Capítulo 10

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Trigésimo nono dia do primeiro mês, ano 7302.

Cena I – O Reflexo da Intolerância.

Os acontecimentos do dia anterior sacudiram todo o Zaatros. A notícia do fim da União Real e do "novo" seguimento Infiel que não reconhece Harkuos como deusa varreu o mundo com uma velocidade nunca vista. Em poucas horas, reis estavam de volta aos seus impérios cantando as novidades aos súditos, e eles, por sua vez, fizeram o serviço de difundi-las a todos os cantos, com alguns exageros, é verdade.

O trigésimo oitavo dia do primeiro mês do ano 7302 ficaria conhecido eternamente como o dia que dividiu Zaatros em Fiéis e Infiéis. Os que negam Harkuos não aceitam o título de Infiéis, pois só repudiam a ela, e não aos Deuses Ancestrais; logo, o povo chamado de Infiel pelos seguidores de Harkuos adotaram um nome inspirado nos seus heróis, os Guardiões das Chamas, e passaram a se intitular como "Lumes Antigos", ao menos entre os seus... para os Fiéis, eles continuariam como Infiéis.

Todos os reinos proibiram a entrada de pessoas de fora e de outras espécies em seus domínios; com exceção de Oroada, que nunca foi muito sociável e controla há tempos quem entra e sai por seus portões. Os externos que se encontravam do lado dentro dos reinos, e não foram banidos, estão sob vigia preventiva. Depois de alguns motins e vandalismos isolados, uns desconfiam dos outros. E essa tensão que o mundo experimenta no momento só reforça a xenofobia entre as raças e reinos.

Os dois lados acreditam estar com a razão. Imagine que três vidas novas surgissem agora, do nada, alheias a tudo, para serem instruídas a eleger um lado como dono da verdade; aconteceria o seguinte: o ser gerado no lado Fiel da trincheira teria sua mente impregnada com a certeza de que Harkuos é a herdeira da Fênix e do Dragão. Por sua vez, o ser nascido no lado dos Lumes Antigos seria alienado para crer no contrário, para crer que os únicos deuses de Zaatros foram a Fênix e o Dragão. Agora suponha que a terceira vida conviva, em doses iguais, com ambas as versões e que não seja manipulada rumo a nenhum dos caminhos. Que a escolha seja inteiramente dela. Certamente essa vida não escolheria lado algum, pois as duas teses têm argumentos convincentes e faltam provas que derrubem uma ou outra visão... isso o faria ficar em cima do muro.

Talvez a vida seja assim mesmo... nada é tão preto e branco. Existe no âmago de cada postulado a parte real, nunca provada; e a parte imaginária, nunca descartada. Como distingui-las sem testes? A resposta é fácil, mas não é bonita: guerra. O mais forte, é o dono da verdade; aquele que exterminar primeiro todos os que pensam diferente de si, é o possuidor da derradeira palavra. É cruel e é assim a construção (ou destruição) do mundo na falta espaço para o debate e o questionamento pacíficos... com lanças e escudos, sangue e lágrimas.

***

Cena II – Os Novos Heróis da Liberdade.

14 horas e 06 minutos. Reino Anão – Ruthure. Novo Q.G. dos Guardiões das Chamas.

Os Guardiões das Chamas não estavam mais acuados em cavernas. Agora, quando saíam do alojamento e passeavam pelo reino, eram ovacionados pelos ruthuranos. Todos esperavam deles o fim da tirania de uma humana nascida feiticeira que passara a ser considerada bruxa entre os ruthuranos e kaothenos. Os Guardiões exibiam sorrisos vitoriosos e desfilavam pelas avenidas em trajes nobres, capas, vestidos e fraques luxuosos e imponentes.

O clã recebeu uma fortaleza de três andares, reforçada e protegida contra investidas de aríete, magia, chuva de flechas e uma infinidade de outras coisas que porventura venham a ser usadas em batalhas. Em seu interior, havia ainda um andar subterrâneo para casos de emergência; era lá que ficavam, além do arsenal, os mantimentos e os medicamentos da equipe.

A Herdeira de ZaatrosOnde histórias criam vida. Descubra agora