O tempo passa voando.
Quando percebi, já fazia 6 meses que eu estava trabalhando para o Dr. Heughan e aquela era a melhor parte do meu dia. No colégio, eu continuava sendo motivo de chacota e não era mais convidada para festas e coisas do tipo. As únicas que ainda falavam comigo normalmente eram Holly e Karen, que acabaram se tornando pessoas fundamentais para mim.
Os posts fervorosos nas redes sociais foram diminuindo aos poucos, o que me fez respirar aliviada. Aquilo tinha beirado o ridículo. Agora eu caminhava pelo pátio do colégio exibindo minhas curvas em dia sem acusações de uma gravidez, só era ainda lembrada como a garota que dormiu com o primo, mas okay, eu já estava acostumada a ser o foco das fofocas e zuações.
Angus tinha tentado me procurar umas duas vezes para pedir desculpas pelo papelão no meio do pátio, mas eu não lhe dei abertura. Tínhamos colocado um ponto final em nossa história, ele me trocou por Kendall e pronto. Cada um para o seu canto.
Jayden ainda não voltara a falar comigo. Ignorava-me totalmente e eu não forcei a barra, pois estava mais focada em sua mãe; Nelly continuava com suas atitudes misteriosas e por várias vezes, no meio da noite, visitou o meu quarto e ficou me observando "dormir". Era desesperador e eu tinha medo de que ela descobrisse que eu a estava espionando. No último mês, as ligações misteriosas se tornaram mais frequentes e eu queria tomar coragem para procurar provas em suas coisas. Só precisava que ela saísse com meu pai... Porém, meu pai andava muito esquisito. Quase não saia do seu escritório quando estava em casa e no trabalho, fazia horas extras infindáveis para chegar cada vez mais tarde. Definitivamente ele e Nelly não estavam bem, o que me dava fagulhas de esperanças de que ele iria mandá-la embora.
Naquela semana, em especial, eu estava esperando a carta da faculdade e meus nervos estavam à flor da pele. Aquela era a minha passagem para a liberdade ou a minha maior decepção. Por muitas vezes eu e minha mãe fizemos planos para abrir a carta juntas e agora ela não estava comigo, porém, sabia que ela gostaria que eu fizesse isso por nós duas e seguisse firme com meus objetivos. Nem conseguia me concentrar direito por causa da ansiedade e tudo começou a ficar realmente estranho no fim do meu expediente em uma quarta-feira.
— Charlotte, você já pode ir, não temos mais nem um paciente, então vou fechar mais cedo. — Anunciou o Dr. Heughan, por volta das sete da tarde.
— Tudo bem, obrigada, doutor.
Arrumei minhas coisas e tomei um táxi para chegar mais depressa em casa. Naquele dia, não tinha ido de carro, pois tinha me esquecido de abastecer e o combustível não dava para ir até o colégio para depois passar em um posto, como já estava atrasada, acabei indo de carona com meu pai e de ônibus para o trabalho. Estava exausta, pois a semana de provas estava chegando e eu estava indo dormir todo dia bem tarde para poder estudar, por isso decidi pagar o taxista e não esperar o ônibus que ainda demoraria bastante.
Cheguei em casa por volta das sete e quarenta e estava tudo silencioso. Quase ergui as mãos para o céu por não ter ninguém em casa, pois assim poderia dormir um pouco antes do jantar. Entrei e subi direto para o meu quarto, trancando a porta em seguida. Ah, sim, trancar a porta tinha virado um hábito depois que Nelly deu de invadir meu quarto sempre que queria.
Joguei a bolsa no chão e mergulhei no meu ninho de cobertas e almofadas, permitindo-me relaxar. Não sei exatamente quanto tempo se passou, mas tenho certeza de que adormeci bem rápido devido a canseira e quando acordei, já estava bem escuro lá fora.
Acordei com um grito e batidas de porta. Tentei controlar a minha curiosidade e apenas fiquei próxima da porta do meu quarto tentando escutar alguma coisa. Era bem difícil, mas identifiquei uma das vozes como pertencente a Nelly e a outra era de um homem que não era o meu pai.
"Só quero acertar as contas, eu te avisei", disse o homem. Mais uma batida e mais um grito de minha tia.
"Não, eu não vou fazer o que está me pedindo, é absurdo!", bradou Nelly e então pude escutar o barulho de seus saltos pelo corredor. Ela estava correndo e só Deus sabe o quanto o meu coração pulou dentro do meu peito com cada tilintar do seu salto no piso.
"Acho que não tem muitas escolhas, madame", desdenhou o homem que vinha logo atrás dela, mas sem correr. Seu andar provocava leves barulhos, era quase inaudível.
"Vai embora", gritou Nelly. Em seguida, escutei o barulho de um vaso de flor se espatifando no chão. Já estava quase saindo do meu quarto quando um murro foi dado contra a minha porta. "Eu vou, madame, mas saiba que da próxima não serei tão bonzinho". Os passos foram se afastando e escutei Nelly desatar a chorar. Mal podia respirar de medo e aquela situação era tão bizarra que eu não sabia o que fazer.
Deveria aparecer e pedir explicações sobre aquele episódio? Deveria fingir que ainda não estava em casa? O choro de Nelly foi cessando e de repente a casa estava em completo silêncio novamente. O medo me dominava. Eu sabia que algo muito errado estava acontecendo com minha madrasta, mas não tinha como provar e por isso, apesar de ter informações, mas todas serem incompletas, decidi me calar.
Optei por pegar os sapatos e a bolsa que usei para ir trabalhar e sondar o território, Nelly não estava ali. Corri para o quarto ao lado e Jayden não estava também, apenas o seu cheiro amadeirado que me causava nostalgia. Respirei fundo e abri a janela, a escada ainda estava posicionada debaixo do parapeito e eu coloquei a bolsa no pescoço e a utilizei para descer, coloquei os sapatos e fui para a porta da frente, fingindo que estava acabando de chegar do trabalho.
— Oi, gente! — disse ao entrar, tentando disfarçar o meu nervosismo.
Nelly veio da cozinha com um sorriso completamente normal. Nem parecia que há pouco tempo estava gritando e chorando no andar de cima. Seu rosto não aparentava cansaço e nem nada. Cara, com certeza ela era melhor atriz que eu!
— Chegou cedo, Charlie — observou, soando desconfiada.
— Pois é, Dr. Heughan fechou o consultório mais cedo — justifiquei, dando de ombros e retirando os sapatos. — Onde está todo mundo?
— Jayden está na casa de um colega estudando e seu pai está ainda no trabalho — respondeu rapidamente, enxugando as mãos de forma exagerada no guardanapo. — É melhor você subir e tomar um banho para relaxar. Estou fazendo lasanha para o jantar.
— Certo.
Não disse mais nada. Dirigi-me para a escadaria e subi o mais rápido possível, entrando em meu quarto para respirar novamente. Parecia que minha mente estava me pregando peças e eu até pensaria que tudo tinha sido um sonho, se não tivesse certeza de que estava acordada e o vaso da mesinha do corredor não estivesse mais em seu lugar habitual.
Pelo visto, Nelly era uma mulher muito mais cheia de segredos do que eu imaginava e, sentada em minha cama, olhando para a porta fixamente, decidi que iria investigar e descobrir todos os podres de minha estimada tia.
Custasse o que custasse.
E isso custou.

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O Quarto ao Lado
Mystery / ThrillerCharlotte Helstone só precisa dizer a verdade, porém isso pode ser mais difícil do que realmente parece. Depois de ser presa, acusada do assassinato de sua madrasta, Charlie terá que provar que não é a real culpada, mas como se livrar disso se todas...