Laços fortalecidos

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 Ao tocar o sinal para o intervalo, Vicente disse que queria ficar sozinho. Respeitando sua decisão, desci as escadas rapidamente, na esperança de encontrar Karol, mas infelizmente não tive sucesso. Comprei um lanche e sentei-me em um banco qualquer para observar o céu nublado. Estava me sentindo diferente, como se a Beatriz de uns dias atrás não fosse mais a desse momento. Perdida em pensamentos, não percebi alguém se aproximar de mim.

— Uma menina da turma da Karol disse que ela passou mal e foi pra casa.

— Hã? Ah, é você, Vicente... — respondi, um pouco surpresa.

— Quem mais seria? — ele sorriu, mas não conseguia desviar o foco de seu óculos manchado pelas lágrimas — Mudando de assunto... o céu nublado assim é bom para desenhar. Eu costumava desenhar céu limpo, mas vamos mudar um pouco hoje. Ainda bem que trouxe meu caderno.

— Ué, mas você não disse que queria ficar sozinho? — perguntei, notando em seguida que ele poderia interpretar de maneira errada — Não que eu esteja...

— É, mas eu te vi sozinha e... seríamos dois sozinhos. — ele respondeu, um sorriso singelo no rosto — Não se preocupa, eu entendi sua pergunta. — ele disse, rindo.

— Que bom... — eu disse, um tanto envergonhada e aliviada. Eu tinha que aprender a decifrá-lo de vez em quando.

— Por que não conta um pouco sobre você? — ele questionou, logo após de sentar ao meu lado — É que, comparado a tudo o que eu contei hoje, eu não sei quase nada sobre você...

— Ah, Vicente, minhas histórias escolares não são das melhores. Eu... nunca tive um amigo de verdade, que não me decepcionasse depois... — ele me olhou como quem estivesse prestes a soltar um "Sério?" — Só nesse ano que eu comecei a conversar com um menino da outra escola. Ele até me tratava bem, mas... — disse, abaixando a cabeça. Todas as lembranças voltavam à tona, me impossibilitando de falar. Eu não queria passar a imagem de uma pessoa fraca para alguém que, poucos minutos atrás, contou algo ainda pior do que aconteceu comigo.

Ele abaixou a cabeça, provavelmente imaginando alguma coisa de ruim que possa ter ocorrido. Após um momento, ele sorriu discretamente e disse.

— Isso tudo ainda deve te deixar magoada...

— Eu... tenho medo de tudo acontecer de novo... — murmurei, levantando um pouco a cabeça, mas sem olhá-lo nos olhos.

— Não precisa ter medo. Pode ter certeza que eu e a Karol não vamos deixar ninguém te magoar. — ele abaixou um pouco a cabeça para me ver, o que me fez dar um leve sorriso. Era consolador saber que alguém pode te proteger quando vulnerável.

O sinal de término de intervalo tocou. Levantamos juntos e fomos em direção à sala de aula, conversando sobre os professores e outros assuntos banais. Era a aula de Ciências.

Após esse dia, meus laços com Karol e com Vicente aumentaram bastante. Ela era como uma irmã, sempre dedicada e gentil, enquanto Vicente era um grande apoio para mim, demonstrando um pouco de preocupação e estando sempre disposto a me ajudar.

Foram semanas de grande tranquilidade, até que as provas se iniciaram. Eu e Vicente não estávamos nada confiantes, assim que revisamos as matérias no ônibus e, quando chegamos, Karol nos ajudou antes de entrar na sala. Para piorar a tensão, a primeira prova era de Matemática.

Sabendo o quão tensas eram as provas dessa matéria na minha outra escola, eu coloquei meu material sobre uma das carteiras próximas ao professor e, em seguida, Vicente se sentou na carteira atrás da minha. Antes que ele pudesse dizer algo, eu perguntei:

Julgamento de uma IlusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora