Ponto Final

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            Na semana seguinte voltei ao hospital trazendo comigo um pequeno pacote dourado enfeitado com um laço. Meu objetivo era visitar Rafaela e ter uma conversa mais rica do que a que tivemos em nosso primeiro encontro. Fui anunciado na recepção do hospital e Camila veio ao meu encontro. Ela me acompanhou até o grande salão onde as crianças estavam, mas dessa vez não causei nenhuma reação quando entrei na sala. A falta das roupas coloridas e do nariz vermelho pareciam me apagar no ambiente e me tornar apenas mais um visitante.

Enquanto Camila desviou-se para conversar com outras crianças na sala eu fui direto para a cama onde Rafaela estava deitada. Como uma estatua ela permanecia do mesmo modo como a vi uma semana antes. Continuava deitada, séria, lendo o mesmo livro. Encostei na parte inferior de sua cama e ela claramente me reconheceu, mesmo sem a maquiagem e as roupas engraçadas.

Coloquei o embrulho dourado sobre as penas da garota e usando o mesmo tom irônico que ela se apoderou quando me conheceu, apenas disse: "Você me recomendou um livro que eu já li. Trouxe um presente para que você amplie seus horizontes." Ela esboçou um sorriso sincero. Me senti satisfeito por pelo menos ter despertado o interesse dela.

A jovem abandonou a história de Frankenstein e se ajeitou na cama. Se debruçou e alcançou o embrulho que pesava sobre suas pernas. Com curiosidade ela rasgou o material que envolvia o presente. Em poucos instantes o livro que trouxe para ela estava desnudo em seus pequenos dedos. A obra de Stephen King intitulada "A coisa" fez os olhos da garota brilharem.

Contei como o autor me agradava e como aquele livro traria uma nova visão de terror para ela. Depois de insinuar sutilmente que ela gostava de livros de terror sua resposta me surpreendeu: "Frankenstein não é um livro de terror, é uma história de amor... Mostra que todos no mundo precisam amar e ser amados, até mesmo as criaturas mais cruéis...". Essa resposta foi como um soco no estomago. Mesmo com a pouca idade ela tinha uma visão de mundo que intrigava.

Rafaela era mais inteligente do que muitas pessoas adultas. Gostava dos livros tanto quanto eu gostava do meu caderno de desenho. Passamos horas conversando e debatendo assuntos diversos. Ela expunha seu olhar doce sobre as coisas e eu expunha minha opinião melancólica. O fato de divergirmos em muitos assuntos era o que tornava a conversa excitante. Ela se agradava em defender seu ponto de vista e eu a incentivava por achar incrível uma menina aparentemente sem esperança, ser tão cheia de vida.

Rafaela passou a aguardar minhas visitas todas as semanas. E sempre após nossas conversas, eu me despedia e ia para o refeitório do hospital onde passava mais um longo tempo conversando com Camila. O cuidado mútuo que tínhamos com Rafaela acabou nos aproximando. Embora Camila fosse uma jovem muito bonita e extremamente carinhosa nos gestos e na fala, nós nao tínhamos uma atração física um pelo outro. Era como se já nos conhecêssemos a muitos anos e sempre tivéssemos sido grandes amigos. "Nossa amizade vem de vidas passadas" como ela dizia. Embora não concordasse, eu achava uma visão irreverente e uma opinião sinceramente amorosa para descrever a grande amizade que cultivamos em tão pouco tempo. Agora eu tinha duas grandes e inesperadas amigas: A pequena Rafaela e a doce Camila.

Passei a dividir meu tempo entre o trabalho e as visitas ao hospital. Me sentia mais rico a cada visita que fazia às minhas amigas. Rafaela começou a se mostrar mais alegre e aberta. E eu parecia um alivio para o dia agitado de Camila. Ambas pareciam satisfeitas por poder conversar comigo mesmo que fosse apenas um dia na semana.

Com o passar do tempo Camila me contou sobre seus sonhos e um pouco sobre sua vida. Ela trabalhava no hospital para pagar sua faculdade. Embora gostasse do trabalho com as crianças, queria algo melhor, afinal todos tem aspirações e projetos profissionais. Eu lhe contei sobre meu trabalho na Arenque Comunicações, sobre a vontade que tinha de abrir minha própria empresa de publicidade e propaganda e também sobre minha desilusão amorosa.

Entre Lobos e CordeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora