu ao menos saí do meu quarto?

O que eu faria quando chegasse na recepção do hospital?
Eu nem sabia o sobrenome dele!
No meio do caminho me lembrei da enfermeira Geovana.
Acho que ela poderia me ajudar...

- 16,50.

O motorista disse ao chegarmos na porta do hospital.
Eu peguei o dinheiro no meu bolso e entreguei a ele.

- Vai visitar alguém? - Ele me perguntou.

Fiz que sim com a cabeça e peguei o meu troco, que ele estendia com a mão esquerda.

- Espero que essa pessoa fique bem.
- Eu também - Disse baixo, e não tinha certeza se ele ouviu.

Desci do carro e andei até a porta do hospital. Abri aquelas enormes portas de vidro na minha frente, e me dirigi para a direção do balcão da recepção.

- Como posso ajudar, querida?

Ainda bem, era ela.

- Oi Geovana. Não sei se lembra de mim, mas nome é Sophie e preciso de ajuda.

Ela tirou os olhos do papel, olhou nos meus olhos e sorriu.

- Como posso ajudar?
- Preciso que me diga como uma pessoa está. É um garoto, menor de idade, por enquanto, que foi internado aqui ontem.
- Sabe o nome dele?
- Não sei o sobrenome. Mas ele - Me apoiei no balcão - Foi internado aqui porque levou um tiro na perna.
- Ontem teve uma troca de tiro no centro da cidade, e nove pessoas ficaram internadas, querida. Sabe ao menos o primeiro nome dele?
- Rafael.

Ela começa a digitar no computador, e quando acaba, vira a tela para mim.

- Rafael... 17 anos, estudante. É esse aqui?
- É sim.
- O horário de vista acaba em vinte minutos. Venha, eu posso te levar até o quarto que ele está.

Entramos no elevador e ela disse;
- Eu sei que está preocupada, mas ele está se recuperando da cirurgia de remoção da bala, todos os dados dele estavam no computador. Tenha calma.
- Estou tentando...
- Ah - Ela disse animada - Me conta, vocês estudam juntos?
- Sim. Eu, ele e mais um grupo de amigos viajamos juntos aí ele...

Droga meus olhos estavam lacrimejando.

- Ah menina, está tudo bem. Ele já está bem -

Geovana era uma pessoa que passava segurança
Era uma boa enfermeira.

- Sophie, não é?
- Isso.
- A sala é a segunda a direita, agora tenho que ir para a área pediatra. Te vejo mais tarde.

Abri a porta. Eu estava com o cabelo ainda preso, molhado com gotas de água escorrendo por mim.

Como ele estava?
Do único jeito que eu sabia ver ele.
O cabelo meio bagunçado, olhos que brilhavam, um sorriso no canto da boca.

Sentei na cadeira que estava do lado da cama dele olhando para baixo.

- Oi. - Ele disse.
- Oi.

- Você podia ter morrido... - Eu disse.
- Não morri.
- Mas olha pra você! Está machucado!
- Mas eu estou vivo, caramba!

Me levantei da cadeira e olhei pra ele naquela maca, enquanto eu soluçava de choro.
Ele se sentou e me encarou por um tempo.

- O horário de visita vai acabar. - Eu disse engolindo o choro. - Melhor eu ir embora.
- Você veio sozinha até aqui?
- Sim.
- Por que?
- Porque eu queria ver você... - E saí daquele quarto de hospital.

Por que Rafael foi grosso comigo?
Eu só estava preocupada com ele.

Vi um homem e uma mulher irem em direção ao quarto dele.
Provavelmente eram os pais dele.

Eu cheguei ao final do corredor, entrei no elevador com algumas  pessoas e vi um menininho segurando um leaozinho de pelúcia.
Ele abraçou o bicinho e olhou para mim.

- Oi moça. - Ele usava pijama, tinha cabelos loiros, olhos escuros e segurava o leaozinho com força. - Meu nome é Henrique!
- Oi.
- Você ta doente?
- Não, eu vim visitar um amigo. E você?
- A tia Júlia disse que eu to doente. Ela é minha enfermeira.
- Você vai melhorar, tenho certeza.
- Ela também me falou isso. Disse que eu posso ir morar no céu. Mas como eu to dodói, antes eu vou raspar o meu cabelo, e eu ganhei esse leão porque ela disse que sou corajoso.

- Eu também acho que você é bastante corajoso.

E o elevador chegou e parou em um andar que ainda não era o térreo.
Ele deu a mão para uma enfermeira e saiu do elevador.

- Até mais, moça!
- Até mais...

Ele não devia ter ao menos cinco anos...
Eu... Me senti péssima.
Ele parecia tão feliz...
É claro que ele estava.
Quando a gente é criança, não entende ainda o que é morar no céu.
Mas quando a gente cresce mais um pouquinho e descobre que não um dia as pessoas morrem... A coisas mudam.

As pessoas parecem mudar.
Mas não.
As pessoas não mudam, elas aprendem.

Cinzas do meu cigarro. #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora