3. O FILHO DO LOBO [ATO 6]

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Os pulmões de Peter absorveram o ar daquele corredor lôbrego e estreito como se ele respirasse pela primeira vez, engasgou-se e ofegou, seus olhos estavam bem abertos, mas não enxergavam um palmo a sua frente, caminhou tateando as paredes que se dissolviam em poeira a cada toque dos seus dedos. Respirava a custo. As tábuas que interditavam a passagem surgiram, e o detetive sentiu um alívio antecipado acalmar os seus nervos por se ver fora daquela escuridão sórdida. Ajoelhou-se, um pequeno pedaço da sua camiseta ainda estava preso em uma farpa da tábua a dois palmos do chão, suas mãos tocaram algo molhado e pegajoso, e ele escorreu pela brecha para sair do outro lado, aliviado. Era quase dia, e uma claridade matutina entrava pelas grandes janelas dando descanso a visão de Peter, em suas mãos ele vislumbrou o sangue misturado a poeira, ainda estava quente, seu coração acelerou e instintivamente ele procurou por algum ferimento de bala no corpo. Não encontrou nenhum. Pelo chão um rastro de respingos vermelhos saía do corredor interditado e se entendia em direção a grande porta de entrada, mas aquilo não o interessava nem um pouco, Peter queria sair dali, sentia como se estivesse sendo observado a todo instante, e cada vez que se virava para espiar sentia medo de se deparar com uma figura não-humana.

Com passos lentos e desconfiados, ele seguiu de costas o caminho do rastro de sangue, com a arma apontada para o vazio e observando os corredores e a longa escada: silenciosos e ameaçadores. O orfanato ia sendo deixado para trás como alguém em sono profundo, e que não deveria ser acordado em hipótese alguma, e agora ele entendia isso mais do que nunca. A visão grotesca da pequena garota deformada vestida de bailarina e os corpos espalhados e apodrecendo naquele porão fétido ainda não tinha saído da sua cabeça, e era como se mãos invisíveis tentassem alcançá-lo e tragá-lo para dentro daquela insanidade mórbida. Suas costas esbarraram na porta de duas folhas, e ele acordou do transe, virou-se rapidamente, e girou a maçaneta com as mãos trêmulas, e foi a primeira vez em que Peter realmente sentiu medo ali dentro, e para o seu descontrole ainda maior, a porta estava trancada e as chaves não pesavam mais no bolso da sua calça. Gotas de suor escorreram sinuosamente da sua testa e da nuca, e Peter soube que não estava só.

— Agora você acredita.

A voz era familiar.

— Quem... — Peter hesitou. Sua cabeça procurava freneticamente em todas as direções.

— Você precisa deixar este lugar agora, Peter. — como uma nuvem cinzenta Charlotte emergiu das sombras. — Alguns já se foram, mas outros ainda permanecem aqui. Isso não vai parar.

— Charlotte... Eu... — tentou Peter, mas estava visivelmente abalado para formar qualquer frase. — Precisamos... Precisamos conversar...

— Não agora, Peter. Não hoje. — Charlotte fechou os olhos por alguns segundos, e quando os abriu novamente, falou com uma certeza mortal. — Eles já estão aqui e estão vindo para você. Volte quando tudo estiver bem.

— Não... Eu... — medo e coragem duelavam dentro de Peter. — Mas do que você está faland...

Antes que ele pudesse terminar a pergunta, um ruído forte veio de atrás de si, fazendo-o se afastar automaticamente, e em tempo de ver quando mais um golpe foi dado contra a porta, que estremeceu com a força. Peter rumou na direção da qual acabara de tentar fugir. Podia ouvir vozes do outro lado discutindo, e aqui o medo já o tinha paralisado, então sentiu a temperatura a sua volta cair bruscamente, e depois de um longo momento notou que sua mão esquerda segurava algo gélido e rígido, baixou os olhos, desviando a atenção da porta que recebia mais um golpe forte, para verificar os dedos da morta segurando a sua mão.

— Quando a porta se abrir é melhor você fugir. Não seja tolo de ficar aqui como eles, Peter. — sussurrou Charlotte.

(O quarto estava escuro com todas as luzes apagadas, e o pequeno Peter chorava abraçado ao seu pai, um nó havia se formado em sua garganta e ele sentiu lágrimas persistentes escorrerem quente pelo rosto e salgar seus lábios. Vincent estava sentado na cama com o filho no colo, e fazia um som com a boca que lembrava um choro reprimido. O garoto sentiu gotas molharem um dos braços em volta do pescoço do pai, e afundou a cabeça no seu peito, mesmo sendo muito pequeno ele sabia que iriam separá-los. Um golpe forte na porta estremeceu as paredes do quarto, e o oficial de polícia repetiu a intimação do outro lado:

As Crônicas Nocivas: Orfanato (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora