Aquilo que eu não viro, vira sonho

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Ana encarava a janela do avião e pensava em nos momentos tocantes de sua vida. Riu do dia em que chorou em uma igreja por conta do Otávio, quando ele disse, mais uma vez que não teria tempo para ela quando ela tinha todo tempo do mundo para ele. Chorou tão copiosamente que uma mulher passou e bateu em seu ombro dizendo que tudo ficaria bem. Em outra ocasião, com medo do marido abusivo, sentou-se na calçada e enterrou a cabeça entre as pernas, desolada. Uma senhora parou e rezou para ela dizendo que teria muitas bênçãos. Talvez, quem a conhecesse bem saberia que havia uma boa alma ali. Desviava o pé de formigas desavisadas, não gostava nem de matar baratas. Em dada ocasião, estava conversando com Otávio e disse:

- Eu gostaria de dar um tapa na sua cara!

- Por que não o faz? – ele indagou, desafiando-a.

- Porque não é da minha índole.

Será que ainda diria isso se o encontrasse? Provavelmente! Não era da índole dela agredir. Bem, ela era impaciente e já fora grosseira com pessoas que amava por conta de seu ímpeto. Mas, era capaz de se desfazer de dinheiro e bens materiais para ver os outros felizes. Inúmeras vezes, comprara uma coisa ou outra para ajudar alguém na rua. Seu coração ficava condoído ao ver crianças na rua e sempre pensava: Elas deveriam estar na escola! Deveriam estar brincando! Fosse onde estivesse, rezava por elas, que era o que poderia fazer. Também rezava pelas almas perdidas de todas as formas. Sentia-se pequena diante das sombras do mundo, das guerras, das dores, das injustiças... Por isso, não assistia à tv. Sua vida também não fora fácil e tentava compensar as angústias com a arte. Nem sempre resolvia. Embora tivesse se apaixonado inúmeras vezes, havia amado apenas duas, uma era correspondida, mas teve medo e não deixou acontecer. Aliás, a outra também era correspondida, mas como duas crianças poderiam saber lidar com algo tão potente como um amor que cega como um sol?

Ana olha para fora e observa as nuvens em formato de palácios. Logo, a noite chegaria e os pensamentos iam para o passado, as pessoas que haviam cruzado seu caminho. Sentia uma certa tristeza pelas pessoas que havia magoado pelo caminho. Tinha certeza que havia quem a achasse babaca. Já haviam dito que ela tinha este ar de quem se acha superior. Talvez, fosse a timidez, a vergonha de se enturmar. Já vertera tantas lágrimas por se sentir impotente diante das dificuldades do mundo. Quando passava por cidades pobres, imaginava as dificuldades de todos ali e sabia ser privilegiada diante do sofrimento do outro.

Naquele instante, todo seu mundo estava prestes a mudar para sempre. Já viajara sozinha. Mas, da primeira vez, sentiu tanto medo que a viagem fora uma merda! Agora, o medo se fazia presente por tantas razões diferentes, mas era hora de enfrentar a vida e saber se a vida tinha presentes melhores. Que surpreendente como o universo também poderia ser generoso além dos estranhos que rezaram por ela ao longo da vida. A melhor coisa era praticar o Ho'oponopono: Sinto muito, Me perdoe, Te amo, Sou grato. A revolta com o mundo passara. Coisas ruins acontecem com pessoas boas e coisas boas acontecem com pessoas ruins e a conta, um dia, chega para todo mundo.

Outro lugar. Uma nova vida. Era assim que todos se sentiam quando se mudavam: Novas oportunidades. Mas, quantas vezes havia celebrado junto ao ex-marido as mudanças? Era como se todas elas significassem que poderiam se renovar, que poderiam seguir em frente, que poderiam ficar inteiros depois de cada briga. Não foi possível colar o que se havia quebrado. Eram tentativas falhas em nome do amor apenas. O respeito deixara de existir logo após o sim. Antes tivesse cancelado o casamento ao ter dado de cara com um cadáver algumas horas antes da cerimônia. Enfrentou o pior no mar revolto de si mesma. Aprendeu a ter orgulho do que trilhou, apesar das dificuldades. Uma nova chance? Ou um novo fracasso? Estava dentro daquele avião para saber o que estava por vir. Não deixaria que os medos do passado interviessem. Não se sabotaria ou esperava que fosse capaz de aceitar o presente que a vida dava a ela.

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