Traição

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— Deseja algo? — o atendente a perguntou, enquanto fazia um esforço para ouvi-la.

— Só um hambúrguer... eu gosto muito! — a menina de seis anos exclamou, arrancando uma risada do homem.

— Todo mundo gosta, pequena. — ele disse, enquanto entregava o lanche para a menina — Quando somos pequenos como você, as coisas têm mais sabor.

— É verdade! Mas... quando a gente cresce, as coisas ficam sem gosto? — ela perguntou, confusa, enquanto entregava os dois reais para o homem.

—Não, não é isso... quando você crescer, vai entender.

...

Eu estava no oitavo ano, com uma turma composta principalmente por repetentes. Eu não conseguia ter alguém que pudesse considerar como meu amigo na escola, estando sempre sozinha nos intervalos. Sempre que tentava me aproximar de alguém, me sentia deslocada, totalmente fora do padrão. As meninas apenas pensavam em namoro e em preservar uma boa aparência, enquanto eu priorizava meu futuro como musicista ou até mesmo professora.

O ano letivo começava antes do Carnaval, por isso muitos alunos só compareciam à escola após o feriado. Esse foi o caso de um menino, que já estudava há bastante tempo na escola e era bem conhecido, que, assim que entrou, causou um rebuliço na sala inteira. O garoto apenas sorriu e se apresentou a pedido do mestre, como era costume todos fazerem no primeiro dia de aula.

— Meu nome é Alexandre, mas acho que muitos aqui me conhecem. — olhou pela sala, parecendo analisar cada rosto lá presente — Para quem é novo, pode contar comigo se precisar de um conselho ou de uma companhia. — sorriu de forma encantadora — É um prazer estar aqui com vocês hoje.

Depois de minutos, que mais pareceram horas, toda a movimentação causada por ele foi cessando, se transformando apenas em uma agradável conversa. Ainda que ninguém estivesse e nem planejasse prestar atenção na aula, o professor começou a passar a matéria no quadro, talvez na esperança de que alguém fosse se importar com sua matéria. Peguei meu caderno e copiei tudo o que o professor escreveu no quadro, o que não era tanta coisa: apenas uma introdução da matéria de Geografia, mas, ainda assim, fiz questão de manter tudo anotado.

No início de abril, com o clima tenso de provas já dominando, os professores tentavam corrigir as atitudes dos alunos, constantemente dando longos sermões e conselhos. Eu, por outro lado, estava tranquila, pois a matéria era bem mais simples do que imaginei que seria. Foi uma semana inteira de provas, em que consegui manter minha média.

Na semana seguinte, os resultados já nos foram entregues, o que sempre causava um clima desagradável na sala de aula. Quando recebi o envelope com minhas provas, fiz questão de olhar todas elas, uma por uma, afinal, o que mais eu poderia fazer? Não era como se alguém fosse falar comigo. Eu já estava acostumada com estar sozinha sempre, não ia ser nesse dia que alguém surgiria para trocar alguma palavra comigo.

Ao menos era o que eu pensava.

Enquanto lia as provas, pude ouvir alguém me chamando. Olhei na direção da voz e um garoto de cabelos e olhos castanhos claros estava parado ao meu lado. Seu sorriso inconfundível me fez reconhecê-lo de imediato.

— Posso ver seu boletim? — Alexandre perguntou, tirando a franja da frente dos olhos.

— Ah, claro... — entreguei o papel, surpresa. Ainda que o tivesse visto várias vezes durante vários anos, era a primeira vez que ele falava comigo diretamente— Posso ver o seu?

— Nada muito emocionante, mas... — ele me entregou o seu envelope de provas com o boletim, com algumas notas vermelhas e outras na média. A mais alta foi sete, em educação física.

Julgamento de uma IlusãoOnde histórias criam vida. Descubra agora