Acordei com uma forte luz iluminando meu quarto e me amaldiçoei por não ter fechado as cortinas na noite anterior, a dor em minha cabeça não era a lembrança de uma ressaca, mas sim de um coquetel de remédios que havia tomado na noite anterior.
Tapei a claridade colocando o travesseiro no rosto, mas não adiantou, as vozes sabiam que eu estava acordada e logo elas invadiram minha mente."Sarah, porque você me deixou morrer?" – a voz da minha mãe mostrava uma dor iminente.
– Não mãe, eu não te deixei morrer, eu previ sua morte, não pude fazer nada para impedir."Sarah, você me matou, você não me amava?" – a voz da minha irmã ecoou em minha mente.
– Não, eu não te matei, eu não tenho culpa.
Meu soluço preenchia o quarto agora ocupado pelos fantasmas da minha vida."Tudo seria melhor se sua mãe tivesse te abortado, por que você não se mata? Assim outras pessoas não morreriam como nós."
– Pai, me desculpa. Eu não pedi para ser assim, se eu soubesse que aquilo que eu sonhava e falava a vocês se tornaria real, nunca teria sonhado ou falado.
Aquelas vozes me perturbavam ano após ano, elas haviam me deixado louca e por isso agora estava internada em uma espécie de manicômio, a onde não saia do quarto e não me comunicava com ninguém exceto as vozes e uma amiga.
A porta se abre e a luz do corredor entra por ela juntamente com minha melhor e única amiga, Sophie.– Sarah, as vozes estão te perturbando novamente?
Sophie conhecia a mim melhor que eu mesma, ela sabia de tudo pelo o que eu havia passado e ainda passava, mas mesmo assim nada a fazia se afastar de mim.– Elas estão certas Sofs, se eu não fosse esquizofrênica, louca, vidente ou seja lá como vocês me chamam, nada disso teria acontecido, todas essas pessoas morreram por minha culpa e você...
– Não se preocupe comigo Sarah. Quanto a você, você não pediu pra ser médium, algo maior que nós te presentou com esse dom.
– Você quer dizer maldição né? O que adianta você saber o que vai acontecer se não pode fazer nada para impedir?
– Todos temos um livre arbítrio, todo aquele que nasce morre, não se culpe por algo que você não é a responsável.– Mas...
– Mas nada, prometa-me que hoje à tarde você vai ir conversar com o psiquiatra, você vai contar a sua história aos outros pacientes e você vai fazer com que a vida deles mudem.
Abaixei a cabeça, pois sabia que se eu não prometesse ela continuaria a insistir, então falei:– Tudo bem, eu vou.
Sophie sorriu para mim e foi embora e quando isso ocorreu as vozes e sombras voltaram.
"Não de ouvidos a essa menina, você sabe muito bem o que aconteceu..."
"Ouça sua mãe querida, sua morte seria o fim de todo o seu sofrimento."
"Nossos pais estão certos, quantas vidas mais você vai arruinar? Quantas pessoas inocentes irá matar?"
Eu já estava cansada daquilo. Dessa vez eu não daria ouvido a eles, eu não tentaria me suicidar novamente como havia feito durante aquele mês inteiro.
Peguei o abajur da escrivaninha que havia ao lado da minha cama e joguei no chão gritando com raiva:
– SAIAM DAQUI, VOCÊS NÃO SÃO A MINHA FAMÍLIA, MINHA FAMÍLIA NÃO DIRIA COISAS TÃO HORRIVEIS A MIM!
Então os fantasmas sumiram, me deixando completamente sozinha no quarto.
Não tinha noção de que dia era, menos ainda da hora, para mim o tempo aqui dentro parecia sempre o mesmo.
Resolvi tomar um banho e sair pela primeira vez do meu quarto, liguei a água na temperatura morna e permiti meu corpo relaxar sob ela, nele havia hematomas de todas as cores que eram as provas de tentativas de suicido durante todo aquele tempo.
Sai do banheiro enrolada em uma toalha e fui até meu guarda roupa, antes de escolher algo para vestir fiquei reparando meu corpo, quando eu entrei aqui estava pesando quarenta quilos e agora devia ter pedido mais uns cinco, pois podia ver todos meus ossos no espelho. Um corpo que talvez muitas garotas iriam querer, mas não eu, ao ver aquela imagem decidi que iria tentar recomeçar mais uma vez.
Coloquei um vestido preto e uma sandália baixa, passei um batom claro e arrumei meus cabelos em um coque frouxo, me olhei novamente no espelho e finalmente sai do quarto.
Ao andar pelo corredor pude ver várias pessoas de diferentes idades, cores e etnias, todas alegres, conversando ou então brincando, comecei a lembrar-me da minha infância, de quando ainda tinha amigos e vivia sem medo do que os meus sonhos poderiam causar, interrompi aquelas memórias porque sabia que eu ainda não estava preparada para aquelas que viriam a seguir.
Cheguei até a sala do grupo de apoio, a porta estava aberta então entrei e pude ver cinco pessoas, três meninas e dois meninos, que julguei ter mais ou menos a minha idade e junto com eles o Doutor Hugo, eu conhecia ele pois foi o médico que me internou aqui.
Ele fez um gesto pedindo para que eu me sentasse em uma das cadeiras, que formavam um círculo, logo que me sentei ele começou a falar:
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Uma Porção De Contos
RandomMENU: NOS SÁBADOS = Dois contos com muita criatividade, feito com muito amor por perfeitos mestres. Acompanhado de sabores indescritíveis e uma dose de algo que só você pode nos ajudar descobrir.