Uma Porção De Contos

Discussão sobre vozes e uma pessoa que tomou péssimas decisões.

Joga-me um gosto de fel. Não seria doce se não fel. Esse gosto de vida é muito caro, é barato, no sentido negativo de valor-de-uso. No mais, fel.

Esses dias venho sentindo gostos peculiares. Uma amiga falava bem próximo do meu rosto e não pude resistir. Beijei-a como se fosse uma bomba prestes a explodir. Ele se assustou de tal forma que caímos ao chão em frente a biblioteca universitária. Sem entender o que acontecia, ela se vingou me beijando. Seus lábios imensos eram apetitosos. Nunca havia beijado uma boca tão mimosa em toda minha vida.

No final ela foi pra casa, e eu pra minha. Apenas um beijo, um gosto de fel. Nada mais. No final ela foi pra casa, eu fiquei com a solidão. Me sobrou adoecer mentalmente. Esquecer do traiçoeiro coração.

É que vocês não me conhecem, mas lhes digo: tomem cuidado com o coração.

Há sussurros que nos tiram do eixo, nos fazem desviar de tantas coisas e esquecermos da verdade que tanto buscamos. E só existe uma verdade, e é ela que nos faz acreditar que exista mais de uma verdade. Isso é fel. Queria acreditar em coisas tão possíveis para todos. Mas o mundo anda egoísta demais. Todos andamos olhando para os pés.

Então uma voz flamejante de dentro do peito o cochicha, e de repente, você se apaixona pela mulher que te olha todos os dias na fila da cantina. Tudo bem esse mormaço esquentar minhas orelhas. Acreditamos no que sentimos, e se de fato, sentimos. Porque tem vezes que sentimos por sentir, como pretexto para não dizermos que não sentimos — essa última linha parece impossível, mas são palavras, somente símbolos, que podem nos confundir/salvar ao mesmo tempo.

Qualquer tipo de sussurro é uma furada, uma armadilha. E toda vez caímos. Falamos em nunca mais darmos ouvidos ao coração, e quando percebemos, tudo acontece novamente. Por isso dei um tempo com Deus, com os romances de rotina, e de muitas relações pessoais. Eles falam tanto por nós e nós nunca falamos por nós.

Muita das vezes me sinto sozinho, e lembro de tantas pessoas que esqueci ou deixei para trás, e se deixei, foi por uma boa razão. O tempo é o melhor remédio para o fel, ele nos faz perdoar e perder a noção de juízo sobre as pessoas. Isso explica quando sua ex te liga meses depois de romperem, e você lhe diz que não precisa de sua companhia, e se faz de difícil. Até você ceder um pouco, e em algumas horas vocês estarão pelados numa cama pensando "que merda".

E agimos em dezenas de casos desta forma. Nada mais que esta voz dentro da cabeça chamada razão. Mas ela fica idiota com o tempo — é como eu havia dito sobre o tempo ser um remédio, uma faca de dois gumes — o fel virá mel e queremos provar de novo, de novo e de novo...

A razão explode na cabeça. Merda! Transei com minha ex sabendo o quão difícil seria depois de tudo que passamos. Em poucos dias, lá estava ela, minha ex, Samanta, tentando me controlar novamente. Não deixei durar. Decidi romper novamente. Desta vez parecia ter sido muito mais tranquilo.

Uma semana se passou e ela me ligou. Disse que estava doente, que iria tirar a própria vida. Me desesperei! Comprei a passagem, entrei no avião e fui para São Paulo. Quase vomitei ao pousar. Não sabia andar naquela cidade hiperativa.

Chegando no aeroporto de Congonhas, peguei um táxi até Paraíso, o bairro que ela morava. Meu desespero, aquele bairro tinha ruas tão iguais. De prédio a prédio, procurando o Edifício Sandinista.

Algumas ruas depois encontrei o maldito prédio. Era pequeno em relação aos outros. Parecia que o enfiaram ali. Fazia um sol descomunal, e minhas costas estavam encharcadas. Terra da garoa? Não pra mim.

Interfonei milhares de vezes e ninguém atendia. "Havia chegado tarde", pensei comigo.  

Fiquei sentado na calçada por algumas horas, sem nenhuma reação. Fumei quase todo maço de cigarro que havia comprado para viagem. Até que ela surgiu na esquina com uma bolsa no ombro, e óculos escuro encobrindo todo o rosto. Parecia uma madame, entretanto, falida. Olhando dali, percebia uma normalidade que não se aplicava àquela senhorita que me ligou horas atrás.