"Não tenha medo."

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[Este capítulo é escrito pelo ponto de vista do fumante. 🚬]

Sophie tinha ido para casa á uma hora. Eu deixei ela no corredor, em direção ao quarto dela.

Mais cedo, ela me viu fumar. Parecia que ela queria também.
É fácil de reconhecer um dependente químico, mas até onde eu sabia, ela nunca teve experiências com drogas.
Ela ficava com água na boca quando olhava pro cigarro, e tentava disfarçar.

Tem gente que sente nojo do cheiro, mas ela não. Ela aparentava sentir curiosidade, talvez.

Quando ela provavelmente já deveria estar chegando na casa dela, fui para o meu quarto.

- Ah, ele tá aí. - Ouvi Lucas dizer quando eu passei pela porta.
- Mano, temos uma boa e uma ótima notícia. E a ordem vai ser essa mesmo, primeiro a boa e depois a notícia ótima. - Disse Rodrigo.
- Fala. - Disse quase sem emoção.
- Que isso? Você está chateado agora? - Lucas perguntou. - Ah, já até sei porque. Ou melhor, por quem.
- Cala a boca. Não tem razão para eu ficar chateado...
- Queria ficar mais com a Sophie, né? - Ele diz rindo.
- Vai se foder, cara. - Eu digo.
- É, ele queria. Aposto que sim. - Fala Rodrigo. - Relaxa então, seu idiota. Semana que vem é feriado e não terá aula. Agora a notícia ótima: O pai do Lucas comprou uma chácara. Piscina, ar condicionado, WiFi... A porra toda é dele! A melhor parte? É que lá tem quatro quartos. 1° Eu e Alice, 2° Natália e a namorada dela, 3° O Lucas e a Larissa e, ah olha só que coisa maravilhosa... A Sophie no seu quarto.
- Vocês acham mesmo que eu vou viajar com vocês?
- Velho, que parte de "Sophie no seu quarto" você ainda não entendeu? - Lucas perguntou.
- Eu vou. Se...
- Se o que?
- Se alguém me comprar um esqueiro novo. Acho que perdi o meu, sei lá.

Lucas era um babaca que só pensava em sexo. Larissa não sabia, e eu não pretendia contar, que ele só namorava com ela porque queria alguém para transar.
Rodrigo e Alice se gostavam, amavam, sei lá.
Eles diziam que eu queria ficar com a Sophie. Talvez fosse verdade. Mas eu não queria ela por puro desejo, como Lucas queria a Larissa. Eu também não queria me passar por perfeito e nunca discordar de nada, assim como o Rodrigo fazia com Alice.
Eu só queria ter as minhas opiniões e respeitar as dela.
Mas eu odiava quando eu me aproximava, e ela parecia sentir medo.
Eu odiava mesmo aquilo.
Se eu encostasse nela, por mais que fosse um acidente, ela ficava um pouco mais longe de mim e evitava me olhar nos olhos.

Ela não sabia de nada que eu tinha feito, e sentia medo de mim.
Queria dizer que eu não iria fazer nada de ruim. Não para ela.

Esse pequeno pavor que ela tinha pelo meu toque, me desapontava e me deixava bravo.
Não era culpa dela. Mas... Não queria que ela tivesse medo.

- Você está precisando, cara. A quanto tempo você não dorme com alguém? - Lucas disse rindo para mim.
- Não sei, Lucas, a quanto tempo você não ama alguém?
- Qual é... A Larissa sabe que não temos nada demais...
- Isso daí, de não assumir, e medo de traição, meu amigo. - O Rodrigo falou. - Falta de confiança nela. Se ela ficar com outro cara, você pode simplesmente dizer que não estava com ela.
- Ah, olha só pra Sophie cara. Ela tá aí, de boa. Mas o Doutor cigarro aqui não pode facilitar as coisas e dormir com ela. Nãaao, ele tem que deixar ela no canto dela. - Lucas ignorou o Rodrigo e falou para mim.
- Do que você ta falando? - Eu perguntei.
- Todo mundo vai ter um par lá. E você vai estar sozinho com ela. Se ela não colaborar em dormir com você, é só obrigar ela. Se é que me entende...

Lucas caiu no chão com o soco que eu dei no maxilar dele, seu lábio inferior estava sangrando e ele se apoiava no chão com um braço só.

- Você está insinuando o que? Para eu estuprar ela? VOCÊ É DOENTE?

Peguei uma caixa de cigarros nova, ainda fechada e fui procurar por um esqueiro. Precisava acabar com aquele maço ainda hoje, e não queria voltar pro meu quarto tão cedo.

Eu estava na saída do estacionamento, quando fui tirar o casaco da cinutura, ele caiu no chão junto com meus cigarros. Eu peguei a caixa primeiro, e quando eu fui pegar o casaco, ele já estava nas mãos de outra pessoa.
Sophie.

Ela tinha lágrimas nos olhos e estava tremendo de frio, porque só estava de shorts jeans e uma regata azul claro.
Ela estendia o casaco na minha direção e o vento atrapalhava o cabelo dela.
Mesmo que ela estivesse triste, e morrendo de frio, ela ainda tentou dar um sorriso.

Não peguei o casaco e disse:

- Pega, você esta precisando dele mais que eu.
- Aonde v-você vai?
- Não quero dormir ainda. Queria dar uma volta. O que está fazendo aqui?

Ela vestiu o meu casaco, enchugou uma lágrima e me fez uma pergunta:

- Me faz companhia?

Ela disse do mesmo jeito que eu havia perguntado pra ela antes. Começou a ventar mais forte e eu perguntei:

- Você não ía dormir em casa?

Ela negou com a cabeça, e se segurou no casaco, tentando parar de chorar na minha frente.

- Aonde quer ir? - Eu perguntei a ela.
- Tanto faz. Não quero ver meu... Pai, não ainda.

Eu não sabia o que tinha acontecido com ela, mas eu queria ajudar.
Estávamos quase indo atravesar a rua enquanto um carro estava vindo.
Puxei ela de volta para a calçada pela cintura e disse:

- Sophie, você tem que prestar atenção.

Ela não disse nada. E eu não tinha percebido que por causa do susto, ela estava me abraçando, com a cabeça apoiada no meu peito.
Ela estava muito assustada, mas não era minha culpa.
Ela estava cansada, mas não queria me soltar.
Pela primeira vez, ela não teve medo do meu toque.

A rua estava cheia de pessoas, andando de um lado pro outro. Falando no telefone, conversando umas com as outras.
Mas eu não estava nem aí, porque aquela menina que estava triste e assustada, se sentiu segura comigo, e saber disso, me dava um conforto que nenhuma daquelas outras pessoas poderia dar.

- Não tenha medo. - Eu disse, abraçando ela de volta. - Você sabe que não precisa ter.

Cinzas do meu cigarro. #Wattys2017Onde histórias criam vida. Descubra agora