Eu perco o horário de almoço inteirinho para levar a Ann de volta para casa e passar
um sermão sobre como é melhor ficar quieta e não sair do lugar. Consigo voltar para a aula bem na hora em que o último sinal toca, e meu estômago ainda vazio ronca. A Ann já entrou para a lista das pessoas que não estou curtindo muito no momento.
Na aula de Fotografia, Nicole e eu combinamos de ir a uma loja de artigos para festas na cidade de Puyallup, que fica perto daqui, e eu a forço a dar uma passada na Wendy’s, no caminho, para pegar umas batatinhas e milk-shakes. Só depois de devorá-los consigo sentir que o mundo está de volta ao normal.
Quando a Nicole estaciona seu Cavalier no shopping, meu celular toca. É a minha mãe. Que estranho!
— Alô? — pergunto, enquanto saio do carro. Coloco o capuz do meu moletom verde-limão com zíper, enfiando meu cabelo castanho todo embaraçado lá dentro, pois começa a garoar.
— Kayla?
— Ah-hã.
— Você matou aula hoje? Meus olhos saltam para fora e olho para a Nicole.
— O que foi? — Ela fala sem produzir nenhum som. Eu faço que não com a cabeça, para que ela não fale nada.
— Hum, não. Eu cheguei meio atrasada, mas fui sim.
— Pois eu acabei de receber uma ligação do seu diretor, e ele tem outra opinião sobre isso.
— Eu juro, mãe, eu fui à escola hoje. Cheguei atrasada porque tropecei e caí em uma poça bem em frente à escola e tive de ir correndo para casa me trocar. Eu só perdi uma parte da aula, mas fui.
— Eu lhe dou liberdade porque confio em você, Kayla.
Que droga. Eu acabo dando risada, porque o que ela está dizendo é totalmente ridículo. Ela me dá liberdade porque prefere trabalhar a ficar comigo ou com o Chase. Percebo tarde demais o que fiz, e agora não tem volta.
— Você está rindo de quê?
— O quê?
— Você tem alguma coisa para me dizer? Só olho para cima.
— Não. Nada, mãe.
— Eu lhe dou tudo, Kayla. Eu trabalho o dia todo para a nossa família. Não se esqueça disso.
— Mãe, eu preciso ir. A gente se fala mais tarde — digo, desligando antes de me enrolar ainda mais.
Nicole está me esperando na área coberta da entrada do shopping, e dou uma corridinha até lá.
— O que aconteceu?
— Ela descobriu que eu faltei à aula hoje e queria me passar um sermão.
— Que saco!
— É. Ela tenta dar uma de “mãe do ano”. É irritante. Eu podia usar uma fantasia de galinha gigante todo dia para ir à escola e ela nem saberia se ninguém contasse.
Nicole faz que sim com a cabeça.
— Mande uma foto para o BlackBerry dela. Quem sabe ela presta atenção.
Eu sorrio. A Nicole entende perfeitamente como a minha família funciona e sempre me faz sentir melhor, mesmo que tudo seja uma droga e que a vida na casa dela seja perfeita. Ela me deixa reclamar uma hora inteira se eu precisar.
Mas hoje não quero pensar nisso. Entro com ela no shopping e passamos por todos os quiosques vendendo coisinhas inúteis e supercaras para, finalmente, chegarmos à loja de fantasias: o nosso destino.
Apesar de o Halloween só rolar daqui a um mês, a loja já está cheia de fantasias. Foices e capuzes assustadores, máscaras com a cara do presidente, umas fantasias de bruxa periguete... As possibilidades são infinitas.
— E se fôssemos de rainhas zumbis? — pergunto, ao pegar um potinho de tinta verde para o rosto. Com a outra mão, pego uns dentes de borracha, daqueles que fazem parecer que a boca inteira está apodrecendo. Seguro os dois ao lado do meu rosto e dou um sorrisinho brega de modelo em comercial de pasta de dente.
Nicole olha por cima do ombro e então faz que não está nem aí.
— Hum. Acho que pode dar certo.
Faço cara feia. Não é a animação que eu esperava.
Desde o ano passado planejamos chegar sem convite no Baile de Outono da escola, com uma roupa totalmente ridícula. Sabe, fomos pela primeira vez no ano passado, quando estávamos no nono ano, e achamos essa pagação de pau para a escola uma palhaçada. Tudo começa com uma apresentaçãozinha péssima dos times, quando as líderes de torcida e os jogadores de futebol americano desfilam como se fossem da família real. Mais tarde, eles são coroados de verdade como a rainha e o rei do baile, enquanto os súditos os adoram como deuses.
No ano passado, depois de um mês no nono ano, a Nicole e eu ainda não tínhamos nos ligado nesse rito de passagem tão arcaico. A gente achava que podia aparecer sem um par, divertir-se e tirar umas fotos legais juntas.
Mas, pelo jeito, não recebemos o e-mail que exigia que comparecêssemos em vestidos de estilistas famosos e de braços dados com meninos metidos em smokings da Calvin Klein. Tínhamos de ir com aquele buquezinho péssimo preso ao pulso 5 e com o cabelo arrumado no salão. Precisávamos chegar de limusine e gastar milhões de dólares num jantar.
Naquela noite, prometemos que, não importasse o que acontecesse — mesmo se nós duas estivéssemos namorando —, voltaríamos no próximo baile com uma fantasia bem idiota, para tirar uma com a cara deles. Sabíamos que, se estivéssemos namorando, os meninos seriam legais
o bastante para participar do nosso planinho.
— Acho que se a gente usar umas tiaras de princesa e tudo o mais, acabamos tirando sarro tanto do baile quanto da rainha do baile. Dois coelhos com uma só “tiarada”. Nicole faz que sim com a cabeça, pega uma tiara e a examina de perto.
— Não sei, não tenho certeza se isso aqui serve. — Ela coloca a tiara de volta no ganchinho. — A gente poderia dar uma olhada na outra loja de fantasias.
— Duvido que eles tenham mais coisas. Esse lugar aqui é gigante. Tem de ter alguma coisa legal. E se formos como bonecas gigantes? — pergunto, virando-me para olhar a Nicole. Ela está arregalando os olhos para uma fantasia de um casal: bacon com ovos.
— Quê?
— Tipo Boneca Trapinho e Boneco Trapinho. Eu tenho o vestido perfeito. Você pode ir vestida de boneco.
Ela faz bico e praticamente rosna.
— Nem pensar!
— Tá, tá. Você pode ser a boneca e eu vou de boneco.
— Estou falando de tudo isso — diz ela. Seu celular vibra e ela pega o telefone. Ela demora uns dezesseis segundos para mandar uma mensagem.
Imagino o tipo de mensagem que ela está enviando: “Ai, Ben, meu bem, já faz uma hora inteirinha que não toco no seu cabelo perfeito”.
Eu dou uma risadinha, ainda feliz por estar me divertindo, porque esta tarde está uma porcaria.
A Nicole não está mais a fim de ir fantasiada. Dá para perceber. Eu estou plantada aqui, só esperando que ela admita que vai me jogar para escanteio, junto das fantasias, para ir ao baile com o Ben, usando um vestido brilhante e sapatos de salto alto.
— Você ainda está a fim ou desistiu? Ela guarda o telefone com tudo.
— É claro que estou. Há um ano que a gente fala disso. Eu prometi que faria o que você quisesse depois de perder o seu aniversário, lembra? É que não tem nada legal aqui. Vamos tomar um suco. Tem um salão perto do Orange Julius que vende um spray fixador para cabelo. Ele é ativado pelo calor do secador.
A frase inteira só me faz querer olhar para cima, mas não faço isso. Simplesmente a sigo até a loja, meu coração afundando enquanto deixamos as fantasias para trás.
Talvez o meu trabalho de autorretrato para a aula de Fotografia deva ser a foto de um buraco enorme e vazio, porque é assim que eu me sinto.OBS: 5. Nos Estados Unidos, em festas tradicionais como a Festa da Primavera ou a Festa do Outono, e mesmo nas formaturas do colégio, é um costume que os garotos deem um arranjo de flores preso em um elástico à menina que será seu par na festa e que ela use o enfeite em seu pulso, como uma pulseira, durante a festa. (N.E.)