Capítulo 15

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Apesar de sonhar que Ann e o pônei tinham fugido para o México, acordo na manhã
de sexta com ela se apoiando na minha cama, encarando o meu rosto, seu nariz quase tocando o meu.Ela não se mexe nem quando abro os olhos. Simplesmente sorri de um jeito que me dá
arrepios, porque está a um centímetro do meu rosto.
— Eu achei que você não acordaria mais! — comenta, os olhos verdes brilhando e tão arregalados que os seus cílios grossos agora alcançam as sobrancelhas.
— Hum, é... Você pode chegar um pouco para trás?
— Estou surpresa por ela ainda estar viva depois de entrar em contato com o meu bafo matutino.
— Ah! — Ela se endireita e dá um passo para trás.
— Você não precisa dormir? — pergunto, sentando-me na cama e enrolando-me no cobertor. É esquisito e assustador ter uma estranha olhando para mim enquanto durmo. Mesmo que essa estranha tenha sido um dia a minha boneca predileta. Ou, talvez, principalmente por essa estranha já ter sido um dia a minha boneca predileta. Ela dá de ombros e se senta com tudo no chão. — Eu passei seis anos dormindo; estou pronta para uma aventura. Que ótimo. A Boneca Trapinho quer brincar de escoteira comigo. Algo me diz que ela não gostará muito se eu a enfiar de novo no guarda-roupa. Cruzo os braços e faço cara feia.
— Você e o pônei deveriam estar no México.
— Aquele pônei? — pergunta Ann, apontando para a janela.
Seguro a respiração e então me viro para olhar pela minha janela. Por favor, esteja errada. Não vejo o pônei desde que o Ben o trouxe de volta para a minha casa, e achava que era tudo culpa do meu portão deixado estrategicamente aberto. Nas últimas vinte e quatro horas havia me convencido de que ele já tinha ido para bem longe.
Mas não. Vejo o pônei pastando nas plantas da minha mãe. O que tenho de fazer agora? Será que a Sociedade Protetora dos Animais aceita pôneis? E pôneis rosa-shocking? Então, ouço alguém ligar a máquina de lavar.
Minha mãe está em casa. E o pônei também. Isso não é bom. — Você precisa esconder aquela coisa! Pulo da cama e corro para a porta.

— Saia pela janela do quarto, pendure-se na cerejeira para chegar até o chão e então leve o pônei para o quartinho no fundo do jardim, tá? Enquanto isso, eu distraio a minha mãe. Depois, entre no quarto pela janela de novo e espere aqui.
Quando estou prestes a sair do quarto, tropeço em alguma coisa e vou voando até a porta, caindo de boca no chão e esfolando meu queixo. Um chiclete de bolinha quica na parede. Malditos chicletes de bolinha! Eu vou… Pônei. O pônei é a prioridade agora. Levanto-me com muito custo e estou na metade do caminho até a porta, quando me viro e olho de novo para Ann. Ela já está com um pé para fora da janela, pisando no telhado, e o outro no chão acarpetado do meu quarto.
— Repito, você tem de voltar para cá. Minha mãe não pode ver você ou estarei ferrada! Desço as escadas correndo, de dois em dois degraus. Minha mãe está na área de serviço, que não tem janela, mas a qualquer momento entrará na cozinha para pegar um cafezinho. Ela olhará pela janela ao se servir de café e verá um pônei rosa-shocking brilhante. Com um sorvete de casquinha desenhado na bunda.
Posso fingir que não tenho nada a ver com o pônei, mas, se esse negócio dos desejos não parar rápido, essas coisas malucas continuarão acontecendo, e minha mãe perceberá que todas elas têm apenas uma coisa em comum: eu.
Vou escorregando de meia bem na hora em que minha mãe sai da área de serviço.
— Mãe! Que legal ver você! — exclamo, andando em sua direção. Fico do outro lado, para que ela tenha de ficar de costas para a janela.
— Bom dia — diz ela, com uma sobrancelha levantada. Eu acho que ela sabe que está rolando algo. Desde quando uma menina de dezesseis anos vai correndo para a cozinha falar com a mãe? — O que aconteceu com o seu queixo?
— Ahn? Ah, nada. — De repente, meu queixo começa a queimar, como uma grande letra escarlate (aquela do filme). Preciso disfarçar. Ponho uma mão na cintura e me apoio no balcão.
— Ah, então, eu estava pensando em tentar... — Minha voz some. Jogarsoftball? Até parece que ela vai acreditar. Fazer aula de teatro? Acho que não. — ... entrar na nossa equipe de debate na escola como líder.
Que ótimo, isso também não faz sentido algum.
Olho de leve por cima do ombro da minha mãe. Ann está correndo em direção ao pônei, que dá uma voltinha sobre os cascos e sai trotando pela grama, com um galhão das plantas da minha mãe na boca. O pônei dá um relincho fininho e some de vista; neste instante tenho um ataque de tosse, pois quis encobrir o barulho.
Minha mãe estreita os olhos e me lança um olhar desconfiado.
— Você não precisa participar primeiro da equipe de debate para ser líder?
— Ah. Ahn, é sim. É que, bom, o que eu quis dizer é que vou tentar entrar para a equipe de debate com a líder. A líder... é quem faz os testes.
E também vou tacar fogo no meu cabelo.
— Ah. Eu não tinha a menor ideia de que você se interessava por debate — comenta minha mãe. Acho que ela não está acreditando na minha história, mas ainda também não descobriu o que há de errado, o que já está valendo.
— É. Eu...
Estreito meus olhos. O pônei passa trotando com o avental da Ann na boca. Ann aparece, agitando os braços sobre a cabeça, e os dois somem à direita.
— Tem cenoura? — pergunto, sem pensar.
— Cenoura?
— É. Eu queria tanto comer uma cenoura bem gostosa no café da manhã. — Por alguma razão, flexiono meu bíceps ao dizer isso, como se uma cenoura fosse me deixar megamusculosa. Que ótimo. Talvez minha mãe também queira uma entrada grátis para o hospício. Minha mãe deixa a cabeça cair para o lado.
— Você está se sentindo bem? — Ela estende o braço e coloca a mão sobre a minha testa.
— Sim! Superbem. E a cenoura?
Minha mãe faz que sim com a cabeça, ainda me olhando de um jeito estranho, e vai até a geladeira. Enquanto ela fuça lá dentro, e a porta me bloqueia de sua visão, corro até a janela e faço um sinal de “ferrou!” para Ann, como quem quer dizer “vai logo e pega esse pônei maldito”.
Ela praticamente salta no ar e sai correndo atrás do pônei. Ela pegou o avental de volta e agora parece querer usá-lo para laçar o bicho.
Putz. Talvez eu devesse ter ido atrás do pônei enquanto Ann poderia fingir ser uma colega da escola. Mas ela não parece entender nem um pouco como é que se faz para disfarçar e duvido que ela conseguisse passar trinta segundos conversando com a minha mãe. A prova de tudo isso é ela correndo e agitando os braços como uma galinha louca nesse instante.
Volto a dar atenção para a minha mãe quando ela finalmente encontra uma cenoura. Ela a mostra para mim, mas faz cara feia ao ver a cenoura se entortando para o lado.
— Essa cenoura está com uma cara meio borrachenta — falo, estendendo a mão para pegá- la. Ela quase se dobra na metade. Eca. Aposto que a última vez que minha mãe foi ao mercado e comprou alguma coisa além de comida congelada foi em agosto. De 2006.
— Que nojo! Deixe que eu jogo isso no lixo — diz ela, estendendo a mão para pegar a cenoura de volta.
A lixeira fica bem perto da janela, com uma vista clara e desobstruída para a palhaçada que está rolando lá fora com a Ann e o Meu Querido Pônei.
— Não, ainda está boa, ó! — Dou uma mordida na borrachenta e então mastigo com uma mistura de sorriso e ânsia de vômito. Essa coisa é nojenta, parece chiclete sabor cenoura.
Minha mãe me lança outro olhar desconfiado. Olho para a esquerda e fico aliviada ao ver que a Ann amarrou o avental ao redor do pescoço do pônei e o está levando para o quartinho nos fundos do jardim. Até que enfim!
Minha mãe simplesmente dá de ombros e se volta para a cafeteira bem na hora em que a porta do quartinho se fecha. Ela para um minuto e olha pela janela. Será que ela viu a porta se fechando?
Não pode ser. Mas seguro a respiração mesmo assim.
— Tudo pronto para a sua prova da autoescola agora cedo? — pergunta ela, de costas para mim, enquanto coloca o bule de café de volta na cafeteira.
Eu faço que sim com a cabeça, minha boca ainda cheia de cenoura borrachuda. — Claro! — respondo, com pedaços cor de laranja saindo da minha boca. Estou exagerando um pouco. Se minha mãe tivesse me levado para dirigir pelo menos uma vez no último mês, eu estaria um pouco mais confiante. Eu mal sentei atrás de um volante desde que as minhas aulas da autoescola acabaram, no verão passado.
— Que bom. Eu só tenho de fazer uma coisa e vou deixar o Chase no trabalho, e então volto aqui para pegar você. A gente tem de sair daqui umas sete e meia. Tudo bem?
Faço que sim com a cabeça. Parece que minha mãe já está falando por uma eternidade enquanto morro de ânsia com aquela cenoura borrachenta na boca. — Tudo.
E então saio correndo da cozinha, cuspindo a cenoura na minha mão, quando ninguém mais pode me ver. Dessa vez, passou perto demais.
“Preciso de um plano.”
Subo as escadas para o meu quarto, de dois em dois degraus, e passo pela porta, quando a Ann cai para dentro da janela. Eu a encaro por um segundo, percebendo que a minha vida toda vai para o brejo se eu não conseguir dar um jeito nessa situação.
— Beleza. Então eu tenho você, um pônei... os chicletes de bolinha...
Suspiro e me afundo no chão. Tem um quarto pedido me esperando. Hoje. Em algum lugar. Nem quero tentar adivinhar que tipo de estrago vou encontrar. Está piorando a cada dia. — Você vai ficar aqui o dia todo — ordeno, olhando para ela. — Com o pônei. Ann se senta do outro lado, de frente para mim, dobrando as pernas direitinho, até copiar exatamente o jeito como estou sentada. Nela, fica parecendo uma posição de ioga. A qualquer momento, ela fechará os olhos e dirá: “Oooommmmm”.
— Eu não quero. A sua escola é mais legal.
— Ann! — eu a repreendo, com a voz um pouco alta demais. Abaixo o volume. — Você não entende. A escola só permite a entrada de alunos. Os visitantes têm de se registrar na secretaria e andar por lá com um acompanhante. Não dá para simplesmente aparecer lá do nada. Ela faz bico e cruza os braços.
— E aquele pônei — continuo, apontando para fora da janela — precisa ser vigiado. — Mas por que eu é que tenho de vigiá-lo?
— Eu é que não posso. Tenho de ir para a escola ou vou acabar me dando mal.
— Tá! — Ela se levanta e anda com passos pesados. — Eu fico de olho no pônei. Mas você me deve essa!
Humpf. Eu não devo nada para uma boneca e um Meu Querido Pônei. Eles é que estão acabando com a minha vida. Mas não digo nada disso em voz alta.
Esperamos até a minha mãe sair a bordo de seu Lexus, com meu irmão no banco do passageiro, antes de descer a escada e ir lá para fora.
O quartinho no fundo do jardim é grande, provavelmente com uns três metros e meio de largura e uns quatro metros e meio de profundidade. No entanto, a uns dez metros de distância já consigo ver que o pônei não gosta nada de lá. Ele está marchando duro e escoiceando nas paredes.
Graças a Deus que minha mãe não ouviu nada disso da cozinha.
— Tá vendo por que a gente não pode deixá-lo sozinho? — pergunto, olhando meio feio para a Ann.
Ann simplesmente olha para cima, nem ligando. Faço cara de brava, porque sei que ela deve ter aprendido isso comigo, e tento me lembrar quando é que olhei para cima daquele jeito perto dela.Abro a porta do quartinho e o pônei tenta me derrubar para passar por mim. Puxo a Ann aqui
para dentro também e fecho a porta. Demora um pouquinho para meus olhos se acostumarem à escuridão.
Acabo de achar os chicletes de bolinha. Eles estão guardados em sacos de lixo, empilhados por tudo quanto é canto. Não consigo nem ver o cortador de grama, nem as pás no fundo do quartinho. Um dos sacos está rasgado — ou coiceado, talvez —, e tem chiclete de bolinha por todo lado. Não é à toa que o pônei não gosta daqui. Os chicletes estão tomando dois terços do espaço.— Fiquem quietinhos aqui. Se você tomar cuidado, pode ir pegar alguma coisa para comer
lá dentro. Mas não deixe ninguém ver você. Eu volto às duas e meia, tá? Ann dá um suspiro gigante e bem irritado e faz que sim com a cabeça. — Tá, beleza. Até mais.
Então saio dali rapidinho antes que ela me impeça e rezo para ela não aparecer antes da minha mãe vir me buscar.

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⏰ Última atualização: Oct 25, 2016 ⏰

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