3. O FILHO DO LOBO [ATO 4]

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Os saltos de Eve começaram a afundar pelo caminho barrento, e ela mais uma vez praguejou-se pela escolha estúpida que fizera, as bolhas doíam e ela tentava a todo custo fazer com que a lama não alcançasse seus tornozelos. Vincent ia na frente de arma em punho, abrindo caminho entre o mato e os galhos mais baixos das árvores, decidira não escolher o caminho aberto, o mais óbvio, os reforços não chegariam, e eles precisavam ser cautelosos. A cada metro que se embrenhavam na mata, a ansiedade descontrolava o emocional de Eve e fazia seu coração se agitar, sua mente podia visualizar Charlotte, e seu intuito dizia que ela pedia socorro, mas o detetive preferiu não dar muito importância ao que ela dizia emocionada, e teve de mandá-la se calar duas vezes durante o percurso, na terceira vez que ela começou a falar alto e com a voz embargada e ameaçou chamar pelo nome da filha, Vincent foi rude.

— Quer calar essa maldita boca? — sussurrou energicamente para ela. — Se quer encontrar sua filha viva, precisamos ser invisíveis.

Eve engoliu em seco, em outra ocasião teria começado uma discussão debochada com aquele homem prepotente, mas dependia dele, da sua boa vontade e principalmente da arma que o mesmo empunhava para resgatar Charlotte com vida. Alcançaram a clareira que circundava o casebre, e espiaram, camuflados entre as folhagens, a madeira da cabana parecia podre e alguns remendos grotescos tinham sido feitos com pedaços de latas, os vidros da janela estavam quebrados e embaçados por uma camada grossa de poeira, em meio a toda feiúra do casebre, uma cerejeira se destacava no quintal com suas flores de um rosa vivaz e alegre, e amarrado ao seu tronco um pneu pendia suspenso por uma corda. Vincent pisou o terreno, compelido, e Eve o seguiu com um pouco mais de coragem e ansiedade. Ninguém parecia morar ali. Deram a volta em todo o perímetro da cabana, todo o lugar parecia abandonado há muito tempo, e aquele silêncio exorbitante causava arrepios. Eve já tinha se arrependido de se deslocar até ali quando o bico do seu sapato tropeçou em algo sólido escondido sob uma hera grossa.

Uma porta.

Eve se debruçou sobre o alçapão, e arrancou com puxões impacientes toda a hera que a cobria, a madeira estava intacta, apenas com a pintura lascada, um cadeado grosso prendia a maçaneta. O detetive veio ver o que Eve descobrira e ela percebeu em seu rosto um desdém ressentido. "Ora, ora, o detetive é quem deveria descobrir as coisas, não é?" Respondeu a mulher mentalmente.

— Vamos abrir. — falou Vincent, apontando o revolver para o cadeado apenas a alguns centímetros de Eve.

— O que está fazendo? — protestou a mulher.

— Se me der licença, tentando abrir...

— Há meio minuto eu não podia chamar pela minha filha, e agora quer atirar em um cadeado?

Vincent abaixou a arma.

— Não deve ser tão diferente de abrir uma porta. — disse a Senhora White, fuçando os cabelos de onde tirou um grampo, e o enfiou na fechadura do cadeado, alguns segundos depois um clique liberou a passagem para o porão.

— Como... Ah, esqueça. Vamos. — disse o detetive, surpreso.

Vincent conhecia poucas mulheres iguais a Senhora White, poderia dizer que ela era a mulher mais peculiar com quem ele já se deparara em sua carreira, e por que não dizer em sua vida? Ficou observando-a puxar a pesada porta do porão para cima com um ranger... Como teria sido ter uma mãe como aquela disposta a correr riscos por ele? Como teria sido se ele fosse filho de uma mulher tão corajosa e que enfrentaria qualquer um para protegê-lo? Como seria não ter sido jogado em um orfanato tão cedo? Como seria a sua vida se não tivesse ficado sob os cuidados daquele padre...

— Vincent? — Eve sacudiu o braço do detetive.

— Sim? Desculpe-me... — respondeu o detetive, saindo do transe.

As Crônicas Nocivas: Orfanato (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora