Muralhas e pontes

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 Surpreendi-me, enquanto sentia o vento cortante e gélido entrar pela janela do veículo, assim como algumas gotas de chuva, que molhavam meu uniforme. Um arrepio subiu por minha espinha enquanto Vicente diminuía a abertura da ventana.

— R-Relação...? Como assim?

— É, vocês são só amigos? A-Assim, eu não... como eu digo...? — ele tentou se expressar, mas não pude deixar de perceber que seu rosto estava um pouco avermelhado, embora estivesse um pouco frio — Eu vou respeitar se vocês forem alguma coisa além, eu só... perguntei por curiosidade, tem horas que parece.

Vi-o se encolher um pouco no banco do ônibus, talvez pela baixa temperatura.

— Mas o que te fez pensar isso? — perguntei, confusa. Será que alguma menina fez algum comentário?

— Bem... esse período de trabalhos em que pouco nos falamos, pude notar que ele te observa muito. Fora o jeito que ele te carregou hoje, foi tão... estranho...

— Não, só somos colegas de classe. Nada mais.

— Lembra daquela promessa que a gente fez no 9º ano? — ele perguntou.

— De que, se alguma coisa errada acontecesse comigo, eu podia contar para você?

— Essa daí mesmo! — ele sorriu, parecendo feliz por eu lembrar — Eu não vou te obrigar, mas se algo estiver te preocupando, me conta. Eu não quero que você fique triste. E, mesmo assim, se for para ficar triste, ficamos tristes juntos! — ele colocou a mão esquerda sobre meu ombro.

Abaixei minha cabeça. Eu precisava contar isso a ele, até mesmo porque fizemos uma promessa. Respirei fundo e comecei.

— Eu nunca te contei o porquê de eu ter saído da outra escola no meio do ano, né?

— Não. No dia que você começou a contar, parecia tão triste... eu não insisti em saber o motivo, não queria te ver mal.

— Foi porque... em 2011... — tentei focar no que ia dizer — um menino disse que queria conversar comigo perto da piscina... mas, em vez dele, duas meninas estavam lá. Elas me humilharam e... — respirei fundo para conseguir dizer tudo de uma vez — tentaram me afogar na piscina da escola. O menino ficou assistindo tudo.

— O quê?! — Vicente exclamou, por sorte não atraindo a atenção das pessoas em volta — Como assim?

— Mas... — emendei, fazendo-o me olhar com uma expressão horrorizada — o nome dele era Alexandre. Nome e sobrenome iguais ao do que estamos estudando agora.

— Não... pode ser... — Vicente sussurrou — Mas ele sabe que você... bem, que você é a menina que ele assistiu ser quase afogada?

— Parece que sim. — murmurei.

— Era por isso que você parecia não ficar muito à vontade comigo no começo? — ele perguntou, subitamente.

— Bem, não era que eu não ficasse à vontade... — disse, meio sem jeito — acho que, no fundo, eu sabia que não precisava ter medo de você, pois você é totalmente diferente dele.

— Eu confesso que eu tinha medo que você fosse me tratar mal como todas as outras. Eu tinha criado um certo pânico de falar com meninas por causa do que aconteceu depois do incidente da Nádia, mas, por algum motivo, quis falar com você... — Vicente disse, embora cabisbaixo, com um pequeno sorriso — Eu não me arrependo disso.

— Sério? — perguntei, com dificuldade. Era um pouco engraçado o fato de termos nos conhecido em épocas tão delicadas: ele ainda superava o suicídio de Nádia, enquanto eu tentava esquecer todo o incidente com aquele menino de casaco azul. Eu sabia disso, por isso nunca contei toda a história, não aceitava ser um fardo para ele.

Julgamento de uma IlusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora