Em poucos instantes Samuel retornou da penumbra que dominava o estreito corredor da casa. Em suas mãos, os copos antes vazios agora estavam completos com cerveja. A bebida não combinava com o lugar, não combinava com o momento e muito menos com a temperatura que predominava janela a fora. Mas o costume era mais forte do que as impressões. Acho que por esse mesmo motivo ele mantinha as garrafas de cerveja estocadas mesmo no inverno rigoroso.
Ele se sentou novamente ao meu lado. Entregou um dos copos para mim e fez um aceno com a cabeça. O movimento discreto deixava evidente que eu deveria continuar o meu relato. E assim fiz. Continuei a contar como conheci, me apaixonei e passei a ter repulsa de Helena.
Nunca me interessei por histórias de amor. Sempre me pareceram falsamente projetadas. Nenhuma tinha o tempero necessário para me prender. No entanto as histórias de intriga, horror, ação e aventura me despertavam interesse. Acho que não era o único a pensar dessa forma naquela sala. Então decidi resumir as partes adocicadas da historia para poder chegar mais rapidamente ao ponto que interessava a Samuel.
- Para minha surpresa, enquanto estava distraído desenhando sobre a mesa do bar, Helena se aproximou. Fiquei ainda mais surpreso do que no dia anterior. Não achei que ela voltaria e muito menos que faria isso em tão pouco tempo.
- O que ela queria?
- Trazia consigo uma vasilha repleta de biscoitos. Ela sorriu para mim e estendeu a vasilha em minha direção. Ela disse ter feito os biscoitos como pedido de desculpas pelo ocorrido no dia anterior.
- Então a bela moça também sabia cozinhar? Ainda não consigo ver nada de errado nela.
- Talvez não houvesse nada de errado com ela, mas sim comigo. Eu escondi o caderno onde estava a figura abstrata e me voltei para a figura maciça que estava ao meu lado. Passamos a tarde conversando. A cada minuto ficava nítida a nossa semelhança.
- Acha que nesse momento ela passou a gostar de você também?
- Tenho quase certeza... Ela passou a me visitar na loja todos os dias. Eu me tornei parte da rotina dela assim como era levar Guto para passear. Nós nos sentíamos cada vez mais próximos.
Samuel mantinha os olhos fixos em mim. Praticamente não piscava. Ele aguardava ansiosamente o ápice da minha história. Eu já estava calmo. Não tentava mais entender os motivos de Samuel ou onde tudo aquilo me levaria. Era simplesmente um contador de histórias, e um ouvinte interessado ajuda muito.
- Depois de dias me encontrando com Helena, já não conseguia mais disfarçar minha atração. E ela, mesmo de um modo sutil também demonstrava seu interesse.
- Acho que sei onde isso vai terminar...
Samuel estava tão interessado que já estava ate mesmo se adiantando na história. Ele estava certo em seus pensamentos. Mas as coisas não aconteceram de forma tão simples como ele imaginou.
Naquele dia toda a minha conversa com Helena tinha um ar romântico. Estávamos sozinhos na loja como sempre. Ela falava comigo encostada no longo balcão. E eu fazia anotações enquanto caminhava pela loja.
Não sei bem ao certo o motivo, mas tive uma repentina vontade de parar e me aproximar de Helena. Provavelmente tenha me deixado levar pelo silêncio que tomou conta do ambiente. Nosso assunto que fluía alegremente de repente cessou.
Caminhei a passos curtos em direção a Helena. Meu olhar se mantinha fixo nos olhos dela. Pela primeira vez eu me senti calmo na presença dela. Mas bem diferente de mim, ela parecia ofegante. Eu quase podia enxergar o seu coração pulsando acelerado no peito. Seus lábios ficaram entreabertos como uma tentativa de puxar mais ar e se acalmar.
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Entre Lobos e Cordeiros
RomansaEm um inesperado reencontro com um velho amigo, Gabriel recebe um presente que vai fazê-lo reviver cenas de um passado que ele luta para esquecer. Entre as lembranças de intrigas, discussões e desejos latentes surgem questionamentos pertinentes à to...