5. NOITE DOS ÓRFÃOS (PARTE 2) [ATO 2]

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A parte inferior do corpo de Aaron foi jogada sobre a mesa de corte como a peça de um animal que acabara de ser abatido, as pernas do jovem eram longas, alvas e com poucos pêlos e estavam duras como borracha, mas eram outras as partes que interessavam o açougueiro. Amolou a faca, mas não ousou tirar os olhos do pedaço macio que fazia sua boca salivar, lambeu os lábios, enquanto a lamina do cutelo cantava no escuro. A satisfação não demorou a tomá-lo por completo, e seu assovio veio para tornar o ritual ainda mais sádico e aterrador, o som agudo e zombeteiro agora acompanhava a lâmina riscar o amolador no mesmo ritmo. Eve não estava dormindo, os pêlos dos seus braços eriçaram-se, mas ela decidiu que não abriria os olhos.

— Sabe qual a parte mais saborosa do corpo humano? — indagou Jeremy, analisando a lamina do cutelo. Olhou para o canto onde Eve fora acorrentada e aguardou por uma resposta. — Ele me disse que você está acordada. Não finja. — voltou então a atenção para a mesa de corte e continuou a trabalhar com o cutelo. Sentia o medo de Eve entrar por suas narinas e aquilo o excitava. — Não se preocupe, você a verá viva ainda...

Foi como sentir dedos grossos em volta do coração, apertando-o com força. Doía lembrar-se de Charlotte, que estava tão perto, mas ainda tão longe. Havia maçãs em volta dela e seu estômago dava coices em direção a sua barriga cada vez que o cheiro podre lhe roçava as narinas. Estava fraca, suja e, talvez, doente, o chão era frio, úmido e duro, e ela só sentia algum conforto quando o sono chegava e levava a fome embora, trazendo com ele sonhos em que ela estava longe daquele inferno com sua filha a salvo nos braços. Aquele lugar causava confusão e esquecimento em sua cabeça, ás vezes a Senhora White pensava que acordaria a qualquer momento em sua cama ao lado do seu marido velho, gordo e porco, mas sempre que despertava ainda estava acorrentada e esquecida no subsolo daquela cabana. Nunca havia desejado tanto estar com o homem pelo qual havia sentido tanta repulsa. Tateou o chão a procura de saber qual era a data daquele dia, havia tirado os talos das maçãs que comia e os separado em um canto, mas agora apenas os arrancava, sem sequer tentar comer, pois o estômago se recusava a tamanha tortura. Longe dos olhos audazes de Jeremy ela havia contado e escondido 31 talos, e os passava de um lado para o outro a cada dia que terminava. Procurou do lado direito para verificar quanto ainda faltava para o final daquele mês, mas concluiu que estava no último dia do mês quando não encontrou nada ali e suas mãos esbarraram em todos os talos amontoados do lado esquerdo: aquele era um dia 31 de outubro e ela estava contente por isso.

— Aposto que não sabe a resposta. — insistiu Jeremy.

Lá embaixo era sempre escuro e não era possível presumir horário algum, mas Eve desejou que inda estivessem no horário do almoço para poder fugir ainda com a luz do dia, levando Charlotte consigo. Sua cabeça começou a planejar tudo muito rápido e a ansiedade fez seus nervos acordarem. Mas ainda precisava de coragem para confrontar o demônio.

— A bunda é a parte mais saborosa do corpo humano, minha cara. — fios brilhantes de baba escorreram pela barba suja de Jeremy. — É macia e suculenta como um bom filé: o melhor pedaço. — tirou a luva de malha de aço e apalpou entre as nádegas de Aaron. — Veja — introduziu o dedo médio no reto do cadáver e soltou um gemido gutural. — crua também é uma delícia. — puxou o corpo para si e se abaixou até ter as nádegas do morto ao alcance de sua boca, abriu-as e enfiou a língua lá dentro como se tentasse chupar um pedaço de sorvete que tivesse derretido para dentro da casquinha. — Hummm... quer experimentar?

As correntes fizeram barulho quando Eve se levantou, suas pernas tremiam tanto pela fraqueza quanto pela adrenalina que pulsava em seu peito. Estava nua, e demorou um pouco até que Jeremy se desse conta disso. Com uma ligeira expressão de espanto, o açougueiro parou com sua degustação e lhe deu a atenção requerida. O corpo de Eve não tinha a maciez jovem da metade de corpo sobre a sua mesa, mas tinha curvas e seios fartos e aquilo o interessava.

— Você... você fala demais. — a voz de Eve era incerta. — O seu pau... está duro o suficiente. — forçou um gemido e encarou o par de brasas que eram os olhos do açougueiro. — Me mostra, Lobinho bundão. — encostou na parede e acariciou a vulva como se balançasse um pedaço de carne crua para o cão sedento de olhos vidrados. — Vamos lá!

(Era Halloween e Charlotte andava pela casa toda com seu vestido esvoaçante de princesa, azul como havia pedido à mãe, mas mesmo com um sorriso radiante no rosto, a garota ainda se olhava no espelho do quarto e sentia que faltava algo e sobre os cabelos loiros imaginava uma tiara dourada e cintilante. No quarto ao lado Eve estava bêbada demais para se lembrar que não tinha comprado a maldita tiara e que não havia mais o que fazer, da janela do seu quarto ela observou a movimentação se formar na rua e aos poucos a pequena horda de crianças se alastrar por todo o bairro. O sol baixava, puxando o negrume da noite pelo céu. Desejou tempo para fumar mais um cigarro, mas a voz da filha parecia quase um choro atrás da porta. Gostava da filha, mas não gostava do marido. Aquele casamento havia sido forçado por questões que ela agora não tinha certeza ou não queria se lembrar. Tinha apenas catorze anos quando resolveu ficar na sala depois da aula e apalpou as calças do Professor Jeoffrey White. Nunca tinha chupado um pênis antes, mas o homem onze mais velho do que ela soube conduzi-la entre suas pernas e gozar aquela coisa gosmenta de gosto peculiar em sua boca. Jogou o resto de cigarro ainda queimando pela janela e ficou por um tempo observando com repulsa a barriga peluda e protuberante do homem deitado em sua cama. "Porco velho" murmurou mentalmente enquanto calçava o primeiro sapato que conseguiu alcançar com os pés debaixo da cama e cujos saltos eram tão finos e altos quanto eram possíveis. Ajeitou o cabelo com as mãos e saiu cambaleante.

Embora a filha tivesse garantido que estava feliz e que não se importava pela tiara esquecida, havia certo desconforto em seu modo de agir, mas a bebida já tinha feito Eve perder o discernimento das coisas e fazê-la tropeçar seis ou sete vezes com seus saltos, e ela não tinha como imaginar o porquê os outros pais e crianças olhavam para Charlotte com feições de desaprovação e risadas. Eve sussurrou algo difícil de compreender e caminhou até o jardim da casa mais decorada da rua. "Os Hemptons tem dinheiro e um filho problemático." Era o que dizia toda vez que a bola do pequeno Aaron batia na janela da sala. Era como se eles tivessem uma divida eterna com ela.

— Vamos começar por aqui. — falou para a filha. — Tudo bem, pode ir.

Mas a garota nada disse, sua estava molhada de suor e ela olhava para a mãe como se tentasse dizer algo. Antes que pudessem chegar até à porta dos Hemptons, apontou com a dedo para a cerca viva de arbustos e e agarrou o corpo de Eve com força. Um latido estridente veio de lá. Eve sentiu o choro quente molhar seu vestido e viu o vulto negro meio embaçado se aproximar.

— O que foi, Charlotte? — perguntou ela, tentando não cair.

— O... o meu... vestido. — resmungou Charlotte com o rosto enfiado na barriga da mãe.

— O que há de errado com ele? — perguntou Eve, fazendo um esforço enorme para perceber o que estava acontecendo.

O rottweiler veio de vagar, rosnando com todos os dentes pra fora e arrastando a corrente presa em sua coleira. Farejou o vestido de Charlotte e uivou como um lobo. Uma mancha avermelhada tinha manchado o forro do vestido e escorrido pelas pernas da garota, suas meias brancas e delicadas estavam ensopadas e uma trilha de sangue havia sido deixada pelo jardim e pela calçada de onde vieram.

— Oh, meu Deus! Querida, você menstruou! — espantou-se a Senhora White. Seu pé torceu na grama fofa e ela foi ao chão.

— Mamãe!

Em volta coros de risos se manifestaram e o cão só foi parado com a chegada do garoto de azul, capa vermelha e óculos maiores do que o seu rosto.

— Para trás, Shadow! Está tudo bem, Charlotte. — disse Aaron Hempton, puxando o cão pela coleira.)

Jeremy não entendia o que estava por trás daquela provocação e seu mentor não estava ali para instruí-lo, seu membro pulsou ávido e ele não queria recusar uma oferta tão explícita. Largou o resto do cadáver sobre a mesa de corte e caminhou até Eve, seus dedos desceram com empolgação o zíper do seu jeans, mas ele não chegou a liberar sua ereção, pois assim que sua mão a tocou na vagina, seu corpo foi arremessado para longe dela e rodopiou pelo porão. A figura de terno preto sem rosto se materializou e Eve sentiu aquela sensação sombria e familiar umedecê-la no meio das pernas.

As Crônicas Nocivas: Orfanato (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora