Capítulo 02 - Miguel

429 37 6
                                    

Após dar um longo resumo da noite anterior, eu mergulhei na piscina do Rosier até o pescoço e tentei me acalmar.

"E é por isso que eu nunca mais vou te ouvir." Completei, estapeando água sobre ele.

Em sua espreguiçadeira, Rosier esfregou as gotas d'água pelos gomos de músculo em sua barriga, não querendo estragar seu bronzeamento impecável. Mesmo que os óculos escuros escondessem sua expressão, um sorrisinho discreto mostrava o quanto ele se divertia.

"Não vá ao Estrela da Noite, eu disse, e o quê você fez? A culpa não foi minha, mon ami. Você precisa sair mais. Ou pelo menos voltar para sua casa."

"Está me mandando embora?" Perguntei.

"Você sabe que não." Ele ergueu o óculos e piscou para mim, com seus olhos cinza de longos cílios. Eu sabia que ele estava implicando comigo. Rosier carregava no sotaque francês quando estava sendo um idiota. "Você precisa sair dessa, Mi. Estou preocupado."

Eu me debrucei na borda da piscina e bufei, aborrecido. Odiava quando Rosier estava certo, e ele geralmente estava. Ele sempre foi como um irmão, desde que éramos crianças. Nós costumávamos brincar juntos, e escalar árvores, e essas coisas, até Rosier herdar uma fortuna do avô, aos quinze anos. Por esse motivo e outro que não quero lembrar, ele transformou sua personalidade. Mas eu o aceitava do jeito que era.

Rosier era mais que um francês elegante, loiro e promíscuo. Ele era meu melhor amigo.

"No próximo sábado vou com você." Falou Rosier, exatamente como eu temia. "Você ficou muito tempo longe do jogo, Mi. Vamos passar o rodo em qualquer festa que formos. Você vai beijar até sua boca cair, e quem sabe até..."

"Teve esse outro cara." Eu encostei a testa na parede da piscina, escondendo o vermelhão no rosto. Droga, contar a Rosier seria uma péssima idéia. Mas quando consegui manter segredos com ele?

Rosier demorou a responder, e eu sabia que estava abrindo um sorriso de orelha a orelha, com os olhos cintilando em fascínio e as mãos tremendo de expectativa.

"Quem?" Perguntou ele, sem disfarçar a empolgação extrema.

Quem? Como assim, quem? Meu Deus, eu nem sabia o nome do cara. Rosier riria de mim até o fim dos tempos. Miguel, o ruivo quietinho, corrompido pelo bad boy misterioso.

"Esquece o que eu disse." Falei, como se isso fosse ser possível. "Ele era estranho."

"Estranho como? Ele te beijou? Quero cada detalhe."

Meu corpo ferveu com a palavra 'beijou', e eu me senti atordoado. Sempre que pensava no beijo a lembrança vinha nublada como em um sonho, e então vinham os espasmos de calor.

Droga, eu não devia mesmo ter contado. Por que meu peito disparava, só de pensar nele? Aquela voz grossa e provocativa ainda ecoava nos meus ouvidos. Em trinta dias serei o amor da sua vida. Só podia ser um lunático.

"Foi... bom." Sussurrei, sentindo o rosto arder. "Bom e... gostoso, eu acho? Não me faça contar."

Um estouro molhado me fez encolher em surpresa. Eu olhei para trás, ondulando para cima e para baixo pela água agitada.

"Rosier, avise antes de saltar na piscina!"

Rosier emergiu e agitou os cabelos molhados. Ele nadou até mim e apoiou as mãos na borda da piscina, uma para cada lado dos meus ombros. Seu sorriso era tão largo quanto eu previa.

"Onde ele mora? Chegou a conhecer a casa dele, ou o levou para a sua?"

"O quê? Não! Nós nos beijamos por uns dois minutos, e eu fui embora. Não vou voltar pra a minha casa, Rosier. Os quadros estão por todas as paredes."

"Eu já me ofereci para jogar tudo fora. Você é fofo, Mi. Se quiser morar comigo, precisa apenas me pedir." Rosier acareciou o lado do meu rosto, encolhendo o sorriso para uma expressão mais caridosa.

Eu revirei os olhos, e observei a mansão logo adiante. Quinze quartos, e nenhum deles isolado dos gemidos escandalosos do Rosier e seus muitos amantes. Uma orgia por noite, como ele podia aguentar disso? Eu deixaria a mansão imediatamente, se tivesse coragem de voltar.

Percebendo o quanto Rosier continha sua empolgação, resolvi jogar mais um osso.

"O cabelo do cara era como uma cascata cor-de-palha, que deslizava do capuz ao peito. E eu nunca vi um sorriso como o dele, tão afiado e travesso, e ao mesmo tempo tão bonito. E as roupas eram enormes, mas ele parecia ser magro. O Érico é tão musculoso, não faz sentido eu gostar de um magricelo, não é?"

Rosier soltou uma risadinha, e eu percebi que eu também estava sorrindo. Eu desmanchei meu sorriso, mas Rosier já havia retornado ao modo empolgação total.

"Precisamos reencontrar esse cara." Falou ele, feliz como uma criança na manhã de Natal. "Qual o nome dele? Onde ele trabalha? Pegou o número?"

Eu cobri o rosto com as mãos e balancei a cabeça. "Não me faz voltar na boate, por favor."

Rosier pôs a mão molhada no meu ombro. Nada me acalmaria após aquela noite de pesadelo. Eu só beijei o cara estranho por simples desespero. Rosier devia saber. Não valia à pena esbarrar no Érico apenas para reencontrá-lo.

"Vou manter o casalzinho idiota bem ocupado, caso eles apareçam. Você volte lá sábado que vem, e consiga o nome daquele cara." Rosier deu um peteleco no meu nariz.

Eu massageei o nariz ao som das risadas do Rosier. Mesmo fisicamente, nós éramos tão diferentes. Anos de academia com personal trainers e tratamentos cosméticos caros deixaram Rosier como um modelo de cuecas. Peito pronunciado, barriga seca e firme, bíceps saltados e permeados por veias azuis, coxas fortes e bunda redonda e empinada. O corpo de um milionário com tempo demais para cuidar da aparência. Nem a enorme cicatriz em seu peito reduzia sua beleza.

Enquanto isso, meus músculos murcharam nos meses de depressão e eu era branco demais, com sardas nos ombros. Talvez devesse frequentar a academia da mansão mais vezes. Meu único atributo positivo parecia ser minha bunda, e eu odiava isso.

Você quer se apaixonar de novo? Em trinta dias, serei o amor da sua vida.

Eu massageei a testa, sentindo a tontura voltar. Precisava esquecer aquele cara, não correr atrás dele.

Eu mergulhei para escapar de Rosier, bati as pernas em torno da piscina e virei de barriga, assistindo as nuvens passarem sobre mim. Todos os eu-te-amo do Érico não foram nada. Meu amor incondicional não foi nada. Ninguém poderia mudar essa realidade.

"O amor não serve pra nada." Falei.

"É isso aí." Rosier coçou a cicatriz vertical em seu peito, me assistindo nadar. "O amor é apenas uma mentira."

O Beijo do Incubus (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora