5. NOITE DOS ÓRFÃOS (PARTE 2) [ATO 3]

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A batina de Henry era verde-esmeralda, a barra se arrastava pelo pavimento do Orfanato Galahad no ritmo apressado dos seus passos. Um ritmo ansioso e inseguro. Não gostava daquelas cores chamativas, mas era o que o disfarce pedia: uma personalidade bem distinta da sua. Stuart havia contribuído e mesmo depois de tantos anos continuava com aquele jeito protetor e paciente e com um gosto muito particular por cores vibrantes. Enquanto se dirigia a entrada da mansão, Vincent repetia em sua mente seu novo nome: Henry Mitchell. Um pequeno crucifixo dourado pendia solenemente do seu peito, a gola clerical incomodava e fazia o pescoço coçar e na mão direita a maleta que carregava parecia pesar mais do que devia; dentro dela estavam os documentos que lhe davam permissão para entrar naquela instituição. Tentou caminhar com o máximo de confiança até a porta, mas seus olhos iam como um pêndulo de um lado para o outro, desconfiados, e seus joelhos de repente pareciam ser feitos de molas. Parou em frente à porta dupla da mansão e respirou fundo, e isso o fez lembrar instantaneamente da sua primeira vez como detetive. Eram poucas as memórias que ele realmente fazia questão de manter naquela mente estóica, mas aquela ele jamais esqueceria.

(— Abaixe a arma, Baker! — a ordem ladrou bem nas suas costas, Hale estava arfante como um cavalo que tivesse trotado por uma pista de corrida inteira. — Abaixe a porra da arma, Baker!!!

De repente todos em volta estavam arfantes, tensos e petrificados. O homem na mira do revólver estava sentado no sofá da sala apenas de cueca, e com olhos saltados, e uma mão na frente do rosto. Na TV uma mulher era violentamente penetrada com gemidos escandalosos e seios fartos balançando na frente da câmera e no canto daquela sala escura e bagunçada uma garotinha de 8 anos soluçava, cabisbaixa, com medo de seu pai. Ele conhecia aquele homem, pelo menos por um instante não era mais um pedófilo investigado sendo pego em flagrante. Era o homem que o fizera sujar suas mãos de sangue pela primeira vez; aquele que roubara a sua inocência; o demônio que ainda o aterrorizava em sonhos.

Levou muito tempo até que Hale permitisse que ele segurasse uma arma novamente e mais tempo ainda até que ele mesmo se recuperasse do choque que tivera com aquele caso e seu nome nunca mais foi incluso em casos que envolvessem esse tipo de coisa. "Esse tipo de coisa" Ninguém ousava dizer aquela palavra em voz alta quando ele estava por perto, as pessoas sabiam de tudo e os burburinhos se espalharam por todo o departamento e depois por toda a cidade, mas ele nunca dissera nada sobre o assunto. Mas as pessoas sabiam que ele era sequelado e deixavam claro que sabiam com os olhares e com os sussurros.)

Vincent levou a mão à aldrava de ferro e repetiu uma última vez o nome que pegara emprestado, "Henry Mitchell", mas antes que pudesse batê-la, a porta se abriu e revelou o salão principal. Era como uma mansão mal assombrada, não pelas escadas e nem mesmo pela madeira do assoalho em perfeito estado, mas pela falta de luz. Ele estava nervoso, era a primeira vez que entrava em um orfanato depois de tantos anos, sua mente o tentou, mas ele sabia como bloqueá-la e quando a enxurrada de memórias melancólicas ousou avançar sobre ele, seus olhos se abriram e se ocuparam em analisar o lugar. Ficou ali parado com os joelhos tremendo, esperando que alguém aparecesse para recepcioná-lo, mas ninguém veio. Ajeitou então os cabelos loiros entupidos de gel para trás e avançou para dentro do cômodo. Exceto por um feixe de luz quase celestial que vinha da claraboia circular diretamente para o crucifixo pregado na coluna central do mezanino de madeira, todo o resto do salão principal era sombrio e nada convidativo. De repente, sua mente vagou, e foi como se o próprio Jesus estivesse ali para julgá-lo; ele ouviu o grito; lá estava os olhos do lobo negro novamente encarando-o da escuridão; lá estava o jovem rapaz rolando para o fundo daquele porão; e então a Senhora White veio cobrar dele uma resposta. Ele conseguia vê-la praguejando: "Covarde!" E mesmo que ela estivesse certa, no minuto seguinte ele mesmo se consolou. Não era possível chamar a atenção para aquele lugar ainda. A polícia vasculharia o orfanato também e o encontraria, não podia deixar aquele pobre garoto nas mãos do monstro que tinha certeza estar prestes a confrontar. Mas em algum lugar da sua mente arrevesada algo lhe disse que aquela não era a atitude correta.

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⏰ Última atualização: Feb 02, 2022 ⏰

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As Crônicas Nocivas: Orfanato (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora