Samuel não poderia deixar de satirizar a situação, era a forma que ele encontrava de amenizar o clima pesado que dominava a sala:
- Vocês pareciam protagonizar uma peça trágica aos moldes de Romeu e Julieta. William Shakespeare ficaria orgulhoso.
Ambos deixamos de lado o ar sério e sorrimos por um breve momento. O leve humor era necessário para que não nos afundássemos em um redemoinho de tristeza.
- Então você se tornou um fidalgo religioso para conquistar a confiança da família da moça? – Ele me questionou com o mesmo ar sarcástico.
- Praticamente eu me tornei outra pessoa. Eu não estava tentando fingir. Nunca fui uma pessoa ruim, no entanto também não me considerava um símbolo de santidade.
Eu fui ensinado pela minha família a respeitar toda opinião diferente da minha. Quando o assunto era religião, não era diferente. Eu tinha minhas crenças passadas de geração em geração, como é na maioria das famílias. Acreditava naquele ser maior que direcionava a sua criação com zelo. Mesmo assim, de um modo inconsciente, minha mãe ensinou que independente do que você acreditasse isto não poderia dominar a sua mente.
Por uma causa que parecia ser muito importante para mim, passei a devorar livros de teologia. Queria entender não somente a situação em que me encontrava, mas também queria sanar os questionamentos que eram comuns a todo ser humano. Dúvidas muitas vezes infantis e que não eram respondidas por ninguém.
Os livros teocráticos passaram a me acompanhar juntamente com meu caderno vermelho. Dava mais atenção a eles do que a qualquer outra coisa. Com a exceção de uma pessoa. Quando Helena conseguia fugir das muralhas de seu cárcere para me encontrar, eu não dava a menor importância para os livros. Eu queria apenas desfrutar dos poucos minutos que podia estar na presença dela.
Nos encontrávamos pelo menos quatro vezes durante a semana. Ela inventava uma desculpa ou esperava ficar só e corria para a loja de bebidas. Entre a troca de beijos e abraços a felicidade nos invadia. O depósito de garrafas no fundo da loja se tornou o refúgio de um amor proibido. E eu ansiava pelo momento em que não precisaria mais me esconder ou esconder o que sentia.
Conseguimos manter essa rotina por alguns meses. Eu me sentia como um lutador me preparando para o grande combate. Lia, escrevia e estudava todos os dias. Passei a freqüentar as mesmas cerimônias que a família de Helena frequentava. De inicio me mantinha afastado, como mero espectador. E com o tempo comecei a me aproximar dos pais de Helena com breves conversas ao final das cerimonias.
Em uma das tardes em que Helena veio a meu encontro, ela carregava um ar mais alegre do que o de costume. Ela parecia radiante. Não somente aparentava isso, como também estas foram suas palavras: "Tenho boas notícias!".
Ela disse ter conversado com o pai e ele aceitou me receber para o jantar no sábado. Finalmente o grande dia havia chegado. Era hora de colocar em pratica o que já estava planejando a muito tempo. Todas as linhas dos incontáveis livros que li deveriam estar frescas na minha cabeça.
Claro que eu aceitei o convite feito com tanta boa vontade. Combinamos o horário e eu anotei em um pedaço de papel o endereço de sua casa. Eu me senti tenso e ansioso todos os minutos entre o convite dela e a noite de sábado. Quando momento da prova de fogo chegou eu estava completamente aterrorizado. Eu havia me arrumado e me perfumado e me encontrava em pé diante da porta da casa de Helena. Devo ter levado pelo menos 15 minutos para tocar a campainha, tamanho estado de choque em que me encontrava.

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Entre Lobos e Cordeiros
RomansaEm um inesperado reencontro com um velho amigo, Gabriel recebe um presente que vai fazê-lo reviver cenas de um passado que ele luta para esquecer. Entre as lembranças de intrigas, discussões e desejos latentes surgem questionamentos pertinentes à to...