Presa dentro de um mundo obscuro

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"As razões de nossos atos são obscuras e os impulsos que nos impelem para a ação ficam profundamente ocultos. " -  Anatole France

 " -  Anatole France

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Dia 4 do mês 3 de 2014.

Foi muito difícil me aceitar e intender o que aconteceu com minha vida nos últimos meses. Meus amigos que diziam ser meus irmãos nunca apareceram para me ver. A única pessoa que tentou me ver no primeiro dia que vim pra cá foi o padre da igreja que de vês e nunca frequentávamos.

Ele veio para que eu me confessasse dos meus pecados. O que eu fiz? Cuspi na cara dele e mostrei o dedo do meio. Fala sério! Minha mãe me mandou um padre? Que porra! Queria ver um rosto conhecido, alguém que me dissesse que tudo ia ficar bem. Mas até hoje ninguém apareceu.

Nem o cara que disse que me amava, que ficaria comigo para sempre, que me prometeu casamento e vida feliz por toda a eternidade. Onde estão as pessoas que dizem eu te amo quando você mais precisa delas? Se não fosse por ela! A voz que perturba meus pensamentos, me ajudando e me dizendo o que fazer, minha consciência que ganhou vida no momento em que me vi sozinha. A voz que sempre é calma e serena, não importa como eu esteja me sentindo ela sempre está do meu lado me lembrando que não estou sozinha. Mas nunca promete o que cumpre, já faz semanas que sempre promete a mesma coisa, que vai me tirar desse pesadelo e me levar para longe desse inferno lugar, mas não me diz como nem quando isso vai acontecer. Estou cansada, chega de mentiras, chega de dor, sofrimento. Isso acaba hoje!

A noite é vagarosa, isso é angustiante, mas me ajuda a pensar no silêncio. Enquanto finjo que estou dormindo a voz não me incomoda. Já tenho tudo programado no meu subconsciente. Só falta o sol aparecer na pequena janela que me liga ao mundo externo. Se é que existe vida perto desse inferno lugar.

Ligo meu pensamento ao que há lá fora, tento imaginar um lugar com flores, e... Não consigo imaginar mais nada além de flores e um campo aberto. Quando imagino esse lugar eu corro sem olhar pra trás. Será que um dia vou encontrar esse lugar e me sentir livre? Só quero viver como uma pessoa normal. Não quero ficar engaiolada, sendo controlada, observada, por pessoas que sentem prazer em me ver louca! Como é difícil ser sã num lugar como esses. Não sei como aguentei por tanto tempo. Hoje é o dia de acordar do pesadelo. Escuto a sirene das 10h da manhã soar, está na hora de abrirem as jaulas os quartos para as atividades matinal.

A única coisa que se pode dizer que é "bom" desse lugar é que podemos andar no quintal cercado por grades e seguranças, por mais que sempre tenha neblina e que esconde os raios do sol posso sentir o ar fresco no rosto que só duram 10 minutos todas as manhãs. Mas dessa vez será diferente. Levanto da cama fico parada atrás da porta e espero ansiosa por sua abertura. Aos poucos gradativamente as portas vão se abrindo com um barulho de estralo, uma a uma até chegar na última porta do último corredor. Minha jaula meu quarto é o que fica escondido no fim do corredor porque fui rebelde por muito tempo, tiveram que me isolar e me colocar como PA2 – Paciente Agressivo. O número dois significa que sou qualificada como um paciente que não é forte suficiente para machucar nenhum imbecil enfermeiro. Dou três passos para frente paro na saída da jaula do quarto e estendo as mãos. Um idiota enfermeiro me veste com uma blusa branca de mangas e prende meus braços nas costas amarrando bem forte para não me soltar. A tal camisa de força que fique você sabendo, tem esse nome porque quando se é forçado a vestir uma dessas você faz de tudo para se soltar e a porcaria não solta, não importa a força que você faça com os braços. Amarrada e manipulada ando até o fim do corredor, depois de passar por diversos portões com manipuladores enfermeiros e observadores guardas finalmente sinto o ar tomando conta do meu rosto.

Fecho os olhos e imagino as flores, mas o que tem na minha frente é uma paisagem morta, sem cor, tudo o que consigo ver nesse inferno lugar é em preto e branco. Caminho com meus pés pisando na grama morta e na terra seca. Dou alguns passos até uma das arvores e encosto na arvore de galhos secos e sento no chão me jogando de bunda na terra seca. Não consigo me equilibrar e caio deitada no chão. Ótima oportunidade para olhar o céu. Por mais que esteja sol as nuvens são cinzas encobertas por nevoa. Fecho os olhos e me concentro, calculo em minha mente todas as saídas, entradas e observadores guardas e faço um mapa em minha mente das possíveis saídas.

A meses penso em cada detalhe. Já tentei fugir 5 vezes, mas essa vez é diferente os manipuladores enfermeiros e idiotas médicos pensam que eu desisti de fugir e diminuíram os olhos ao meu redor. Escuto a sirene tocar. Acabou o tempo de respirar fora da jaula do quarto, abro os olhos e espero alguém vir me levantar e me levar de volta. Escuto passos. Me preparo fisicamente para agir. Escuto a voz fina de uma mulher. Meu plano vai dar certo!

— Senhorita está na hora de voltar ao seu aposento. Venha, deixe-me te ajudar.

Ao ficar em pé com ajuda da salvação enfermeira dou dois passos lentos em direção a entrada das jaulas dos quartos e quando todos estão de costas caminhando para dentro eu dou início a minha fuga. Me viro bruscamente na direção da coitada da enfermeira e bato minha cabeça com força na dela que no susto cai de costas e perde o fôlego, não conseguindo gritar. Essa é minha chance de correr. Aproveito que os observadores guardas não perceberam a situação e corro em direção aos muros a procura de uma porta que vi uma vez em uma das caminhadas matinais. O alarme soa e dessa vez significa que um PA5 paciente a solta extremamente agressivo está prestes a romper as barreiras permitidas. Encontro a pequena porta marrom e bato os braços e dou empurrões com o corpo para que ela se abra. Escuto uma trinca do lado de dentro e com um solavanco a porta se abre e caio com tudo no chão dentro do que parecesse ser uma sala com materiais de limpeza e coisas de jardinagem. Estranho porque não tem nenhum jardim muito menos terra frutífera para cultivação. Por um momento esqueço que estou tentando fugir e não percebo que os observadores guardas estão vindo em minha direção.

— Mas que droga!! – Grito alto soltando o ar reprimido em meus pulmões e me dou conta de que tem alguém do meu lado me observando em silêncio.

— Você achou mesmo que ia conseguir fugir?

Viro minha cabeça a procura da voz grossa e macia que ecoou na minha cabeça. Vejo uma silhueta no escuro ao fundo, tento me levantar, mas já é tarde. Cinco guardas agressivamente me levam com força de volta para minha jaula. Dessa vez vou ficar sem ver a luz do dia por meses. Foi a primeira vez que tirei sangue de um dos enfermeiros. Minha punição só estava começando.

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⏰ Última atualização: Nov 15, 2016 ⏰

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