1. MEDO DO ESCURO [ATO FINAL]

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O ar frio arrepiou os pelos de Ethan, fazendo-o despertar-se, assustado. Olhou a sua volta: um borrão. Ainda estava sonolento, metade dos seus pensamentos estavam dentro de um sonho no qual ele ainda tinha uma família, alguns segundos lhe custaram para entender que estivera dormindo. As coisas ainda tomavam forma: um quarto frio, uma cama, que mais parecia uma maca e paredes brancas. Nada mais. Sem móveis ou objetos. Quando tentou se mover, sentiu as amarras apertar os tornozelos e os punhos. Estava nu, exposto como um rato de laboratório pronto para os experimentos, uma lâmpada fraca iluminava o quarto com uma luz amarelada e bruxuleante, a janela bateu, era grande como a janela de uma igreja, a força do vento a lançava com violência contra a parede, fazendo ondular as cortinas brancas. Sentiu frio, mas não havia nenhum cobertor por perto que pudesse aquecê-lo, e mesmo que tivesse, não seria capaz de pegá-lo. Sentia as articulações doloridas, havia restos de comida no chão próximo a cama, no entanto,  não se lembrava de ter comido ou bebido nada.

"Talvez eu esteja em casa." Desejou que sua mãe entrasse no quarto como sempre fazia para cobri-lo. Mas esta ideia era estúpida demais para se acreditar; sua mãe nunca o tinha amarrado nu a sua cama; sua casa não tinha aquela janela grande como a de uma igreja; seu quarto não era branco como o quarto de um hospital.

Não era um pesadelo.

A memória veio sorrateiramente até Ethan e o puxou pela mão, mas ele recusou e puxou sua mão de volta, não queria se lembrar, mas foi em vão, uma após a outra, as imagens do que acontecera na sala de estar da sua casa foram jogadas contra ele, como alguém arremessando objetos, sem que  pudesse desviar. Um aperto no peito o fez fechar os olhos, queria fugir daquelas lembranças, mas não queria adormecer naquele lugar estranho, tentou manter-se acordado: lúcido. Suas lembranças foram perdendo força lentamente, e, de repente, começaram a sumir para um abismo qualquer na sua cabeça. Sentiu-se sonolento, como se tivesse ficado muito tempo acordado, e precisasse dormir muitas horas.

Tombou a cabeça para o lado, e encarou a escuridão, o vento silvava e a janela continuava seu vai-e-vem violento, era assustador, sentiu vontade de gritar por ajuda, mas quem quer que o tivesse prendido ali, não dava a mínima para os seus lamentos e aflições. Um uivo ecoou lá fora, não era o silvo do vento, mas sim o clamor de uma besta; um lobo talvez. Ethan se contorceu, as amarras machucavam de tão apertadas, torcendo e beliscando sua pele frágil, soluçou baixo, sentindo o choro quente e salgado escorrer pelas bochechas até a boca, seu pequeno corpo tremia, e a fadiga era tanta, que o ar tinha sumido da atmosfera, e ele o puxava com força e dificuldade até seus pulmões. Depois de alguns segundos de desespero e lágrimas, tentou acalmar sua respiração, mesmo com a pouca idade que tinha, conseguia entender coisas que as demais crianças da sua idade não conseguiam, e podia fazer coisas que ninguém conseguia: um dom que ainda não entendia e que devia ser mantido em segredo.

O vento parecia ter se acalmado quando ele parou de soluçar, e quando a sua curiosidade ousou encarar a escuridão novamente, a janela estava fechada, Ethan perscrutou o quarto em busca do seu salvador, e então uma voz ecoou no vazio, vinda de lugar nenhum:

— Você é O Prometido?

Ethan tentou se mover inutilmente.

— Quem está aí? — indagou com a boca dormente.

— Espero que você seja. — continuou a voz em sussurros. — Espero que você acabe com todos eles.

— Quem... — ele tentou repetir a pergunta, mas sua boca não tinha forças.

Os olhos de Ethan começaram a ficar pesados, e procuravam em todas as direções, mas não encontravam de onde vinham aqueles sussurros sinistros. Não chegaram a descobrir, pois se fecharam e o sono veio profundo novamente. Das sombras de um canto do quarto, um garoto melancólico surgiu, e acariciou sua testa.

— Durma, Prometido. Eles não podem te fazer mal algum. — ele beijou a testa de Ethan e sussurrou uma última vez. — Não enquanto eu estiver aqui.

As Crônicas Nocivas: Orfanato (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora