Você tem filhos?

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Desci ao térreo às seis e trinta e dois, de acordo com o imenso relógio acima da área da recepcionista. Emma já estava lá, ela e todo seu metro e oitenta de altura, usando uma capa impermeável por cima das roupas de grife. Quando saí do elevador, ela olhou para o relógio de pulso antes de me dirigir mais um de seus sorrisos falsos — qualquer um acharia que eu estava umas duas horas atrasada.

— Não me atrasei, não é mesmo? — declarei, parando diante dela.

— Apenas uns dois minutos — respondeu num tom breve.

— Certo. Bem, o elevador demorou um pouco mais do que pensei.

— Não achei que a culpa tivesse sido sua.

— Fico contente que me conheça tão bem.

— Reservei uma mesa para nós num restaurante logo além da esquina para... — Ela consultou o Rolex. —...daqui a sete minutos. É melhor nos apressarmos se não quisermos nos atrasar ainda mais.

— Certo.

O ar estava denso, úmido. Todos pelos quais passávamos na rua pareciam moles e exaustos, prontos para ceder ao cansaço e adormecer num canto tranquilo qualquer. Eu carregava minha capa impermeável verme­lha no braço, lutando contra a vontade de fechar os olhos e sucumbir ao sono que tomava conta dos meus sentidos.

Chegamos a um pequeno restaurante francês em frente do qual eu já pas­sara algumas vezes, mas nunca entrara. No ar, pairava o aroma de alho e toma­tes, e música suave tocava ao fundo quando entramos no ambiente de ilumi­nação difusa. Tudo no lugar irradiava intimidade. O que me surpreendeu. Quase esperei que ela me levasse à lanchonete mais próxima, pedisse para mim o hambúrguer mais barato do menu e dissesse que, se eu desejasse um refrige­rante, eu mesma teria de pagá-lo.

Depois de entregarmos nossas capas ao maître, fomos conduzidas a uma mesa para dois no centro do restaurante apinhado. No instante em que recebe­mos o menu, cada uma se ocultou atrás do seu, escondendo-se uma da outra. Verifiquei o meu, concluindo que, se tinha de passar algum tempo na compa­nhia daquela mulher, ela pagaria um preço caro pelo privilégio. Encontrei o prato mais caro do cardápio — lagosta — e foi o que pedi. Além de casquinha de siri como entrada.

Quando o garçom chegou, Emma  teve o refinamento, devo admitir, de pe­dir uma garrafa de vinho tinto caro ao garçom. Só que não teve a menor consi­deração em me perguntar antes se eu queria vinho, quanto mais de que tipo. Eu detestava tinto e, portanto, pedi água mineral. Fizemos o pedido — Emma arqueou uma sobrancelha diante das minhas escolhas — devolvemos o menu ao garçom e nos recostamos nas respectivas cadeiras.

— Então, Regina, fale-me sobre você — disse Emma.

Analisei silenciosamente a voz dela, tentando identificar a origem geográ­fica de seu sotaque.

— O que quer saber? — Mantive o olhar no meu copo intocado de vinho para evitar o dela. A cada vez que lhe lançava um olhar, via a aberta aversão em seu rosto. Algo em mim a repugnava. Minha aparência? Meu corpo? Minha existência contínua neste mundo? Não sabia de que maneira a desagradava, nem por que a mulher antipatizara comigo em tão pouco tempo, principal­mente quando ela ficara com o cargo que deveria ter sido meu, mas Emma não fazia o menor esforço para esconder sua aversão em relação a mim. Na verda­de, ela  trazia escrita na testa, algo que queria que transmitisse o seguinte: "Meu nome é Emma, e Regina embrulha meu estômago".

— Qualquer coisa que queira me contar.

— Está bem, tenho 32 anos. Trabalho na Angeles há sete anos... Elaborei e lancei a Viva Angeles com David. A idéia foi, na verdade, minha, mas não gosto de me vangloriar. Hã... isso é quase tudo. Só falta dizer que adoro meu trabalho e lamento demais que David tenha deixado a empresa.

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