Entre batatas e elevador

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— 4,50, moço. — O vendedor disse, me entregando 1kg de batatas que eu havia esquecido de comprar no dia anterior.

Entreguei cinco reais e falei que não precisava de troco, logo depois acenei e saí andando pelo galpão entre as inúmeras bancas de verduras e frutas, indo diretamente para meu carro.

Respirei. Estava cansado e com início de falta de ar. Há pouco mais de uma semana eu iniciei uma rotina de correr logo após acordar, era isso que eu estava fazendo meia hora atrás e por isso ainda sentia a pressão nas minhas pernas, os nervos tremendo e o coração martelando em um ritmo mais rápido que o meu normal, os dois ainda não acostumados com a nova meta de saúde que a nutricionista da minha mãe me aconselhou (obrigou) a fazer.

Segundo ela, ter 1,83 de altura e pesar 58 quilos não é saudável pra mim. Eu, obviamente, não concordei 100℅ com ela, pois sempre me virei bem com meu corpo, mas não posso negar que é meio diferente. As gatinhas da minha cidade não gostam do diferente, o que é uma boa desculpa pra que eu me esforce na dieta inversa.

Minha mãe ficou satisfeita em ver suas paranóias confirmadas. Desde que eu saí de casa e fui dividir o apartamento com Ronaldo, o novo hobby dela era achar defeito em mim e no nosso "lar". Minha falta de peso (que sempre existiu, mas ela parece não lembrar) é só mais uma das paranóias dela. Posso inumerar em uma lista a quantia de defeitos que ela encontrou. Por exemplo: As paredes com tinta mal passada, a pia que sempre entope, o elevador que está sempre emperrando e a falta de microondas. Coisas meio ridículas de se apontar, porque não é como se fosse minha culpa. E já que ela reclama tanto, poderia me dar um microondas, não é mesmo?

Mas whatever, esse tipo de comentário a gente tem que levar como ensinamento. Eu uso escadas e forno agora, não é tão ruim assim. E quando ela reclama, eu tenho a solução na ponta da língua.

Mas a dieta tem seus lados bons. Outro exemplo é: descobri que batatas tem um potencial viciante. Posso fazer inúmeras coisas com batatas, posso colocá-las no almoço, no jantar, no lanche... Em quase tudo. Para minha satisfação, Ronaldo não se importa em ter tanta batata tantas vezes nas refeições. Na verdade ele é do tipo que se satisfaz com leite e bolachas. Ou miojo, se tiver pronto (se eu fizer, no caso) e no prato, praticamente.

Concluímos que meu melhor amigo é altamente folgado e preguiçoso, com alta tendência de morte por doenças relativas à falta de proteína, cálcio e ferro. Mas eu ainda gosto dele, é gente fina. Literalmente, se pararmos pra analisar o físico do garoto. Acho que isso é por grupo, minha teoria diz que cada magro precisa de um gordo e outro magro no grupo de amigos. O gordo do nosso grupo na verdade é uma menina, Carla é o nome dela. A menina come feito um dragão, mas consegue ser incrivelmente fofa e pega mais garotas que eu. Sim, garotas. Acho que é por isso que ela se dá tão bem com a gente, temos interesses em comum, interesses interessantes e atraentes. Como peitos e bundas.

Gargalho sozinho e deixo o riso ecoar dentro do carro, pensando em como eu seria massacrado por feministas e moralistas se meus pensamentos fossem ouvidos pelo mundo. Me deixo rir ainda mais enquanto acelero rumo a minha casa e pego um pequeno trânsito suportável até finalmente chegar e estacionar.

Desci do automóvel com a sacola na mão e peguei a mala de livros que eu havia esquecido dentro do carro no dia anterior. Tinha sido um dia tão estressante que quando eu fui buscar os últimos livros que faltavam na casa da minha mãe, praticamente coloquei eles no porta malas e dirigi sonhando com minha cama. Quando estacionei aqui, o sono era tanto que eu nem me lembrava mais o porque de eu estar naquele carro. Só queria cama. Dormir, dormir e dormir.

— Ah, droga! Eu coloquei um elefante aqui dentro? — Reclamei sozinho, no meio de toda aquela fileira de carros que faziam meu quase cochicho virar um grito ecoante.

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