Quando meu irmão bate à porta do meu quarto pela terceira vez naquela noite, já
estou sem desculpas para enrolar mais. Não tenho escolha a não ser descer a escada e encarar a multidão de pessoas que se juntaram para o meu aniversário de dezesseis anos. Eu já estava ouvindo o burburinho e rezando para a minha mãe ter ficado tão ocupada planejando a festa que nem se lembrasse da minha presença como um elemento obrigatório.
Não estou usando a roupa que ela escolheu para mim. Era “menininha” demais. Ela sabia muito bem que não adiantava nada comprar um vestido cor-de-rosa, mas a saia azul tinha umas flores brancas meio havaianas e uns babados assimétricos. E ela comprou sapatos de salto para mim.Vou com o vestido ou com o sapato de salto, mas usar os dois, nem pensar. Não estou a fim
de encarar uma discussão gigante, então espero que ela se conforme com o fato de que pelo menos eu não estou usando meia-arrastão e que aqueles sapatos de salto brancos e ridículos combinam com meu vestido de verão de marinheira. Eu morro um pouco por dentro enquanto afivelo as tiras ao redor dos meus tornozelos.
Faço uma análise do resultado no espelho. O sapato de salto acaba com o lado irônico e rebelde do meu vestido de marinheira e faz parecer que eu realmente me levo a sério. Parece que estou incorporando um catálogo da Ralph Lauren. Daqueles que têm cavalos de jogo de polo e iates. Desfaço o rabo de cavalo e penteio o cabelo, para tentar tirar a marca do elástico, e agora meu cabelo cai pelos meus ombros como se fossem moitas gigantes e horrorosas. Eu nunca uso o cabelo solto porque eu odeio meu cabelo. Não tem formato, nem cor definida, nem cachos.
Pisco para mim mesma no espelho. Falo com um sotaque bem ridículo, do interior:
— Ô, minina, mas que vistido horroroso, né! E então, em um estilo digno de mano:
— Meu, que salto ridículo, mina! Apesar de geralmente preferir tirar sarro de outras pessoas, não é que essas vozes me fizeram sentir melhor de verdade?! Suspiro e mostro o dedo médio para mim mesma pelo espelho, e então decido que é agora ou nunca. E como “nunca” me deixará de castigo, agora é hora de ceder.Abro a porta para ver meu irmão me esperando no corredor, o celular grudado à orelha. Acho
que ele está falando com sua namorada-de-longa-distância. Não sei por que ela ainda não deu um pé na bunda dele, já que ele desistiu da faculdade e mora a algumas centenas de quilômetros dela.Além disso, meu irmão não é muito bonito, se você quer saber. Ele tem o mesmo cabelo
castanho médio que eu, ou seja, nada de especial. Minha mãe tem um cabelo castanho-escuro lindo, e a gente acabou ganhando um tom entre o dela e uma cor loira, que é totalmente sem graça. Ele agora está com esse corte de falso moicano. O nariz dele era retinho, como o meu, mas agora tem uma bolinha na ponta, à la Owen Wilson, porque ele tomou uma bolada na cara em um jogo de futebol, ou pelo menos é isso o que ele diz. Eu ainda acho que é uma desculpinha por ter levado um soco ao tentar roubar a namorada de outro cara.
Nós dois temos lábios meio finos (droga!) e, mesmo se eu passar um quilo de gloss, os meus ainda não parecerão nem um pouco beijáveis.
Nós dois também temos o peito reto. Acho que ganho dele com um centímetro e meio a mais nesse departamento. Totalmente patético!
— A mãe falou que se eu conseguir fazer com que você desça agora, poderei usar a caminhonete amanhã.
— Você diz isso para me servir de estímulo?
Ele deixa a cabeça cair de lado e me lança aquele olhar de “bem que eu queria ser filho único”.
— Ela não vai deixar você ignorar a festa inteira, então vá lá para baixo e poupe todo mundo de mais uma dor de cabeça, tá?
—Argh!— Olho para cima e passo pisando firme pelo meu irmão, indo para o corredor e escada abaixo, rumo à sala de estar. Quando me vejo de pé no jardim, sinto-me como se tivesse saído de casa e entrado em um filme da Selena Gomez. Nem consigo reconhecer o lugar. Em um dia normal, nossa indescritível casa fica empoleirada no meio de um terreno grande de esquina, o gramado verde perfeito emoldurado por uma cerca alta de cedros.
Hoje, no entanto, em vez da vastidão gramada e vazia, há uma tenda enorme lá no meio, com fios cheios de luzinhas cor-de-rosa e brancas penduradas entre a tenda e a casa. Há flores cor- de-rosa pendentes da cerca de cedros e um tipo de fonte de ponche perto da porta, já bombeando litros e litros de um líquido também cor-de-rosa. Confetes cor-de-rosa e branco decoram as mesas.Um DJ está tocando música pop muito, muito ruim sob a tenda, e tem uma luz
estroboscópica e um globo espelhado piscando no chão vazio. Mesas redondas, cercadas por cadeiras brancas de dobrar, espalham-se por toda parte, cada uma com um arranjo floral... cor-de- rosa, lógico.
Minha mãe é uma daquelas mulheres megafemininas, que amam cor-de-rosa. Depois que o meu pai saiu de casa, ela reformou totalmente a suíte colocando papel de parede cor-de-rosa, com um monte de almofadas e travesseiros brancos e cor-de-rosa sobre o edredom xadrez cor-de- rosa e amarelo.
Em outras palavras, a gente não se entende. Nem um pouco.
Ela já me falou umas cem vezes como nunca teve uma festa de aniversário de dezesseis anos. E agora eu acho que, se ela tivesse tido uma festa, seria exatamente assim.
Fico me perguntando a quantos episódios de Sweet Sixteen ela assistiu para conseguir montar tudo isso.
Sério. Isso aqui é meio... exagerado, mesmo para a minha mãe.É tipo High school musical.A versão pré-fabricada de uma festa de dezesseis anos. Basta adicionar água. E, é claro, uma aniversariante que trabalhe para a Disney, não essa plantada no jardim agora mesmo, encarando o DJ de meia-idade.
— O que você achou, querida? — pergunta minha mãe, aparecendo ao meu lado de repente, como um mágico, mas sem a nuvem de fumaça. Minha mãe normalmente planeja bar- mitzvás e eventos empresariais. Ficou claro que essa festa está bem fora da zona de conforto dela, e, pela tensão em sua voz, ela também sabe disso.
— Bom, você sabe que nunca planejei uma festa de aniversário de dezesseis anos antes, então vai ter de me desculpar se nem todos os detalhes estão certinhos. Mas me avise e pode deixar que arrumo tudo o que puder, combinado?
Credo. Quanto mais ela tenta, mais sem graça eu fico. Pisco algumas vezes e fico olhando para o jardim. Ou para aquilo que era o jardim. Tem convidado para tudo quanto é canto, mas só reconheço uns gatos pingados. Começo a pensar que minha mãe colocou alguma coisa do tipo A garota de rosa-shocking nos convites, porque está rolando uma modinha cor-de-rosa acima da média entre os convidados.
— Ah, tá, hum... ótimo. — Eu mordo o lábio. Tenho certeza de que nem conheço algumas pessoas.
— Quem é aquele ali? — pergunto, apontando com a cabeça para um cara alto de terno com uma gravata rosa-shocking e um lencinho combinando, gritando de dentro do bolso. Ele está usando óculos de aro grosso, e seu cabelo grisalho está penteado para trás de um jeito nada fashion. Os acessórios cor-de-rosa deixam o cara ainda mais engraçado. Ele não parece estar pronto para cair numa festa, mas para negociar uma porcentagem melhor para pagar o financiamento de sua casa.
— Ah, eu convidei alguns clientes. Esse mercado de festas de aniversário de dezesseis anos é gigante, e eu acho que posso fazer meu nome planejando esse tipo de coisa também, sabe? Você não se importa, né?
— Seus olhos se atiram para os meus em busca de aprovação.
— Eu só achei que, já que daria um festão mesmo, podia matar dois coelhos com uma cajadada só. Meu coração murcha. É tudo para o negócio dela.
Nas últimas semanas, eu bem que tentei convencê-la a cancelar tudo e simplesmente ir jantar no Red Robin, mas ela insistiu de um jeito muito suspeito. E agora tudo faz sentido. Entendi o porquê de ela precisar fazer esse evento. Para ela, só existem no mundo aquela porcaria de agenda e o BlackBerry idiota.
Antigamente, eu não me importava de ela estar tão envolvida com o trabalho. Se o telefone tocava enquanto a gente jantava, eu nem fazia cara feia quando ela atendia — apesar de não me deixar atender o meu celular à mesa, nem o meu irmão. Acontece que, como meu pai tinha sumido por um tempo, ela ficou acabada, e se arrastou pela casa por meses a fio. Então ela se jogou com tudo na criação desse negócio para conseguir mandar de volta os cheques de pensão alimentícia do meu pai com um “recusado” bem grande rabiscado no envelope. Na primeira vez em que ela conseguiu fazer isso, a gente saiu para comemorar.
Mas isso já faz anos, e agora nada nunca é bom o bastante. Se ela vender o peixe em um evento, então tem de planejar mais outro, e mais um, até que todo dia da semana se resuma a uma correria total. A geladeira está cheia de sobras de pizza e comida chinesa que a gente pede, e ela mal dorme em sua cama. Acho que ela nem teve tempo para relaxar naquela jacuzzi gigante, que ela viu numa revista de decoração e mandou instalar na suíte.
Eu só dou de ombros, engolindo as palavras que queria dizer. Não vale a pena brigar com ela. Eu só preciso sobreviver a essa noite e fingir que essa festa ridícula nunca aconteceu. Em uma hora, a Nicole estará aqui e poderemos nos divertir.
— Tudo bem.
Ou, pelo menos... estava tudo bem. Até eu ver uma mulher magrela e baixinha vindo em minha direção, com um sorriso no rosto de cegar qualquer um. Ela está usando uma calça cáqui impecável e uma blusa com estampa rosa-shocking, o cabelo com um penteado que deve ter exigido pelo menos meio litro de laquê. Ela ainda está a uns bons dez metros de distância, mas já abre os braços para abraçar minha mãe.
Mas não é a mulher que me preocupa. É a menina atrás dela, de braços cruzados e com os sapatos pretos de amarrar na canela com os saltos afundando na grama. Ela não está usando nada cor-de-rosa, só uma blusa frente única preta e um jeans caro e com modelagem perfeita.
Eu engulo em seco, tentando manter a calma enquanto a ameaça à minha existência olha para cima e para os meus olhos.
Ela demora um pouco para perceber que sou eu no jardim, mas, quando cai a ficha, sua cara feia se transforma em surpresa... E, depois, em satisfação. Estou tão ferrada.
Minha mãe sorri ao ver a mulher.
— Jean! Que ótimo que você pôde vir.
A mulher dá aqueles beijinhos no ar esquisitos ao cumprimentar minha mãe, como se estivesse na França ou sei lá onde, e minha mãe fica esperta e não perde a pose.
— Mas é claro! E que festa maravilhosa, linda! Maravilhosa. Mas acho que vamos precisar de mais flores para a festa da Janae. E comentávamos agora mesmo que a fonte de ponche está um pouco... fora de moda.
Ai, meu Deus. Elas estão criticando a minha festa. Janae está ao lado da mãe, os lábios tremendo como se ela não conseguisse acreditar como tem sorte de estar aqui, de me ver nesse vestido de menininha e de acabar com a minha tigela de ponche... quero dizer, com a minha fonte.Minha mãe está fazendo que sim com a cabeça, como se concordasse que aquilo estava fora
de moda mesmo. Mas eu sei que ela própria escolheu aquele troço, porque a ouvi falando sobre isso ao telefone.
— Sim, a Kayla quis a fonte. Você sabe como são as meninas hoje em dia, né?
Meu queixo cai, mas minha mãe nem percebe, pois já se esqueceu de mim, de braço dado com a Jean.
— A gente pode conversar sobre detalhes mais específicos depois. Vocês vão ficar um pouco? Eu queria discutir os tipos de tema que poderíamos usar na festa da Janae. Ouvi dizer que uma festa tipo “Crepúsculo” está super em alta. Poderíamos fazer alguma coisa com vampiros. Engulo em seco de novo. Ela tem de estar de brincadeira comigo. Janae dá um passo em minha direção.
— Ah, claro, vampiros. Que sexy.
Minha mãe sorri, não se ligando nem um pouco no tom sarcástico da voz da Janae.
Cadê a Nicole? Olho de relance para o meu relógio. Ela prometeu que chegaria uma hora atrasada, no máximo. Isso quer dizer que tenho mais dezesseis minutos pela frente antes de ela aparecer. Eu consigo sobreviver a isso tudo, certo?
Eu preciso voltar correndo para o meu quarto e colocar uma calça jeans imediatamente para ao menos me sentir normal. Ficar plantada aqui com a Janae é como ficar esperando em um píer e só assistir enquanto uma onda tipo tsunami vem a toda velocidade. Você sabe que ela acabará com tudo, e não há nada que possa fazer, a não ser que um helicóptero mágico apareça para salvar você. E como helicópteros mágicos são tão prováveis quanto tirar um dez em Biologia e o Ben declarar seu amor por mim, minha perspectiva para esses próximos momentos é bem sombria.
— Vamos deixar as meninas conversarem, enquanto eu lhe mostro tudo. Assim, poderemos falar sobre as suas opções — convida minha mãe, jogando-me aos leões.
Eu fico assistindo as duas se misturarem à multidão, pensando quando exatamente perdi toda e qualquer esperança de me divertir nessa festa. Acho que foi em algum momento entre o terceiro ano na escola e cinco segundos atrás.
— Que festinha legal. Pena que perdi aquela brincadeira de colocar o rabo no burro. — Janae aponta para a tigela, ou melhor, fonte de ponche, e para as rosas também. — Mas isso aqui explica muita coisa.
Eu ranjo os dentes. Não adiantará nada dizer para ela que foi tudo ideia da minha mãe, porque aí parecerá que tenho doze anos de idade.
O mais bizarro é que eu já quis ser amiga da Janae. No ensino fundamental, ela era apenas uma menininha gente boa e normal. Uma vez, eu a vi no parquinho, tentando levar um filhote de passarinho caído no chão de volta para o ninho. Nós juntamos forças e ela distraiu o servente enquanto eu peguei “emprestado” um banquinho, depois saí correndo com ele. Fiquei segurando o banquinho bambo quando a Janae subiu nele para colocar o passarinho de volta no ninho, e então a gente se deu tapinhas nas costas por nossa dedicação ao bem-estar dos animais.
Por algum tempo as coisas foram diferentes do que são hoje. Nós fizemos um trabalho de soletração voluntariamente juntas e, um dia, ela até me convidou para me sentar com ela na hora do almoço. Mas, alguns dias depois, o ano escolar acabou e a gente nunca trocou telefone, e foi naquele verão que ela ficou peituda e insuportável. Eu acho que ela foi para a França, ou alguma coisa assim, o que explica o gosto da mãe dela por mandar beijinhos aéreos.
Tomo um gole da Coca Zero que estou praticamente amassando com o punho fechado. A gente está lá, lado a lado, eu quase sem respirar, e a Janae com uma mão apoiada na cintura. É neste momento em que o tsunami me engole de uma vez só.
— E aí, a sua única amiga não pôde vir? — Janae vira para mim e me mede de cima a baixo. A pontinha de sua boca treme um pouco, enquanto ela cruza os braços e apoia todo o peso do corpo em uma perna; a cabeça está virada para o lado.
Pela primeira vez na vida, não sei o que dizer. O sorriso dela se alarga quando percebe que o meu modo “resposta na ponta da língua” de sempre não está entrando em ação.
— Por que você tem de ser tão vaca? — silvo como uma cobra. Posso sentir meu rosto queimando, mas não estou nem aí.
Janae dá uma risadinha do alto do seu perfeito um metro e setenta e sete, altura de modelo. Ela está com um salto de vinte centímetros ou fui eu que encolhi?
— Prefiro ser uma vaca que um zero. Gigante. À esquerda. Pisco algumas vezes, mas mantenho a compostura. Pelo menos por fora.
— Minha mãe me arrastou para cá porque a sua mãe foi amiga dela na faculdade. É oficialmente culpa sua eu estar perdendo o jogo de futebol americano contra a Victor Falls. — Janae dá uma voltinha sobre seus saltos monstruosos e sai andando, jogando seu cabelo cor de mogno brilhante por cima do ombro enquanto anda em direção à multidão. Bom.
Se eu fosse uma pessoa do tipo “copo meio cheio”, eu poderia dizer que o que me anima no meu aniversário de dezesseis anos é que meu próximo aniversário tem de ser melhor.
Mas agora não estou vendo o copo nem meio vazio... Eu só quero quebrar essa porcaria de copo. E na cabecinha perfeita da Janae.